28/02/2022

Cimi Regional Norte 1 realiza sua 42ª Assembleia e conta sua história, reafirmando o compromisso na defesa da vida indígena

Missionários, assessores e parceiros, em Assembleia, contam as perspectivas da nova forma de ser igreja que moveram a história do Cimi Regional Norte I na luta em defesa dos povos indígenas

Assembleia do Cimi Regional Norte I. Foto: Reprodução

Por Lígia Kloster Apel, da Assessoria de Comunicação do Cimi Norte 1

Memória, celebração, desafios e perspectivas foram as palavras que moveram a 42ª Assembleia do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte I, realizada de forma virtual nos dias 07 a 09 de fevereiro. A atuação do Regional compreende os estados do Amazonas e Roraima.

Com os novos coordenadores do Regional, Francesc Comelles e Jussara Góes Fonseca, conduzindo os trabalhos, a Assembleia reafirmou suas ações baseadas em uma verdadeira evangelização, trazendo a força e a coragem ancestral de religiosos e leigos que, somadas às determinações dos bispos das dioceses e prelazias do Amazonas e Roraima, construíram o novo indigenismo.

De ações de integração indígena à sociedade não indígena para ações libertadoras, onde a autonomia e liderança indígena na construção de sua própria história e por meio de seus próprios organismos de luta seriam os objetivos, o CIMI começou sus história. “Não mais uma igreja doutrinadora, mas o missionário colhendo as sementes do verbo ocultas nos povos indígenas”, diz o primeiro Secretário do CIMI, Egydio Schwade, que abriu os debates do encontro na primeira mesa, cujo tema foi “Memória dos 50 anos: Contexto, início e estratégias iniciais do Norte I”.

“Não mais uma igreja doutrinadora, mas o missionário colhendo as sementes do verbo ocultas nos povos indígenas”

Protesto dos povos indígenas durante a Constituinte: mobilização garantiu artigos 231 e 232. Crédito da foto: Beto Ricardo/ISA

Como precursor do Cimi, Egydio diz que “a questão indígena não deve ser regionalizada, mas deve estar e agir em todas as regiões, deve ser um debate nacional”, e conta como tudo começou: “comecei a organizar encontros de Pastoral Indígena nas regiões falando da nova perspectiva de uma igreja com os indígenas, ao invés de para os indígenas. E os CIMIs regionais vieram atrás desses encontros pastorais”.

Incentivados pelo Concílio Vaticano II, uma das mais importantes estratégias para iniciar o processo de criação do Cimi foi incluir os leigos e leigas na ação missionária. “Foi em 1973 que iniciamos o Cimi com essa nova perspectiva, e deu certo porque acolhemos leigos, leigas e seminaristas que, com o incentivo do Vaticano II, começaram a sentir essa nova perspectiva evangelizadora que deveria ser introduzida nas missões e passaram a colher as sementes junto com os religiosos”, conta o indigenista, explicando que a nova perspectiva adotada transformou a igreja.

“A questão indígena não deve ser regionalizada, mas deve estar e agir em todas as regiões, deve ser um debate nacional”

Egydio Schwade, primeiro Secretário Executivo do Cimi, durante a Assembleia do Cimi Regional Norte I. Foto: Reprodução

“Uma igreja comprometida, realmente buscando o bem estar de todos, com alimentos, vida e muito mais. De terem tudo em comum e dividir tudo com alegria”, e continua contando: “essa ação da igreja contribuiu, também, com a conquista dos territórios, hoje muitos demarcados. Muitos indígenas que haviam ido para os internatos da igreja que doutrinava, voltaram para seus territórios e se transformaram em fortes lideranças para uma luta nova e vigorosa no país inteiro. Encontrei muitos indígenas pelos rios da Amazônia que só estavam com uma ou duas famílias, mas que voltaram a se unir e hoje estão aí, crescendo e abrindo caminhos. Os indígenas são hoje o segmento mais forte, mais vigoroso que temos no Brasil”, conclui o missionário.

A essa memória de Egydio somaram-se as memórias e histórias do assessor teológico do Cimi, Paulo Suess, dos missionários Egon Heck, Carlos Zaquini e Guilherme Damioli, e Dom Leonardo Steiner, Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de Manaus.

