Após articulações indígenas, marco temporal entra na pauta de 2022
Lideranças solicitam agilidade para barrar retrocessos que atingem os povos e seus direitos constitucionais
Desde a suspensão no Supremo Tribunal Federal (STF) do julgamento que definirá o futuro das demarcações de terras indígenas no país, os povos reivindicavam a retomada da votação pela Suprema Corte. Após o último pedido das lideranças indígenas – que protocolaram um documento junto ao gabinete do presidente do STF solicitando a retomada e conclusão do julgamento -, o Supremo incluiu a votação do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 no calendário do próximo ano. A data foi divulgada no último dia de trabalho antes do recesso do Tribunal e ficou agendada para o dia 23 de junho de 2022.
O agendamento é visto como resultado das articulações e mobilizações dos povos indígenas e de seus aliados, que, agora, darão continuidade a incidência para conseguir os votos necessários para derrubar, de uma vez por todas, a tese inconstitucional do marco temporal, defendida por ruralistas e outros setores econômicos interessados na exploração e apropriação dos territórios indígenas.
Julgamento
Iniciado no final de agosto, o julgamento foi interrompido no dia 15 de setembro, empatado em um a um, após pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.
Antes disso, o relator do caso, ministro Edson Fachin, havia apresentado seu voto, posicionando-se em defesa dos direitos constitucionais indígenas, reafirmando o caráter originário do direito dos povos à demarcação de suas terras de ocupação tradicional e rechaçando a tese ruralista do “marco temporal”.
Quando for reiniciado, o julgamento deve retornar com o voto de Moraes, que será seguido pelos outros oito ministros e ministras
O ministro Kássio Nunes Marques, por outro lado, apresentou um voto contrário aos direitos dos povos indígenas, favorável à tese do “marco temporal” e alinhado com a posição defendida por latifundiários, mineradoras e outros setores econômicos interessados na apropriação dos territórios indígenas.
No dia 11 de outubro, o ministro Alexandre de Moraes devolveu os autos para a retomada do julgamento, que agora passa a depender novamente da disposição do presidente da Corte, Luiz Fux, de colocá-lo em pauta.
Quando for reiniciado, o julgamento deve retornar com o voto de Moraes, que será seguido pelos outros oito ministros e ministras, do mais novo na Corte ao decano, Gilmar Mendes. O último a votar é Luiz Fux.
Em setembro, no início do julgamento, o presidente do STF garantiu que considerada o tema “muito importante” e que ele teria uma decisão da Corte em breve.
Novo integrante na Corte
André Mendonça tomou posse, no dia 16 de dezembro, como ministro do Supremo Tribunal Federal. Apesar de afirmar que defenderia um Estado laico, Mendonça deixou claro suas inclinações religiosas ao parafrasear o astronauta Neil Armstrong, “um passo para um homem, um salto para os evangélicos”.
O novo integrante da Corte assumirá 991 processos que estavam sob relatoria de Marco Aurélio Mello e participará de alguns julgamentos ditos controversos. Entre eles, o marco temporal para demarcação de terras indígenas, quando Mendonça, aparentemente, votará segundo os interesses de Jair Bolsonaro e dos setores interessados na exploração e apropriação dos territórios indígenas.
O presidente Jair Bolsonaro jamais escondeu sua contrariedade à derrubada da tese ruralista e inconstitucional do marco temporal e apostou todas as suas fichas no seu indicado para garantir que pautas de interesse do governo sejam votadas segundo seu desejo.
resta aguardar o bom senso dos demais ministros contra o amplo espectro de crimes praticados de esbulho de terras indígenas
Durante uma entrevista ao jornal Gazeta do Povo, o chefe do Executivo federal disse que tem certeza sobre a posição de André Mendonça a respeito do tema e afirmou que ele será um voto para o “lado” do governo, negando se tratar de tráfego de influência. “Alguns dizem que eu coloquei ele lá dentro para defender os meus interesses pessoais. Que interesses pessoais eu tenho?”, questionou Bolsonaro que, em outra ocasião, afirmou que os ministros por ele indicados ao Supremo representam 20% das teses do governo dentro da Corte. Desde a indicação de Nunes Marques ao STF, que passou a integrar a Corte no ano passado, Bolsonaro vinha prometendo indicar alguém considerado “terrivelmente evangélico” e conseguiu. André Mendonça foi a segunda indicação do presidente ao STF.
Agora, resta aguardar o bom senso dos demais ministros contra o amplo espectro de crimes praticados de esbulho de terras indígenas e para garantir o que a Constituição brasileira já reconheceu: “aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições” e “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.