12/11/2021

Resistência e Luta: Jovens indígenas realizam encontro para debater os desafios e perspectivas os povos, no Maranhão

O Encontro reuniu jovens indígenas de onze povos durante cinco dias; a troca de experiências, partilhas e reflexões coletivas trouxe apontamentos estratégicos à organização e mobilização indígena no estado

Encontro da Juventude Indígena do Maranhão, novembro de 2021. Foto: Karina Krikati

Encontro da Juventude Indígena do Maranhão, novembro de 2021. Foto: Karina Krikati

Por Adi Spezia, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Discutir estratégias, lutas e a resistência de seus povos, por muito tempo fui uma “tarefa dos mais velhos”. No Maranhão, a juventude indígena vem construindo nossos caminhos, revelando novas e atuantes lideranças na defesa dos territórios, das florestas, mas também na mobilização e articulação da juventude no estado.

Seguindo os protocolos e recomendações dos órgãos de saúde, jovens indígenas de onze povos realizaram o “Encontro da Juventude Indígena do Maranhão”, entre os dias 05 à 09 deste mês, em Santa Inês, município a quase 250 km da capital, São Luis.

Com o tema “Resistência e Continuidade das Lutas”, o evento reuniu jovens lideranças dos povos Krikati, Pyhcop Catiji, Awa, Tentehara/Guajajara, Kariu Kariri, Anapuru Muypura, Akroá Gamella, Krenye, Apanyekrá Canela, Memortumuré Canela, Ka’apor.

“Com o tema ‘Resistência e Continuidade das Lutas’, o evento reuniu jovens lideranças de onze povos”

Encontro da Juventude Indígena do Maranhão, novembro de 2021. Foto: Fabio Costa Reis

Encontro da Juventude Indígena do Maranhão, novembro de 2021. Foto: Fabio Costa Reis

Com cantos e rituais, o primeiro dia do evento foi destinado a conjuntura nacional, internacional e uma escuta dos jovens partilhando suas realidades. Fruto do trabalho em grupo temas como: racismo; a falta de representação política no parlamento e a representatividade de lideranças femininas nos espaços de debate; o avanço do agronegócio, madeireiros e caçadores nos territórios; a influência de não indígenas; e as mudanças climáticas foram apresentados como desafios a serem enfrentados na atual conjuntura.  Também foi partilhado pelos jovens indígenas, a questão do racismo, a falta de representação política no parlamento estadual e a representatividade de lideranças femininas nos espaços de debate.

“Foi partilhado pelos jovens indígenas, a questão do racismo, a falta de representação política no parlamento estadual e a representatividade de lideranças femininas nos espaços de debate”

Os dados do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2020, publicado Conselho Indigenista Missionário (Cimi), reflete a percepção dos jovens ao afirmar que o Maranhão está entre os cinco estados com maior número de loteamentos ilegais dentro dos territórios indígenas. Entre 2019 e o final de 2020, o Cimi identificou que 83 propriedades haviam sido certificadas sobre as terras indígenas no estado. Somente as terras indígenas Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, Bacurizinho dos Tentehara/Guajajara e Kanela Memortumré, tiveram 171,6 mil hectares de sobreposição, aumentando conflitos e dando base à devastação do território de povos que aguardam há anos pela conclusão de seus processos demarcatórios.

Por outro lado, apesar dos desafios levantados, os processos de retomada dos povos que lutam por reconhecimento, as lutas, a resistência e o autorreconhecimento foram apresentados como saídas estratégicas partilhadas pelos jovens indígenas. A troca de experiências, partilhas e reflexões coletivas trouxe apontamentos estratégicos à organização e mobilização indígena no estado.

“A troca de experiências, partilhas e reflexões coletivas trouxe apontamentos estratégicos à organização e mobilização indígena no estado”

Encontro da Juventude Indígena do Maranhão, novembro de 2021. Foto: Karina Krikati

Encontro da Juventude Indígena do Maranhão, novembro de 2021. Foto: Karina Krikati

 

Juventude e as mudanças na legislação indígena e climática

A juventude tem assumido o protagonismo na luta contra as mudanças na legislação indígenas e climáticas . Não diferente do que acontece na luta em defesa dos direitos indígenas em nível nacional, os jovens indígenas no encontro discutem forma de enfrentamento a lei de terras o Maranhão, Zoneamento Ecológico e Econômico da Amazônia e Cerrado, Lei que cria o REDD+ (assinada pelo governador do Estado), e mudança no código florestal e ambiental do Maranhão. Também estão interligados a Conferência das Nações Unidas sobre o Câmbio Climático – COP 26, em Glasgow, no Reino Unido, “aqui no Encontro a gente também está discutindo sobre as mudanças climáticas, suas consequências e o que fazer, porquê a juventude também precisa estar por dentro destas questões internacionais”, afirma Awju Krikati.

A expansão do agronegócio, da agropecuária tem afetado o clima, aumentando a temperatura, destruindo as florestas e afetado os territórios indígenas, no entendimento da jovem indígena. “Isso nos preocupa porque há invasões nos territórios e essas invasões acabam por afetar de forma negativa nossas vidas e o clima”, destaca Awju Krikati.

“No Encontro a gente também está discutindo sobre as mudanças climáticas, suas consequências e o que fazer, porquê a juventude também precisa estar por dentro destas questões internacionais”

Encontro da Juventude Indígena do Maranhão, novembro de 2021. Foto: Fabio Costa Reis

Conforme o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil os casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio aumentaram em 2020, pelo quinto ano consecutivo. Foram 263 casos registrados, um aumento significativo em relação a 2019, quando foram contabilizados 256 casos, e um acréscimo de 137% em relação a 2018, quando haviam sido identificados 111 casos.

