08/04/2022

A Fundação do Cimi

Texto da coluna “Causos e Casos”, um especial do Jornal Porantim em comemoração aos 50 anos do Conselho Indigenista Missionário

Ilustração Mariosan

Por Egydio Schwade* – MATÉRIA PUBLICADA ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO 443 DO JORNAL PORANTIM

Estávamos (Thomaz Lisboa, Adalberto Pereira e eu), juntos em Diamantino, Mato Grosso, 1971, quando recebemos a carta-convite do Pe. João Mometti, do Secretariado Nacional de Atividade Missionaria-SNAM da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, para participarmos de mais uma reunião de missionários das prelazias e dioceses com presença indígena, a se realizar em Brasília, entre 22 e 25 de abril de 1972. P. Mometti acabara de chegar de um curso de Missionologia em Roma. Estava por fora dos encontros anteriores, onde se urgira a criação de um instrumento de coordenação das atividades missionarias que garantisse a atualização da ação indigenista da Igreja, desejada pelo Concílio Vat. II. Naquele momento eu estava na coordenação da OPAN, entidade de leigos que havia criado em 1969, visando a participação dos leigos para acelerar a mudança da pastoral indigenista.

Thomaz Lisboa, Adalberto Pereira e eu, estávamos insatisfeitos com a agenda prevista para aquele encontro de Brasília e por isso nos dirigimos ao Bispo de Diamantino, D. Henrique que estava de malas prontas para ir ao encontro dos Bispos do Regional Mato Grosso, em Campo Grande. Manifestamos a ele a nossa inquietude frente a agenda do encontro e ele nos disse na hora: “Então vocês dois, (e apontou para Thomaz Lisboa e para mim), se preparem e vão comigo”. Aceitamos.

Em Campo Grande, D. Henrique apresentou a nossa preocupação e fomos encarregados pela Assembleia dos bispos de redigir uma nova proposta para a reunião dos missionários em Brasília, que incluísse a criação de um instrumento que desse uma nova face a atividade missionaria da Igreja Católica junto aos indígenas e garantisse uma visão nacional da questão.

A nota foi aprovada e publicada no Boletim da CNBB e no Observatório Romano, órgão de imprensa do Vaticano. Mas não foi aceita pelo coordenador do SNAM, Pe. Mometti. No encontro perderam-se dois dias em discussões infrutíferas, até que finalmente foi decidido que se discutisse a questão central, expectativa dos encontros anteriores e já assumida pelos bispos de Mato Grosso: o instrumento de transformação da ação missionária. O Pe. Mometti em protesto se retirou da reunião. Solicitaram então que eu assumisse a coordenação e D. Sigaud, bispo de Diamantina/MG, bispo ultraconservador, a secretaria. De imediato fomos ao assunto e foi criado o Cimi.

Neste encontro conheci D. Tomás Balduino que já vinha na mira dos missionários desde a primeira reunião de Morumbi/fev. de 1968, onde fora proposto para ser o Bispo Pessoal dos Índios, cargo que não aceitou por discordar dele e que foi superado pela criação do Cimi.

Fez-se então a eleição do primeiro Conselho que incluía pessoas importantes da Igreja Missionária de toda a Amazônia. Todos experts na questão indígena. Diversos com livros publicados. Da Prelazia de Diamantino/MT foram escolhidos três: D. Henrique, Pe. Adalberto Pereira e P. Thomaz Lisboa, o que levou a nós três, padres da mesma, a questionar o Conselho eleito, solicitando uma mudança para incluir o dominicano D.Tomás, em substituição a D.Henrique. D. Tomás porem só aceitou mediante uma nova eleição. O que ocorreu logo em seguida, quando foi eleito oficialmente conselheiro do Cimi.

 

Causos e Casos

Iniciada na edição de abril de 2021, a coluna “Causos e Casos” é um especial rumo aos 50 anos do Conselho Indigenista Missionário, que traz textos assinados por Egon Heck e Egydio Schwade, dois dos fundadores do Cimi e militantes da causa indígena brasileira antes mesmo da criação da entidade.

É a comemoração do cinquentenário por meio do reconhecimento da contribuição do Cimi para o desenvolvimento da causa indigenista a partir de seus missionários e missionárias, aqui representados por Egon Heck e Egydio Schwade. Figuras históricas de luta que contribuem fortemente para a atuação missionária junto aos povos originários, dando um novo sentido ao trabalho da igreja católica.

As histórias da “Causos e Casos”, escritas especialmente para esta coluna, mostrará que a atuação missionária, além de favorecer a articulação entre aldeias e povos, promovendo as grandes assembleias indígenas, onde se desenharam os primeiros contornos da luta pela garantia do direito à diversidade cultural; também fomenta espaços políticos e estratégias para o fortalecimento do protagonismo indígena.

Egon Heck e Egydio Schwade relatam causos e casos com propriedade, pois, desde os primórdios, fizeram parte das linhas de ação do Cimi, sendo impossível separar suas vidas da causa indígena brasileira. Engajados com as comunidades desde a juventude, eles compartilham dos mesmos sentimentos dos povos originários e adotaram a causa como parte integral de suas trajetórias.

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*Egydio Schwade é indigenista, pesquisador, apicultor, ativista e cidadão do Estado do Amazonas, título concedido pela Assembleia Legislativa daquele Estado pela dedicação em prol dos povos indígenas da Amazônia. Relação que se iniciou em 1963, num momento em que os povos daquela região eram dizimados, tendo seus territórios rasgados por estradas, invadidos, saqueados e sendo sistematicamente desqualificados e discriminados nas suas formas de ser e agir.

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