“Uma igreja comprometida, realmente buscando o bem estar de todos, com alimentos, vida e muito mais. De terem tudo em comum e dividir tudo com alegria”

Guilherme Damioli, integrante da equipe que fundou o Cimi, durante a Assembleia do Cimi Regional Norte I. Foto: Reprodução

Suess lembra da trajetória de perseveranças apesar das dificuldades e que, tanto a ditadura militar instaurada no Brasil como os poucos recursos financeiros que tinham motivaram a ampliação do debate para outros setores da sociedade. Assim, os missionários compreenderam que seria necessário o registro das informações e sua divulgação. Criaram o Jornal Porantim.

“Começamos em uma salinha. Não tínhamos carro, não tínhamos moto, não tínhamos quase nada. Mas tínhamos a vontade de fazer. E o silêncio da ditadura nos inspirou e dissemos, ‘olha precisamos juntar esses pedaços’. Então, criamos o Porantim. Jornal que reuniu leigos, jornalistas, universitários e, assim, tivemos vários grupos juntos. E o Porantim também serviu para denunciar o que estava acontecendo”, contou o assessor que resumiu as diversas atrocidades contra os povos indígenas cometidas na ditadura militar e que foram denunciadas pelo Jornal.

“Começamos em uma salinha. Não tínhamos carro, não tínhamos moto, não tínhamos quase nada. Mas tínhamos a vontade de fazer”

Paulo Suess, assessor teológico do Cimi, integra a equipe fundadora da entidade, durante a Assembleia do Cimi Regional Norte I. Foto: Reprodução

Porantim, na língua do povo indígena Sataré-Mawé, significa remo, arma, memória. Com esses significados, com coragem e com o Evangelho na base de tudo, as ações foram se realizando, diz Suess. “Foi um tempo que nos encheu de alegria e de coragem. No Evangelho diz “não tenhas medo”, e nós realmente não tivemos medo. Quando a raiz está sadia, a planta cresce. Então, não atribuímos a nós as conquistas que alcançamos, mas à nossa raiz, que é militante, missionária e mística”.

Egon Heck, que esteve junto na criação e condução do Cimi em sua nova perspectiva, compartilha da posição de Suess dizendo que não faltou coragem para luta. “Tivemos muita coragem, determinação, clareza e tivemos a oportunidade de fazer essa caminhada de dentro para fora, de dentro da igreja para a sociedade, num processo de construção que veio na contra mão do processo de colonização e, especialmente, em defesa da pluralidade, da diversidade dos povos”, afirma Heck, com a certeza de que o caminho foi acertado, apesar dos sofrimentos.

“Porantim, na língua do povo indígena Sataré-Mawé, significa remo, arma, memória”

Capas de várias edições do Jornal Porantim. Foto: Reprodução

Capas de várias edições do Jornal Porantim. Foto: Reprodução

Missionário de alma, coração e ação, Heck é firme ao dizer que “conquistar esses direitos não foi fácil, custou muito sangue e muito suor da parte dos indígenas e, também, de missionários”. Lembra e fala que as mineradoras fizeram uma grande campanha contra o Cimi. “Uma campanha sórdida, feroz, assassina, que condenava o Cimi e difamava seus missionários”. E acrescenta que a luta do Cimi é justamente essa: “uma luta libertadora, que deu esperança ao país por reconhecer a pluralidade e os direitos desses povos. E como eles mesmos nos dizem, ‘nunca mais deve existir um Brasil sem os povos indígenas’.

Animando os novos missionários faz o alerta: “Não podemos esquecer que a luta e os expressivos trabalhos e contribuições do Cimi com a causa indígena foi uma luta de contribuição para a conquista dos direitos Constitucionais. E, agora, a história se repete e estamos novamente em um momento de condenação desses povos, dos seus direitos. Mas é preciso continuar, é responsabilidade nossa continuar aliado e se aliando aos povos e a parceiros, com toda a confiança e com articulação, aumentando cada vez mais apoiadores dessa causa. E que daqui a 50 anos o Cimi possa continuar sendo o amigo, o apoiador, que caminha para uma sociedade com várias mudanças”.