Aos jovens indígenas do Maranhão esses dados são extremamente preocupantes, os povos são fundamentais na preservação do meio ambiente, ampliam a diversidade da fauna e da flora local por meio de seus modos de viver.Nós indígenas somos os guardiões da floresta e estamos aqui, também para proteger os nossos territórios, pois são lugares onde ainda está se preservando a mata”, aponta Awju Krikati.

Nós indígenas somos os guardiões da floresta e estamos aqui, também para proteger os nossos territórios, pois são lugares onde ainda está se preservando a mata”

Encontro da Juventude Indígena do Maranhão, novembro de 2021. Foto: Cruupoohre Akroá Gamella

 

Direitos Indígenas

O direito dos povos indígenas à terra é cláusula pétrea. São também cláusulas pétreas “o direito dos povos indígenas à organização social, à crença, ritos, línguas, usos e costumes, tradições e o direito de acesso à justiça. A garantia de inflexão e inamovibilidade do direito à terra e da exclusividade do seu usufruto se estende e sustenta todos os demais direitos, pois derivados que são, todos eles, do território ancestral, originário”, listam Paloma Gomes e Rafael Modesto, advogados e assessores jurídicos do Cimi, em artigo publicado em junho deste ano.

O tema foi longamente discutido durante o Encontro da Juventude Indígena do Maranhão e contou com a contribuição de Larissa Cortez, do Cimi Regional Maranhão.

No trabalho em grupo os jovens debateram e partilharam os problemas enfrentados por eles em suas terras e trouxeram um alerta aos impactos da interferência de não-indígenas nos territórios a partir o PL 490/2007 que tem por objetivo a exploração e a apropriação das terras indígenas. Os participantes do Encontro demonstraram que o avanço de “culturas diferentes”, – que acaba gerando diversos problemas, como influência na alimentação e novas doenças – sobre as suas, têm gerado conflitos internos.

“O direito dos povos indígenas à organização social, à crença, ritos, línguas, usos e costumes, tradições e o direito de acesso à justiça são cláusulas pétreas”

Encontro da Juventude Indígena do Maranhão, novembro de 2021. Foto: Karina Krikati

Encontro da Juventude Indígena do Maranhão, novembro de 2021. Foto: Karina Krikati

O Projeto de Lei 490/2007, mesmo sendo inconstitucional encontra-se em tramite no Congresso Nacional. Larissa explica que “qualquer medida judicial, administrativa ou legislativa que vise alterar o texto Constitucional, na parte que regula os direitos indígenas, é inconstitucional, pois estes são protegidos pela barreira da imutabilidade”.

A violação destes direitos trouxe a reflexão de que todos os povos sofreram violência, cada um à sua maneira. Resistir, permanecer em conexões com seus encantados, organização da juventude indígena em cada território, mobilização, assim como a construção e o fortalecimento das alianças foram apostados com saídas estratégias na garantia do direito originário, como bem enfatizou Preta Akroá Gamella “o que nos faz indígena não é a aparência de nossos rostos, mais sim nosso jeito de viver Akroá Gamella”. Trouxeram como ponto, reflexão de que todos os povos sofreram violência, cada um à sua maneira. Sendo que suas maiores vitórias no processo de ser atacados, foi resistir e continuarem vivos e permanecerem com suas conexões com seus encantados.

“A violação destes direitos trouxe a reflexão de que todos os povos sofreram violência, cada um à sua maneira”

Encontro da Juventude Indígena do Maranhão, novembro de 2021. Foto: Karina Krikati

Encontro da Juventude Indígena do Maranhão, novembro de 2021. Foto: Karina Krikati

A roda de conversa também trouxe a importância da organização indígena a partir dos territórios, em especial nas articulações e mobilizações frente ao julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, que fixará o entendimento da Corte sobre ocupação tradicional indígena e a sua abrangência. Em análise no Supremo Tribunal Federal (STF) caso diz respeito à demarcação da Terra Indígena (TI) Ibirama La-Klãnõ, em Santa Catarina, onde vivem indígenas dos povos Xokleng, Guarani e Kaingang. Por ter sua de repercussão geral reconhecida pela Corte, a decisão deste julgamento irá afetar todas as terras indígenas brasileiras.

Três povos indígenas do Maranhão foram aceitos como “amigus curie” – amigos da corte -, no caso. Após a exibição dos vídeos com as sustações orais das partes envolvidas no processo,  cada povo se reuniu em grupo para o exercício de “construir um o rio” com marcos importantes ocorridos em suas histórias com os principais momentos de resistência e enfrentamento de influências externas seja por meio legal (leis) ou de invasores ilegais como madeireiros, caçadores e outros agentes que violentam suas culturas e suas vidas.

“A roda de conversa também trouxe a importância da organização indígena a partir dos territórios, em especial nas articulações e mobilizações frente ao julgamento do Recurso Extraordinário”

Encontro da Juventude Indígena do Maranhão, novembro de 2021. Foto: Karina Krikati

Encontro da Juventude Indígena do Maranhão, novembro de 2021. Foto: Karina Krikati

Como gesto concreto do Encontro, os jovens indígenas construíram uma carta, a ser enviado ao STF para que o presidente da Corte, o ministro Luís Fux, para que coloque em pauta o Recurso Extraordinário com Repercussão Geral. Listam ainda o fortalecimento da articulação dos jovens, melhoria das políticas públicas (saúde e educação) e a luta pela continuidade de processos demarcatórios.

O Cimi Regional Maranhã segue acompanhando o julgamento, bem como fortalecendo as ações dos povos indígenas no estado. Os jovens, representando seus povos, agradeceram pelo apoio e reafirmaram suas lutas enfrentadas em seus territórios e na cidade, que interferem em seu Bem Viver

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