Indígenas denunciam novos casos de roubo de madeira e grilagem de terra na TI Karipuna, em Rondônia
Na última semana, o povo Karipuna voltou a denunciar ao MPF e à PF novos episódios de invasão de madeireiros e pecuaristas no seu território
Na última semana, a Associação do Povo Indígena Karipuna (Apoika) voltou a denunciar ao Ministério Público Federal em Rondônia (MPF/RO), à Polícia Federal (PF) e à Fundação Nacional do Índio (Funai) novos episódios de roubo de madeira e grilagem de terra na região do rio Formoso (RO), na Terra Indígena (TI) Karipuna. Ao sair de suas casas para coletar castanhas, os indígenas flagraram toras de madeiras empilhadas no chão.
De acordo com um documento direcionado aos órgãos de fiscalização – MPF e PF -, já foram realizadas “várias” denúncias pelos indígenas, mas, até o momento, não houve uma operação de fiscalização com “resultado satisfatório”. “Com isso, a comunidade ficou impossibilitada de coletar castanha e realizar outras atividades nesta região pela presença ameaçadora dos invasores, que transitam livremente pelo local”, diz um trecho da denúncia.
“A comunidade ficou impossibilitada de coletar castanha e realizar outras atividades nesta região pela presença ameaçadora dos invasores”
Uma das situações que mais chamam a atenção dos indígenas e das instituições pró-indígenas é a construção de pontes improvisadas dentro da área dos Karipuna. Segundo Laura Vicuña, missionária do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Rondônia, no final de 2020 todas as pontes haviam sido identificadas por meio de monitoramentos terrestre e aéreo para que fossem, posteriormente, destruídas.
“No final de 2020, a Associação Indígena do Povo Karipuna, o Cimi e o Greepeace pediram ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal para que essas pontes fossem destruídas. Inclusive, em fevereiro deste ano, identificamos mais uma ponte, que foi reformada para a passagem de carros [antes só passavam motos], e reforçamos, mais uma vez, o pedido. Só que não destruíram, porque a Funai alegou ao MPF e à PF que não fariam isso sob o argumento de que as pontes facilitariam as ações de fiscalização no território”, explica a missionária.
“A Funai alegou ao MPF e à PF que não fariam isso sob o argumento de que as pontes facilitariam as ações de fiscalização no território”
“Mas estamos percebendo, na verdade, que não existe qualquer fiscalização por parte da Funai nessa área do território. Se houvesse, não existiria tanta pressão em cima da Terra Indígena do povo Karipuna”, lamenta.
Diante do contexto, as lideranças do povo Karipuna reforçaram, por meio desse último documento direcionado ao MPF e à PF, que sejam realizadas, urgente, as devidas fiscalizações no território.
“Que recomende aos órgãos responsáveis, em caráter de urgência, a fiscalização na TI Karipuna pelo lado do Rio Formoso e a retirada dos invasores e a reparação dos danos ambientais, pois nesta parte da TI Karipuna, há vestígios de grupos de índios isolados, que tem ameaçada a sua integridade física, cultural e territorial, sobretudo, neste tempo de pandemia pela Covid 19”, diz outro trecho do documento.
Decisão do TJ/RO
Laura lembrou, ainda, que, as invasões na TI Karipuna continuam mesmo após a decisão do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ/RO), a qual tornou inconstitucional a lei que altera os limites da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual Guajará-Mirim, em Rondônia (RO).
“Mesmo com essa decisão favorável do Tribunal de Justiça de Rondônia, as invasões de pecuaristas, grileiros e madeireiros continuam. O que precisa ser feito agora é uma desintrusão no parque e na reserva extrativista, porque, como ficam ao lado do território indígena, esses invasores acabam adentrando e pressionando a TI Karipuna”, explica.
“Mesmo com essa decisão favorável do Tribunal de Justiça de Rondônia, as invasões de pecuaristas, grileiros e madeireiros continuam”
Em maio de 2021, a Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO) aprovou a Lei Complementar Estadual nº 1089, de autoria do governador Marcos Rocha, que altera os limites da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual Guajará-Mirim, em Rondônia (RO). Mas, apesar de ter sido sancionada no mesmo mês de aprovação, a lei foi declarada pelo Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) como inconstitucional. A decisão foi tomada pela Corte no dia 22 de novembro deste ano.
Assim que a lei foi sancionada, o Ministério Público do Estado (MP-RO) ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), inclusive, a pedido de instituições pró-indígenas, como o próprio Cimi. Com a aprovação da lei, as duas áreas de preservação sofreram uma redução de aproximadamente 220 mil hectares.
Segundo o relator do caso, o desembargador José Jorge Ribeiro da Luz, “a norma que reduz significativamente a área de proteção deve se basear em estudos técnicos, a fim de diminuir ou eliminar os prejuízos ambientais. Contudo não há estudos e tampouco informações sobre as comunidades direta e indiretamente afetadas”, referindo-se à Lei Complementar Estadual nº 1089.
Ainda de acordo com o relator, a norma também infringe o artigo nº 225, da Constituição Federal, e os artigos nº 218 e 219 da Constituição de Rondônia, que responsabilizam o Poder Público de manter um ambiente ecologicamente equilibrado.
