13/11/2021

Reunião no Seminário de Passo Fundo

Texto da coluna “Causos e Casos”, um especial do Jornal Porantim em comemoração aos 50 anos do Conselho Indigenista Missionário

Ilustração Mariosan

Por Egydio Schwade* – MATÉRIA PUBLICADA ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO 439 DO JORNAL PORANTIM

Em maio de 1967, Pe. Thomaz Lisboa e eu publicamos nove artigos sobre a situação dos índios no Rio Grande do Sul. Em consequência, a Assembleia Legislativa criou uma CPI para apurar os fatos. Durante os trabalhos da CPI, foi descoberto e denunciado que o arcebispo D. Vicente Scherer, de Porto Alegre, e o bispo D. Cláudio Colling, de Passo Fundo, haviam recebido, cada um, 100 pinheiros para construção de seus seminários. Pinheiros, retirados pelo Serviço de Proteção aos Índios-SPI, de áreas indígenas do Rio Grande do Sul.

Numa reunião dos Bispos do Sul-III, da CNBB, os dois bispos reclamaram ao Provincial dos Jesuítas, providencias para nos reprimir. Foi o que o Provincial fez em carta a nós. Entretanto, pouco depois, D. Ivo Lorscheiter, então secretário do Sul III, nos solicitou que organizássemos um encontro de Pastoral Indigenista para padres e freiras de regiões próximos às áreas indígenas do Estado. Apresentei-lhe então a dificuldade de que não éramos as pessoas mais indicados para isto, como ficou claro pela reclamação dos dois bispos e da reprimenda do Provincial. Mas D. Ivo, com a sua normal tranquilidade, me disse: “Eu ouvi a lamuria daqueles bispos, mas vocês vão organizar sim este encontro e vai ser lá no Seminário de D. Cláudio, em Passo Fundo.

Durante o encontro, assessorado pelo Pe. Adalberto Pereira, sj. missionário da Missão Anchieta de Mato Grosso, se discutiu muito a situação da invasão das áreas indígenas do Estado por agricultores. Quase todo o tempo quieto, um capuchinho, vigário de Cacique Doble, como que despertou a certa altura e disse: “Sim, eu estou pensando muito sobre este assunto. Acho que se deveria distribuir estas terras dos índios aos agricultores. Os índios adultos não tem mais jeito, mas as criancinhas, coitadinhas, se poderiam dar para as irmãs criarem em seus educandários”.

Participavam do encontro também lideranças indígenas convidadas por nós. Entre elas, o cacique Juvêncio de Paula, da área de Votouro. Pe. Adalberto se voltou para ele e lhe perguntou: “Então, Juvêncio, você estaria disposto a entregar os seus filhos para as irmãs?”, Juvêncio, sério, vagarosamente, quase soletrando, retrucou: “Acho que não, porque os meus filhos não são criação!?”.

 

Causos e Casos

Iniciada na edição de abril de 2021, a coluna “Causos e Casos” é um especial rumo aos 50 anos do Conselho Indigenista Missionário, que traz textos assinados por Egon Heck e Egydio Schwade, dois dos fundadores do Cimi e militantes da causa indígena brasileira antes mesmo da criação da entidade.

É a comemoração do cinquentenário por meio do reconhecimento da contribuição do Cimi para o desenvolvimento da causa indigenista a partir de seus missionários e missionárias, aqui representados por Egon Heck e Egydio Schwade. Figuras históricas de luta que contribuem fortemente para a atuação missionária junto aos povos originários, dando um novo sentido ao trabalho da igreja católica.

As histórias da “Causos e Casos”, escritas especialmente para esta coluna, mostrará que a atuação missionária, além de favorecer a articulação entre aldeias e povos, promovendo as grandes assembleias indígenas, onde se desenharam os primeiros contornos da luta pela garantia do direito à diversidade cultural; também fomenta espaços políticos e estratégias para o fortalecimento do protagonismo indígena.

Egon Heck e Egydio Schwade relatam causos e casos com propriedade, pois, desde os primórdios, fizeram parte das linhas de ação do Cimi, sendo impossível separar suas vidas da causa indígena brasileira. Engajados com as comunidades desde a juventude, eles compartilham dos mesmos sentimentos dos povos originários e adotaram a causa como parte integral de suas trajetórias.

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*Egydio Schwade é indigenista, pesquisador, apicultor, ativista e cidadão do Estado do Amazonas, título concedido pela Assembleia Legislativa daquele Estado pela dedicação em prol dos povos indígenas da Amazônia. Relação que se iniciou em 1963, num momento em que os povos daquela região eram dizimados, tendo seus territórios rasgados por estradas, invadidos, saqueados e sendo sistematicamente desqualificados e discriminados nas suas formas de ser e agir.

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