Cimi denuncia à ONU o “extermínio programado” de povos isolados no Brasil
A denuncia foi realizada pela Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres (EAPIL) do Cimi, durante a 49ª sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH49) da ONU, nesta segunda-feira, 28
“No Brasil assistimos ao extermínio programado dos povos indígenas livres ou em situação de isolamento voluntário devido a uma ação deliberada do governo federal para permitir que esses povos sejam massacrados”, denuncia o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) ao Conselho de Direitos Humanos das Organizações das Nações Unidas (ONU), nesta segunda-feira, 28 de março.
Pedro da Silva Souza, da Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres (EAPIL) do Cimi, deu voz às denúncias no espaço “Diálogo Geral”, voltado a acompanhar e implementar a Declaração e Programa de Ação de Viena (1993). O evento faz parte da programação da 49ª sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH49) e contou com a presença da Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet.
A “Declaração e Programa de Ação de Viena” é fruto da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos realizada em junho de 1993, em Viena. No documento, a comunidade internacional reconhece e afirma o compromisso de garantir aos povos indígenas os direitos humanos e liberdades fundamentais e respeitar suas culturas e identidades.
“Assistimos ao extermínio programado dos povos indígenas livres ou em situação de isolamento voluntário devido a uma ação deliberada do governo federal para permitir que esses povos sejam massacrados”
Na avaliação da entidade, “o governo se abstém de sua obrigação constitucional de demarcar e proteger as terras indígenas”, denuncia Pedro. Conforme o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2020, publicado anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), pelo menos 21 Terras Indígenas com registros da presença de povos isolados estão invadidas.
Neste ano, 2022, “tivemos conhecimento de que a Funai [Fundação Nacional do Índio] havia desconsiderado três informes técnicos que confirmavam, desde o ano passado, a existência de um novo grupo de indígenas isolados no estado do Amazonas, próximo ao Mamoriá”, relembra o integrante da Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres do Cimi.
Há época, o Cimi denunciou a omissão da Funai ao Ministério Público Federal e solicitou medidas urgentes de proteção a indígenas isolados no Sul do Amazonas. Um novo grupo de isolados na região de Lábrea, no Amazonas, havia sido localizado em 2021, mas o órgão indigenista do governo Bolsonaro desconsiderou sua própria investigação e, também, a própria existência dos povos livres ou em isolamento voluntário.
“Tivemos conhecimento de que a Funai havia desconsiderado três informes técnicos que confirmavam, desde o ano passado, a existência de um novo grupo de indígenas isolados no estado do Amazonas”
Além disso, “os decretos de Restrição de Uso dos territórios com presença de grupos isolados são renovados por períodos muito curtos, de seis meses, e em alguns casos, como a Terra Indígena Jacareúba/Katawixi, nem sequer foram renovados”, reforça Pedro ao Conselho.
Frente a atual conjuntura dos povos indígenas no Brasil e o que consta a “Declaração e Programa de Ação de Viena”, de que:
“Os Estados deverão garantir a participação plena e livre dos povos indígenas em todos os aspectos da vida social, particularmente em questões que sejam do seu interesse… Os Estados deverão, em conformidade com o Direito Internacional, adotar medidas positivas e concertadas com vista a garantir o respeito por todos os Direitos Humanos e liberdades fundamentais dos povos indígenas, na base da igualdade e da não-discriminação, bem como reconhecer o valor e a diversidade das suas distintas identidades, culturas e organizações sociais.”
É com preocupação que o Cimi denuncia a posição anti-indígena do atual governo brasileiro e faz um apelo ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. Que adote “medidas urgentes que obriguem o Estado brasileiro à imediata proteção dos povos indígenas em isolamento voluntário e evite este genocídio”, conclui Pedro.
“É preciso medidas urgentes que obriguem o Estado brasileiro à imediata proteção dos povos indígenas em isolamento voluntário e evite este genocídio”
Além desta contribuição, nos dias 10 e 11 de março, lideranças indígenas voltaram a denunciar ao Conselho o aumento da violência contra os povos originários no Brasil e a política anti-indígena adotada pelo governo federal, que vem pondo em risco suas vidas e territórios. Outras duas contribuições foram realizadas junto ao Conselho: uma no dia 7 de março, realizada pelo presidente do Cimi, Dom Roque Paloschi e outra, realizada no dia 22 de março, pelo secretário executivo do Cimi, Antônio Eduardo de Oliveira. As denúncias expõem as contradições do discurso “descolado da realidade” do Estado brasileiro na abertura do CDH49, e alerta para a política anti-indígena encampada pelo governo de Jair Bolsonaro.
A 49ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU iniciou em 28 de fevereiro e se estende até 1º de abril deste ano, em Genebra, na Suíça, em formato híbrido. Devido à pandemia, a participação da sociedade civil está sendo de forma híbrida: presencial e por videoconferência.
Confira o discurso de Pedro da Silva Souza durante o CDH49, na íntegra:
Senhor presidente
No Brasil assistimos ao extermínio programado dos povos indígenas livres ou em situação de isolamento voluntário, devido a uma ação deliberada do governo federal para permitir que esses povos sejam massacrados.
O governo se abstém de sua obrigação constitucional de demarcar e proteger as terras indígenas. Segundo os dados reunidos pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 21 Terras Indígenas com registros da presença de povos isolados estão invadidas.
Em 2022, tivemos conhecimento de que a Funai havia desconsiderado três informes técnicos que confirmavam, desde o ano passado, a existência de um novo grupo de indígenas isolados no estado do Amazonas, próximo ao Mamoriá.
Os decretos de Restrição de Uso dos territórios com presença de grupos isolados são renovados por períodos muito curtos, de seis meses, e em alguns casos, como a TI Jacareúba/Katawixi, nem sequer foram renovados.
Solicitamos a este Comitê medidas urgentes que obriguem o Estado brasileiro à imediata proteção dos povos indígenas em isolamento voluntário e evite este genocídio.