13/11/2021

Os indígenas tinham razão quando pediam cassação de Bolsonaro em 1998

Naquele ano, Bolsonaro já declarava publicamente o seu sentimento favorável ao extermínio dos povos originários

Encontro Yanomami em frente à maloca Watoriki, em 2018. Foto: Adriana Huber Azevedo/Cimi Norte 1

 

Por Hellen Loures da Assessoria de Comunicação do Cimi – MATÉRIA PUBLICADA ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO 439 DO JORNAL PORANTIM

Jair Bolsonaro não é “digno de representar o povo brasileiro por incentivar crimes de genocídio e discriminação racial”, disse o Conselho de Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Capoib, em 1998, em documento entregue ao presidente da Câmara dos Deputados que solicitava a cassação do então deputado Jair Bolsonaro (PPS-RJ). Mais de duas décadas se passaram e as investidas de Bolsonaro contra os povos originários ainda são as mesmas, na verdade, piores, pois agora ele ocupa a presidência de República, autoridade máxima do Executivo, e atenta publicamente contra a vida dos indígenas.

Em reportagem publicada no Correio Braziliense em 1998, intitulada “A igreja investiga”, Bolsonaro declarou ter sido uma “pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou seus índios”, deixando claro o seu sentimento favorável ao extermínio. O texto também tornou público o descontentamento dos militares com as ações missionárias realizadas pelo Cimi, por “impedir” o governo brasileiro de “cumprir a verdadeira política indigenista no país” de “integrar os silvícolas, progressivamente e harmoniosamente, à comunhão nacional”.

Naquela época, Bolsonaro era integrado a bancada anti-indígena no Congresso Nacional e autor de uma proposta de Decreto Legislativo que pedia a anulação de demarcação da Área Indígena Yanomami, homologada em 1992. No ano anterior, inspirada nesta proposta, a Confederação dos Integrantes e Beneficiários das Forças Armadas e Auxiliares (Cofamil) impetrou uma ação direta de inconstitucionalidade junto aos Supremo Tribunal Federal contra a criação da Área Indígena Yanomami.

Após mais de 20 anos, a situação de vulnerabilidade que os Yanomami vivem em decorrência da ausência do Estado é alarmante e soma-se a crescente presença hostil de garimpeiros ilegais no território – periodicamente incentivados pelo presidente da República -, sustentados pela inércia do Estado brasileiro, omisso de suas responsabilidades constitucionais e das decisões da Justiça.

A situação dos Yanomamis, assim como a de todos os povos indígenas brasileiros, pode inclusive ser agravada por medidas como o marco temporal, projeto que aguarda conclusão de votação no STF e que é defendido abertamente pelo governo de Jair Bolsonaro. A tese ruralista, considerada inconstitucional, restringe os direitos indígenas e determina que os povos originários só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Essa interpretação é defendida por empresas e setores econômicos que têm interesse em explorar e se apropriar das terras indígenas.

Realidade Yanomami

Nos dois primeiros anos do governo de Bolsonaro (2019 e 2020), pelo menos 24 crianças Yanomami com menos de 5 anos morreram por desnutrição, de acordo com dados obtidos pela Agência Pública na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Para se ter uma ideia, em 2019, foram 91 mortes de crianças Yanomamis de 0 a 5 anos.

No mesmo ano, o presidente defendeu, em live publicada no Facebook, que as Terras Indígenas devem ser abertas à mineração e à monocultura extensiva, alegando que os índios são “pobres em território rico”. Na ocasião, Bolsonaro defendeu o garimpo, dizendo inclusive que ele próprio já foi garimpeiro. Mensagem que outorga os mais de 20 mil garimpeiros que atualmente invadem a Terra Indígena Yanomami, contaminando o solo, os peixes e a água com mercúrio, e causando inúmeras mortes direta ou indiretamente. Processo de extermínio que se assemelha a maior invasão da Terra Indígena Yanomami ocorrida nas décadas de 1980 e 1990, após a grande corrida do ouro, quando mais de 40 mil garimpeiros invadiram a floresta Yanomami e 20% da população Yanomami morreu em decorrência de epidemias e conflitos.

Em outubro de 2021, dois meninos, de 05 e 07 anos, brincavam no rio que banha a comunidade Macuxi Yano, região do rio Parima, próximo à balsa de garimpo instalada no local, quando foram sugados pela draga do garimpo, cuspidos para o meio do rio e levada pelas correntezas. “A morte das duas crianças Yanomami é mais um triste resultado da presença do garimpo na Terra Indígena Yanomami (TIY), que segue invadida por mais de 20 mil garimpeiros”, diz a nota da Hutukara Associação Yanomami sobre o acidente fatal.

A nota traz dados estatísticos em relação a dezembro de 2020, mostrando que a floresta degradada aumentou em 118,96 hectares. Significa que mais 53% da floresta foi derrubada em menos de um ano na região. Significa, também, que as comunidades próximas da instalação do garimpo estão mais vulneráveis às ações dos garimpeiros pelo aumento do número de pessoas que vem ali se instalando para desenvolver o garimpo, bem como atividades de suporte a ele, o que remete, mais uma vez, ao aumento da vulnerabilidade dos Yanomami frente aos garimpeiros.

 

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