O orçamento da União como instrumento anti-indígena no governo Bolsonaro
Artigo: baixo orçamento para demarcação e fiscalização de terras indígenas e proteção de indígenas isolados expõe opção política claramente contrária aos povos originários
A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022, que recebeu o número 14.303 e foi sancionada no dia 21 de janeiro, estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2022. Por meio da Mensagem 26, do mesmo dia, o presidente da República, Jair Bolsonaro, vetou, dentre outros, parte do orçamento aprovado pelo Congresso Nacional para a ação denominada “Regularização, Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas e Proteção dos Povos Indígenas Isolados”. Em consequência disso, restou, no orçamento da União, para essa ação – que está vinculada ao programa “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas” e é executada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai) – o valor de apenas R$ 45 milhões. Os valores liquidados na execução orçamentária da mesma ação nos anos de 2020 e 2021, corrigidos pela inflação, foram de R$ 23,7 milhões e R$ 33,8 milhões, respectivamente.
No orçamento da União de 2013, a mesma ação orçamentária foi contemplada com o valor de R$ 87,8 milhões, o maior dos últimos dez anos. Se corrigido de acordo com a inflação registrada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o valor resultante seria de R$ 145,8 milhões, segundo a plataforma Siga Brasil, do Senado. Sendo assim, considerando a defasagem causada pela inflação do período, o orçamento aprovado para a ação citada no ano de 2022 corresponde a somente 31% daquilo que foi aprovado para as mesmas atividades em 2013.
O baixíssimo valor aprovado, somado ao veto presidencial ao orçamento de 2022 para a Regularização, Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas e Proteção dos Povos Indígenas Isolados constitui-se num instrumento e expõe as entranhas da opção política anti-indígena do governo Bolsonaro e da maioria dos membros do Congresso Nacional
O baixíssimo valor aprovado, somado ao veto presidencial ao orçamento de 2022 para a Regularização, Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas e Proteção dos Povos Indígenas Isolados constitui-se num instrumento e expõe as entranhas da opção política anti-indígena do governo Bolsonaro e da maioria dos membros do Congresso Nacional, não se tratando de um ato isolado. Faz parte de uma estratégia intencionalmente montada e operada cujos objetivos visam a desterritorialização e o aniquilamento dos povos originários de nosso país.
Como sabemos, o governo Bolsonaro paralisou os procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas, regulados pelo Decreto 1775/96, cujo direito originário dos povos está fundado especialmente no artigo 231 da Constituição Federal brasileira. Isso tem represado as demandas e agravado a situação de vulnerabilidade socioeconômica de dezenas de povos e comunidades indígenas Brasil afora.
A tradução desta opção anti-indígena se dá também por meio do aumento exponencial dos casos de invasão possessória e exploração ilegal de recursos naturais em terras indígenas, que saltaram 137% nos dois primeiros anos do atual governo, de acordo com o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, dados de 2020, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
A permanência destes valores profundamente insuficientes para responder as demandas listadas na ação orçamentária em questão pode resultar, inclusive, em genocídios de povos isolados no Brasil, cujas áreas de ocupação estão cada vez mais pressionadas e ameaçadas por frentes que fazem aumentar, ilegal e criminosamente, a fronteira agrícola e minerária em nosso país.
A superação da opção política anti-indígena hegemônica no Congresso Nacional e absoluta na presidência da República é condição fundamental, algo que não vislumbramos em 2022, mas que, esperamos, possa se concretizar a partir de 2023
Está bastante evidente que se faz necessário, de forma urgente, não somente a recomposição inflacionária, mas uma elevação robusta e persistente na previsão e execução orçamentárias nos próximos anos para que, de fato, o Estado brasileiro cumpra sua obrigação moral e constitucional de demarcar, regularizar e fiscalizar as terras indígenas e proteger os povos indígenas isolados que vivem em território nacional.
Neste sentido, a superação da opção política anti-indígena hegemônica no Congresso Nacional e absoluta na presidência da República é condição fundamental, algo que não vislumbramos em 2022, mas que, esperamos, possa se concretizar a partir de 2023. Dentre outros fatores, não resta dúvida que as eleições majoritárias previstas para outubro de 2022 serão definidoras para tanto.
*Cleber César Buzatto é graduado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia NSa. Da Imaculada Conceição (FAFINC), especialista em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (UFG), ex-Secretário Executivo e Adjunto do Cimi e membro da equipe Florianópolis do Cimi Regional Sul.
**Marline Dassoler é graduada em Farmácia pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), mestre em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Brasília (UNB) e membra da equipe Florianópolis do Cimi Regional Sul.