Frente Parlamentar Indígena visita Centro Maturuca na Terra Indígena Raposa Serra do Sol e recebe denúncias de violação de direitos indígenas
As lideranças indígenas reafirmaram posicionamento contrário ao Projeto de Lei nº 490/2007, que trata do Marco Temporal, e outros projetos que violam direitos constitucionais que estão tramitando no Congresso Nacional
Lideranças da Terra Indígena Raposa Serra do Sol reuniram no último sábado (26), no Centro Maturuca, conhecido como o “coração da Raposa Serra do Sol”, na região das Serras, município de Uiramutã, para receber a visita histórica da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas (FPMDDPI). A visita atendeu ao convite feito por uma comitiva de lideranças indígenas que esteve em Brasília no mês de outubro.
Fizeram parte da comitiva a coordenadora da Frente Parlamentar Indígena, a deputada Joenia Wapichana (REDE-RR), e dois membros, a deputada e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), Erika Kokay (PT-DF), e o deputado Túlio Gadelha (PDT-PE), que também é membro da CDHM. O coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Edinho Batista, e a secretária do Movimento de Mulheres Indígenas, Maria Betânia, também participaram da agenda.
Com cantos, danças tradicionais, expressões de resistência e manifestação de apoio à deputada Joenia Wapichana, primeira deputada federal indígena do Brasil, crianças, jovens, Tuxauas e demais lideranças indígenas recepcionaram a comitiva da Frente. Um momento que marcou mais uma vez o Centro Maturuca, que já é um local conhecido por realizar eventos importantes e receber autoridades brasileiras, como o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a ex-ministra do Meio Ambiente e ex-senadora, Marina Silva (Rede), ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como Ricardo Lewandowski e demais autoridades.
“A Terra Indígena Raposa Serra do Sol é um caso emblemático de conquista territorial no Brasil”
Após a recepção oficial no Monumento Raposa Serra do Sol, alusivo à homologação da Terra Indígena no dia 15 de abril de 2005, a comitiva se reuniu com as lideranças no tradicional malocão da Homologação para ouvir as demandas das lideranças indígenas e reafirmar apoio e compromisso na defesa dos direitos dos povos indígenas.
O Tuxaua Geral das Serras, Aldenir Cadete, do povo Wapichana, ao agradecer pela visita da Frente, falou sobre a importância da visita da Comitiva para ouvir as demandas de proteção territorial, os desafios enfrentados com o aumento do garimpo ilegal, os retrocessos dos direitos indígenas e sobre a recente violência contra os indígenas na comunidade indígena Tabatinga.
A Terra Indígena Raposa Serra do Sol é um caso emblemático de conquista territorial no Brasil. No momento de apresentação do processo histórico de luta, resistência e conquista dos povos indígenas, o professor e liderança indígena Inácio Brito, do povo Macuxi, do Maturuca, fez um breve resumo desde a passagem da Comissão de Fronteira de Demarcação, coordenada pelo General Rondon, em 1932, até o dias atuais, após a homologação de Raposa Serra do Sol.
Comparando o processo do marco temporal que tenta delimitar demarcação das terras indígenas a partir da promulgação da Constituição de 1988, Inácio afirmou que antes disso já existiam indígenas nas comunidades. “Falam muito do marco temporal, mas antes disso, já existia indígenas em Maturuca e em outras comunidades indígenas”, relatou. Também recordou da primeira Assembleia dos Tuxauas, em 1971, no Surumu, da luta “Vai ou Racha”, projeto M*- Projeto de Gado e o símbolo de luta das lideranças, o feixe de vara.
“Falam muito do marco temporal, mas antes disso, já existia indígenas em Maturuca e em outras comunidades indígenas”
Após depoimento de vários Tuxauas das 72 comunidades indígenas da região das Serras, os membros da Frente reafirmaram o posicionamento de apoio e defesa dos direitos indígenas, especialmente dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol.
Joenia Wapichana, ao iniciar a sua fala, lembrou das lideranças indígenas vítimas de Covid-19, como o líder Dionito José de Souza, Bernaldina Pedro e as lideranças vítimas de violência na época da demarcação, como o líder da Silva Mota, morto em 2003, e outros casos que acompanhou quando atuava como advogada. “Até hoje para mim é um choque lembrar dessas histórias”, comentou. “Achava que já tinha superado essa fase, momento de violência, mas pelo que estou vendo ainda não passamos. A gente continua na resistência”, completou, ao falar sobre os recentes casos de violência contra os povos indígenas incentivados pelo atual governo.
Ao falar sobre o caso recente na comunidade indígena Tabatinga, quando policiais militares atuaram com violência contra a comunidade e 12 indígenas foram atingidos, informou que foi a única a se pronunciar sobre o caso na Tribuna da Câmara. “Vamos continuar insistindo nessa apuração, porque isso foi um abuso de poder, violência excessiva”, disse Joenia sobre a forma como policiais chegaram até à comunidade, armados e atingindo crianças, mulheres e idosos.
O deputado Túlio Gadelha reforçou a importância da representatividade indígena na política, como mecanismo de dar voz aos povos indígenas, às suas reivindicações e denunciar as violências e retrocessos. “Essas falas nos representam, escutar um Tuxaua num momento como esse é diferente do que apenas ouvir, ler. Aqui a gente bebe direto da fonte”, disse Túlio sobre sua presença na comunidade Maturuca com as lideranças indígenas ao reafirmar seu compromisso na defesa dos direitos dos povos indígenas no Parlamento.
A deputada Erika Kokay, ao falar sobre atuação e representatividade da deputada Joenia no Congresso Nacional e da luta dos povos indígenas pelos seus direitos garantidos na Constituição, disse que a mesma foi escrita com tinta de urucum e jenipapo. “É um mandato valioso não só para os povos indígenas, mas valioso para este país. Este país tem os seus povos originários e aqui a gente vai carregando a tinta de jenipapo. Mas eu penso que a Constituição Brasileira não foi inscrita apenas com tinta de caneta, mas de jenipapo e urucum. E é essa tinta nos corpos dos indígenas que seguem em marcha pela Esplanada dos Ministérios em Brasília, que vai fazer com que tenhamos justiça nesse país”, disse Erika, ao falar sobre os ataques aos direitos indígenas no Parlamento brasileiro.
“Tentam estabelecer como legal o garimpo nas terras indígenas”, completou, mencionando o projeto de mineração e a PEC 215, que tramita na Câmara. Erika reafirmou compromisso de continuar na resistência em defesa dos direitos.
“Tentam estabelecer como legal o garimpo nas terras indígenas”
No encerramento, as lideranças indígenas entregaram um documento à Frente Parlamentar Indígena que relata a grave situação de violação dos direitos indígenas, garantidos na Constituição Federal Brasileira e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Eles apontaram 17 recomendações ao Estado Brasileiro nas áreas de proteção e vigilância territorial, saúde e educação, meio ambiente e sustentabilidade, justiça e proteção aos direitos humanos dos povos indígenas, consulta aos povos indígenas e reafirmaram posicionamento contrário ao Projeto de Lei nº 490/2007, que trata do Marco Temporal, e outros projetos que violam direitos constitucionais que estão tramitando no Congresso Nacional.
Na programação ainda houve uma feira de produção agrícola, artesanato e artes plásticas feitas por indígenas. Encerraram com homenagens aos parlamentares e demais convidados.