23/02/2022

Ancestraliza Quirino Dias Apinajé, Katam Kaàk, liderança histórica do povo Apinajé do norte do Tocantins

Katam Kaàk, como é chamado pelo seu povo, foi uma das lideranças mais importantes, foi um “Guerreiro”, Pemp; a retomada e demarcação do território Apinajé estão entre suas principais lutas

Quirino e sua companheira, Iraídes, em 17 de janeiro de 2022. Foto: Oscar Wahnmë Apinajé

Por Ricardo Murakami, colaborador

No dia 16 de fevereiro de 2022 tudo parecia correr normalmente na aldeia. Filhos e filhas, netos e netas, sobrinhos e sobrinhas, amigos e amigas passaram pela casa do ancião Quirino e de sua esposa, Iraídes, para cumprimentá-los e dar “bom dia”, tomar um café ou fumar um cigarro com o casal. Juntos, consultaram Quirino sobre a roça, sobre a organização das atividades previstas para o dia, ouviram algumas histórias – ou, até mesmo, uma piada do velho Katam Kaàk – nome de Quirino na língua Apinajé. Era mais uma manhã como várias outras na Aldeia Prata. Durante a tarde, Quirino limpou seu terreiro. Mas, à noite, não houve conversa em frente à sua casa.

O velho guerreiro começou a sentir cansaço e falta de ar. O carro do polo foi chamado, mas demorou a chegar. Da aldeia, o ancião foi levado à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Tocantinópolis, no Tocantins, onde foi medicado, recebeu oxigênio, foi testado negativo para Covid-19 e realizou um exame de imagem do pulmão. Havia a hipótese de que seria pneumonia. Na manhã do dia seguinte, o quadro do velho Quirino se agravou: teve que ser entubado e seria levado ao hospital de Augustinópolis. No entanto, seu corpo, talhado e cansado de tanta luta, não resistiu e, ainda na ambulância que o conduzia, faz a passagem, encantou e agora se encontra com seus ancestrais.

“O velho guerreiro começou a sentir cansaço e falta de ar. O carro do polo foi chamado, mas demorou a chegar”

Quirino Dias Apinajé foi uma das lideranças mais importantes de seu povo. Quirino foi um “Guerreiro”, Pemp. Lutou e participou ativamente das retomadas do território Apinajé, foi uma importante liderança na luta pela demarcação do território Apinajé.

Nos anos 1990, Quirino Apinajé saiu da Aldeia “mãe”, a Aldeia São José, com mulher, filhas e filhos e, de maneira estratégica, apoiada pelas outras lideranças da Aldeia São José, ocupou o local tradicional de caça de seu povo, local também rico em frutas e de coco babaçu. Fundou a Aldeia Pyka Méx (“Terra Boa”), conhecida como Aldeia Prata. Esse pedaço de terra boa havia pertencido a fazendeiros locais e era – ainda é – cobiçada por sua terra fértil e pela água. A Aldeia Prata é a porta de entrada para a Terra Indígena Apinajé, seu território é cortado pela Rodovia Estadual TO-210 e é a mais próxima da área urbana da cidade. Além disso, o velho Pemp ajudou a fundar a Associação do Povo Timbira, a WYTY CATË.

“Com tantas lutas e histórias, Katam Kaàk ser tornou guardião da cultura e dos conhecimentos tradicionais de seu povo”

Com tanta história e tanta luta, ele se tornou uma biblioteca ambulante para sua comunidade. Guardião das histórias, da cultura e dos conhecimentos tradicionais de seu povo. Cada conversa, cada “cafezinho com cigarrinho” e prosa em frente à sua casa era uma verdadeira aula. Agora pode descansar em paz. Passou sua “borduna” para os mais novos. Morreu feliz por saber que a pauta da demarcação da Área 2, área que ficou de fora na demarcação, mas que estava desde então em disputa judicial, voltou às bocas e aos corações de seu povo.

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