Monitoramento na TI Karipuna
Um monitoramento feito neste ano pelo povo Karipuna, pelo Cimi e pelo Greenpeace Brasil, na TI Karipuna, em Rondônia (RO), identificou uma nova frente de desmatamento naquela região. Em campo, descobriram 850 hectares de desmatamento ilegal nos últimos doze meses dentro do território – um aumento de 44% em relação ao período anterior. No local, foram encontradas áreas com mais de 100 hectares de corte raso.
Infelizmente, sem nenhuma surpresa, essa realidade é resultado da grilagem de terras e da destruição em larga escala da floresta. O levantamento feito pelo povo e pelas instituições conseguiu detectar, ainda, que a pecuária cresceu 87% no município de Porto Velho (RO) nos últimos nove anos e o território voltado à produção de soja em Rondônia triplicou na última década, passando de 111 mil hectares para 400 mil hectares em 2020.
Nos últimos anos, a atuação de grileiros e madeireiros colocou em risco o território e a sobrevivência do povo Karipuna, cuja população foi drasticamente reduzida após um desastroso contato protagonizado pela Funai, na década de 1970.
Segundo levantamento realizado pelo Greenpeace Brasil e pelo Cimi com base nos dados do Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia (Prodes), entre 1988 e 2017, 2.823 hectares dos 152 mil hectares da TI Karipuna já haviam sido desmatados, 40% dos quais apenas entre 2015 e 2017. Além disso, outros 7.640 hectares de floresta foram degradados dentro da TI entre 2015 e 2018, segundo levantamento do Greenpeace – totalizando mais de 10 mil hectares de floresta destruídos no período.
A pressão, as ameaças e a vulnerabilidade do povo fizeram com o que MPF de Rondônia apontasse, ainda em 2017, que o povo Karipuna corria risco de genocídio, caso as invasões não fossem barradas pelo poder público.
Ataque ao rio Formoso
De acordo com um levantamento realizado pelo Greenpeace e pelo Cimi, o rio Formoso – uma área que não concentrava atividades de grilagem, situada no sudeste do território indígena e mais distante dos grandes centros de exploração ilegal e predatória de Rondônia – começou a apresentar números cada vez maiores de desmatamento. Anteriormente, o desmatamento aparecia mais no noroeste da Terra Indígena.
Entre agosto de 2020 e julho de 2021, a região do rio Formoso registrou 510,3 hectares desmatados – 65% do total de novos desmatamentos verificados no interior da Terra Indígena Karipuna no ano inteiro. Desse total, 94,7% – ou seja, 483,77 hectares – foram desmatados em 2021, entre janeiro e junho deste ano.
Para uma liderança indígena do povo Karipuna – que não será identificada por questão de segurança -, a suspeita é de que os troncos das árvores estão sendo levados para municípios que contam com a forte presença do setor madeireiro.
“Estão roubando as madeiras do nosso igarapé, do rio Formoso, que fica dentro da Terra Indígena Karipuna. Mesmo tornando inconstitucional a lei estadual 1089, os invasores continuam adentrando, cortando as árvores e roubando toda a madeira. Além disso, eles [invasores] formam pastos para, futuramente, se apropriarem daquela área do território. Ainda mais agora, empoderados como estão diante do discurso do atual presidente, que permite legalizar terra indígena para madeireiros e grileiros”, afirmou a liderança ao Cimi.
“Ainda mais agora, empoderados como estão diante do discurso do atual presidente, que permite legalizar terra indígena para madeireiros e grileiros”
Impactos ambientais, sociais e econômicos
Ao Cimi, a liderança Karipuna contou que após o aumento das invasões no território, houve muitas mudanças socioambientais. “Nossos rios estão secando, nossos peixes estão morrendo e muitas árvores foram cortadas para a construção de pontes dentro dos nossos territórios e também para a venda ilegal de madeira. Os invasores estão acabando com as castanheiras, árvores que demoram 100 anos para amadurecer, com os frutos e plantas nativas”, lamentou.
“Os invasores estão acabando com as castanheiras, árvores que demoram 100 anos para amadurecer, com os frutos e plantas nativas”
Além disso, a liderança lembra que as ações dos invasões têm impactado no cenário socioeconômico dos Karipuna. “A renda da TI Karipuna tem caído bastante. Por exemplo, antes eram tiradas 80 sacas de castanha por ano, agora não estamos tirando mais tudo isso. Se tiramos 20 neste ano, foi muito. Não sabemos mais de onde tirar a economia. Não temos sossego nem na nossa própria casa”, disse.
Expectativa após denúncias
Agora, a expectativa é de que seja realizada uma investigação para apurar o caso. “O que nós queremos agora é que seja feita uma investigação e fiscalização para comprovar onde está ocorrendo o furto [da madeira], ou seja, no rio Formoso e em outras áreas do nosso território. É preciso fiscalizar esses lugares e não apenas no entorno da terra indígena. Esperamos que os órgãos competentes cumpram com o seu papel e acelere o processo, punindo os culpados. Eles precisam responder pelos crimes cometidos”, afirmou a liderança.