Em apoio ao garimpo, “mineração artesanal” ganha programa do Governo Federal
Liberação de outorgas na Amazônia Legal terão “critérios simplificados”
Decreto publicado no Diário Oficial da União no dia 14 de fevereiro, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, institui o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mape) e dá aos responsáveis pela prática de “extração de substâncias minerais garimpáveis” o aval necessário para a continuidade das extrações ilegais em regiões protegidas.
A finalidade, segundo o decreto, é de estimulo à chamada mineração artesanal e em pequena escala, com vistas ao desenvolvimento sustentável regional e nacional e, além da criação do programa, o decreto também institui a Comissão Interministerial, um colegiado do governo que ficará responsável por definir as diretrizes para execução do Pró-Mape. O texto ainda institui a Amazônia Legal como região prioritária para o desenvolvimento dos trabalhos da Comissão, região que concentra florestas preservadas e reservas indígenas protegidas.
Sobre o assunto, o coordenador do Cimi Sul, Roberto Liebgott, disse ao Jornal Extra Classe que o governo avança suas linhas e agora finca os pilares da garimpagem na Amazônia, como prioridade, para estimular o garimpo ilegal nas terras indígenas. “Esse conselho (Comape) será para fazer reverberar as falas de Boslonaro com relação ao garimpo. O Pró-Mape colocará os trilhos por onde passarão os vagões carregados de garimpeiros com equipamentos, armamentos e munições”, alerta.
No mesmo dia, outro decreto do governo trouxe novos incentivos ao garimpo com o afrouxamento de regras de liberação de novas outorgas pela Agência Nacional de Mineração (ANM), que devem criar “critérios simplificados para análise de atos processuais e procedimentos de outorga”.
As maiores áreas invadidas em territórios dos povos originários estão nos Kayapó (7.602 hectares) e Munduruku (1.592 hectares), no Pará, e Yanomami (414 hectares), no Amazonas e Roraima
Vale lembrar que no Brasil, entre 2010 a 2020, a área ocupada por garimpos dentro de terras indígenas cresceu 495%, segundo a rede de especialistas denominada Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil. Em levantamento lançado em agosto, a organização divulgou que 93,7% dos garimpos, irregulares ou regulares, estão na Amazônia. As maiores áreas invadidas em territórios dos povos originários estão nos Kayapó (7.602 hectares) e Munduruku (1.592 hectares), no Pará, e Yanomami (414 hectares), no Amazonas e Roraima. Entre as 10 unidades de conservação com maior atividade garimpeira, oito estão no Pará. A maior é a Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós, com 34.740 hectares de exploração.
Um levantamento exclusivo divulgado pelo Mapbiomas mostra que a área minerada no Brasil cresceu 6 vezes desde 1985, alcançando hoje 206 mil hectares. Segundo a análise do jornalista Maurício Ângelo, fundador do Observatório da Mineração, nada disso acontece por acaso. “O boom do preço das commodities, que aconteceu na primeira década dos anos 00 e se repete agora, com o minério de ferro, o cobre e o ouro alcançando preços históricos no mercado, explica parte da situação. O convite aberto e permanente para a exploração industrial de larga escala por multinacionais feito por todos os governos federais, estaduais e municipais também entra no pacote. Os incentivos fiscais são inúmeros, as facilidades no licenciamento – nos ritos “legais” ou nem tanto – idem”, avalia.
Questionamentos no Congresso Nacional
Diversos deputados já trabalham na elaboração de projetos de decreto legislativo voltados à anulação do ato do presidente, aponta o site Congresso em Foco ao noticiar o nome de Denis Bezerra (PSB-CE) como primeiro deputado a protocolar um projeto de decreto nesse sentido. Ao site, o parlamentar apontou para vícios na própria forma com que o Pró-Mape foi desenhado. “O decreto cria uma comissão interministerial composta por cinco ministérios para organizar o debate, mas não traz nenhum setor responsável para dentro do diálogo, e nem traz a sociedade civil de forma participativa ao diálogo”.
Outro deputado que pediu a suspensão do ato de Bolsonaro por meio de um projeto de decreto legislativo protocolado no dia seguinte à publicação que instituiu o Programa foi Reginaldo Lopes (PT-MG), acompanhado de todos os demais membros do partido. Em entrevista ao Estadão, Lopes frisou que o decreto presidencial institui uma série de medidas que, na prática, “poderão representar um aumento nas atividades potencialmente danosas de garimpagem na região” amazônica, com incentivo à mineração predatória e invasão de áreas protegidas.
“O decreto simplesmente muda o nome de ‘garimpo’ para ‘mineração artesanal’ e consolida a política do governo Bolsonaro no avanço da mineração predatória sobre áreas até o momento protegidas. Trata-se de um sinal verde definitivo para os garimpeiros que atuam na extração de ouro em regiões da Amazônia até então intactas, criando fundamentos programáticos para que sejam feitas mudanças no rito administrativo obrigatório dos processos de licenciamento minerário e ambiental, em flagrante contraste com a legislação”, afirma o parlamentar.
Bolsonaro e o garimpo
Não é de hoje que Bolsonaro defende a atuação de garimpeiros no País. Em 2019, durante transmissão ao vivo pelo Facebook, afirmou que “garimpeiros não são bandidos” e que “merecem toda a consideração”. “Eles querem garimpar e nós queremos legalizar o garimpo”, disse.
Em maio do ano passado, em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, Bolsonaro disse que “não é justo, hoje, querer criminalizar o garimpeiro no Brasil. Não é porque meu pai garimpou por um tempo. Nada a ver. Mas, no Brasil, é muito bacana o pessoal de paletó e gravata dar palpite em tudo que acontece no campo”.
Em julho de 2018, em um vídeo que gravado, o presidente da República, que garante que o “garimpo é um vício, está no sangue”, disse: “sempre que possível eu paro num canto qualquer para dar uma faiscada”. “Faiscar” é o ato de procurar metais preciosos.
Enquanto isso, os órgãos de fiscalização que buscam combater os garimpos ilegais, são duramente criticados e boicotados pelo presidente.
Armadilhas articuladas
São inúmeras as ações do governo que conversam entre si no sentido de abrir as terras indígenas para as práticas de mineração, garimpo, hidrelétricas, agronegócio e exploração de petróleo e gás natural. As movimentações articuladas do governo buscam ainda apressar a aprovação do Projeto de Lei (PL) 191/2020 e de mudanças tanto no código da mineração quanto na própria Constituição Federal.
“O governo do presidente Jair Bolsonaro tem implantado uma política de destruição de todos os órgãos de fiscalização e proteção do meio ambiente e das populações originárias e tradicionais. A norma tem sido beneficiar empresas e empresários que têm apoiado o governo com as liberações para as exploração e destruição de todo ecossistema onde se localizam os povos indígenas e demais povos. Para este governo, floresta boa é floresta derrubada e asfaltada, e índio bom é o índio que colabora com esse modelo predatório”, disse o Cimi em nota, em dezembro do ano passado, após autorização do governo para garimpo em áreas preservadas.