Na Câmara Federal, audiência pública sobre TI Yanomami é marcada por polêmica e revolta
O Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Anderson Torres, e o presidente da Funai, Marcelo Xavier, participaram da reunião; lideranças indígenas desmentiram depoimentos da base governista
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara Federal, foi tomada por depoimentos controversos e polêmicos na tarde desta quarta-feira (24): era uma audiência pública para tratar da atual situação da maior Terra Indígena (TI) do país, a TI Yanomami, em Roraima (RR).
A pedido do deputado federal Helder Salomão (PT/ES), foi convocado o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres. Participaram também da reunião o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, o superintendente da Polícia Federal em Roraima, José Roberto, parlamentares da Casa e lideranças indígenas. O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Antônio Eduardo Oliveira, e o secretário adjunto, Luis Ventura, estiveram presentes na audiência.
De acordo com o autor do requerimento (REQ 127/2021), a iniciativa surgiu depois de duas crianças do povo Yanomami, da comunidade Macuxi Yano, na TI Yanomami, serem sugadas e mortas por uma máquina de garimpo. O caso ocorreu no dia 12 de outubro deste ano.
Prática ilegal: garimpo
“Somente na região do Parima, onde está localizada a comunidade Macuxi Yano e uma das mais afetadas pela atividade ilegal, foram atingidos 118,96 hectares de floresta degradada, um aumento de 53% sobre dezembro de 2020”, diz o texto do requerimento.
O deputado Helder lembrou, durante a reunião, um episódio que ocorreu em abril deste ano na TI Yanomami, quando indígenas interceptaram uma carga de quase mil litros de combustível para aeronaves do garimpo que descia o Rio Uriracoera, uma das principais vias de acesso aos garimpos ilegais da região. “Desde o episódio [ocorrido no dia 27 de abril de 2021], os invasores perseguem, agridem, ameaçam e atacam com balas e bombas de gás lacrimogêneo os povos originários do Palimiu”, afirmou.
“Desde o episódio [ocorrido no dia 27 de abril de 2021], os invasores perseguem, agridem, ameaçam e atacam com balas e bombas de gás lacrimogêneo os povos originários do Palimiu”
O parlamentar reforçou, ainda, que “os problemas estão crescendo, não estão diminuindo”. “A situação se agravou de uma forma considerável. Há, efetivamente, um aumento no número de violência, assassinatos, perseguições e aumento da atividade do garimpo ilegal. É um problema histórico que precisa de enfrentamento, mas é um momento mais grave do garimpo ilegal no Brasil”.
Garimpo e coronavírus
De acordo com o levantamento do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas do Cimi – dados de 2020, é estimada, na TI Yanomami, a presença ilegal de cerca de 20 mil garimpeiros. Foi identificado também que os invasores são responsáveis pela devastação do território, pelo aumento de conflitos e de práticas de violência, além de atuarem como “vetores” do coronavírus.
Presente na audiência, a deputada federal Joênia Wapichana (REDE/RR) também falou sobre a situação dos povos perante esse contexto. “Mesmo no meio de uma pandemia, as atividades ilegais continuaram e se expandiram. Aumentou consideravelmente e é preciso de uma ação correspondente a esse fato, uma ação de vigilância continua e permanente. O ritmo desse avanço da mineração ilegal é muito preocupante”, afirmou a parlamentar durante a audiência.
“Mesmo no meio de uma pandemia, as atividades ilegais continuaram e se expandiram. Aumentou consideravelmente e é preciso de uma ação correspondente a esse fato, uma ação de vigilância continua e permanente”
Dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) apontaram que mais de 43 mil indígenas foram contaminados pela Covid-19 e pelo menos 900 morreram por complicações da doença no ano de 2020.
Depoimentos controversos
Em uma de suas falas, o ministro justificou que o problema do garimpo no estado de Roraima está relacionado com a chegada de venezuelanos ao Brasil. “As operações precisam aumentar, porque a questão do crime organizado do garimpo que estamos vivendo em Roraima é decorrente de um problema da Venezuela”.
“A entrada de venezuelanos tem trazido um problema gravíssimo para a polícia, para o estado brasileiro, para Boa Vista [RR] e para os Yanomami. Roraima tinha um equilíbrio, mas foi quebrado agora. Basta desembarcar em sua capital”, disse o ministro.
Em divergência, Dário Kopenawa, liderança do povo Yanomami, falou que essa fala do ministro não tem absolutamente “nada a ver” com o contexto da audiência, que foi convocada para tratar do atual contexto da TI Yanomami, mais especificamente sobre o caso das crianças que vítimas das atividades ilegais de garimpo.
A liderança Yanomami também lembrou o momento que um parlamentar da base governista, o deputado Coronel Chrisóstomo (PSL/RO), disse que a morte das crianças Yanomami, no dia 12 de outubro, não estavam relacionadas com o garimpo.
“As crianças foram sugadas sim. Todos os Yanomami sabem e viram as crianças, inclusive os próprios garimpeiros viram a cena. Depois que as crianças foram sugadas, eles desmontaram a draga e levaram para outro lugar. Os corpos das crianças estavam cheios de machucados e lama, nós vimos, temos testemunhas”, afirmou Dário, desmentindo o parlamentar.
“Depois que as crianças foram sugadas, eles desmontaram a draga e levaram para outro lugar. Os corpos das crianças estavam cheios de machucados e lama”
Assim como o ministro, o presidente da Funai, Marcelo Xavier, em defesa do governo, tentou minimizar a atual conjuntura dos povos indígenas de Roraima por meio de reportagens antigas sobre as atividades de garimpo no estado. “Esse problema que enfrentamos em Roraima não iniciou nesse governo, já se arrasta há muito tempo”, disse o presidente da Funai. Logo em seguida, mencionou reportagens que criminalizam os indígenas.
Na mesma linha, o deputado Coronel Chrisóstomo alegou que o governo federal está aplicando verbas para “cuidar” dos povos indígenas, principalmente do povo Yanomami.
Revoltado com as falas da audiência, Darã Tupi Guarani Nhandeva, liderança indígena presente também na reunião, falou ao Cimi sobre a necessidade de “derrubar” o governo Bolsonaro e sua base. “Chegando aqui, vimos as falas do ministro, da Polícia Federal, do presidente da Funai e era tudo mentira o que eles estavam mostrando no país. É preciso derrubar esse fascista [Bolsonaro] e tirar muitos deputados que não querem ver a sociedade bem, principalmente as comunidades indígenas. Querem nos matar, querem destruir tudo”, afirmou.