“‘Nunca mais deve existir um Brasil sem os povos indígenas’. Uma luta libertadora, que deu esperança ao país por reconhecer a pluralidade e os direitos desses povos”

Egon Heck, integrante da equipe fundadora do Cimi, durante a Assembleia do Cimi Regional Norte I. Foto: Reprodução

Compartilhando as lembranças de força, coragem e perseverança, mas também da construção de muitos conhecimentos e espiritualidade, Carlos Zacquini lembra da sua estadia junto aos Yanomami de Roraima, nas décadas de 1970 e 1980. “Na época estava muito empolgado fazendo pesquisas para entender a mitologia indígena, a mitologia dos Yanomami. Uma coisa muito rica, muito bonita. Suas crenças e seus rituais muito diferentes da nossa religião. Queria saber em que acreditavam e como acreditavam.  E isso me trouxe muita força para enfrentar as ameaças e crimes de uma época muito difícil”, diz Zacquini com a certeza de que a luta não foi em vão, mas confessa que sente uma certa frustração ao ver que as forças contrárias à existência indígena retornaram. “Hoje, depois de 50 anos envolvido com a questão indígena, vejo que a luta valeu a pena. Mas, dá uma sensação de frustração muito grande, de revolta inclusive, porque apesar dos avanços que se teve na conquista dos direitos, vemos que voltam os ataques, voltam as mortes. Especialmente entre as crianças Yanomami”, lamenta. Mas, finaliza animando a todos para continuarem na caminhada.

Também participou desse momento de resgate da história do Cimi Regional Norte I, Guilherme Damioli, missionário da Missão Catrimani, com os indígenas Yanomami de Roraima, e que junto com os demais, contribuiu com o início da caminhada do Cimi. Na forma de um vídeo pré gravado, Damioli fala dos resultados alcançados e da missão de todos: “Hoje em dia, as organizações indígenas são fortes, se manifestam, fazem pressão, mas a função do Cimi, a função da Igreja Católica junto aos índios permanece uma ação profética, de presença profética, junto com eles. Evidentemente longe do proselitismo, longe da catequese, sem pensar muito em batizados, temos que garantir a sobrevivência desses povos, garantir seus direitos que foram conquistados com muito sacrifício na Constituição de 88. Então, vamos continuar junto com os índios, junto com as organizações, junto com os povos indígenas para garantir o futuro deles, o futuro da Amazônia, o futuro do meio ambiente para o bem estar dos índios, o bem estar da humanidade, bem estar do nosso planeta”.

“Hoje, depois de 50 anos envolvido com a questão indígena, vejo que a luta valeu a pena”

Carlos Zaccini, integrante da equipe que fundou o Cimi, durante a Assembleia do Cimi Regional Norte I. Foto: Reprodução

Finalizando a mesa que trouxe a história dos 50 anos do Cimi, 48 para o Regional Norte 1, pois sua fundação aconteceu em 1974. Dom Leonardo Steiner, Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de Manaus, ressalta a importância do momento da memória, dizendo que “a recordação do início é muito importante para a história do Cimi, não apenas para o passado, mas também para o futuro. O ideal no início será sempre fonte para o futuro do Cimi”.

Dom Leonardo traz a reflexão de três pontos que considera marcos na evolução histórica do Cimi.  O primeiro deles vem na mudança no modo de ser igreja entre os povos indígenas. “Houve uma mudança radical no modo de estarmos presentes no meio dos povos indígenas como igreja católica, o modo de compreender evangelização mudou graças ao Cimi. O segundo aspecto é a contribuição do Cimi no despertar de organismos entre os povos indígenas. Hoje, existem muitos organismos próprios dos indígenas. E olhando a história, conversando com as lideranças, percebemos que no fundo sempre tem o trabalho do Cimi contribuindo com a autonomia. E o terceiro ponto é o elemento jurídico na defesa dos direitos indígenas. Em 2021, tanto no Supremo Tribunal Federal quanto no Congresso Nacional, o Cimi esteve presente, contribuindo”.

“Olhando a história, conversando com as lideranças, percebemos que no fundo sempre tem o trabalho do Cimi contribuindo com a autonomia”

Dom Leonardo Steiner, Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de Manaus, durante a Assembleia do Cimi Regional Norte I. Foto: Reprodução

Dom Leonardo também destaca os aprendizados obtidos com os indígenas: “os cuidados com nossa Casa Comum aprendemos com os indígenas. E graças ao Cimi que conseguiu levar para a sociedade esse pensamento e conhecimento. É o tipo de cuidado e de relação que existe com a terra que foi sendo levado para as pessoas através do Cimi. Por isso sua história é muito importante, para o futuro da Igreja, para o futuro das comunidades indígenas e do mundo”.

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