26/11/2021

Após encontro, lideranças dos povos Kunhã Karai, Karai e Mbya Guarani divulgam documento com pedidos de melhorias

Entre os pontos principais, estavam a preocupação com a demarcação e garantia dos territórios, com as práticas ilegais de arrendamento, com a saúde e com a educação escolar indígena

Lideranças dos povos Kunhã Karai, Karai e Mbya Guarani divulgam documento com pedidos de melhorias após encontro entre os dias 22 e 26 de novembro. Foto: Roberto Liebgott/Cimi Regional Sul

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

Entre os dias 22 e 26 de novembro deste ano, lideranças Mbya Guarani realizaram um encontro de caciques no Tekoá Anhetengua, na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (RS), para discutir pautas que afetam o cotidiano das comunidades. O encontro contou com a presença de caciques dos povos Kunhã Karai, Karai, Mbya Guarani e também com líderes de outras 40 comunidades.

Durante o encontro, foi elaborado um documento com os principais pontos levantados pelas lideranças. De acordo com o texto, entre as preocupações estão a “não demarcação e a não garantia dos territórios”.

“Há, hoje, muitas demarcações paralisadas e outras que não passaram nem pela abertura do procedimento de demarcação, submetendo, com isso, nossas famílias a viverem em situação de vulnerabilidade – sem alimento, sem água potável e sem poder fazer nossas roças com nossas sementes tradicionais”, afirmam as lideranças em um trecho.

“Há, hoje, muitas demarcações paralisadas e outras que não passaram nem pela abertura do procedimento de demarcação, submetendo, com isso, nossas famílias a viverem em situação de vulnerabilidade”

O encontro de caciques dos povos Mbya Guarani, Karai e Kunhã Karai foi realizado entre os dias 22 e 26 de novembro. Foto: Roberto Liebgott/Cimi

As lideranças lembraram, ainda, que existe uma preocupação com as comunidades que foram assentadas nas áreas do estado do Rio Grande do Sul. “Parece haver um movimento, dentro do governo, para nos remover destas terras. Alertamos, desde já, que não sairemos de nossas comunidades. E, nesta luta pela terra, queremos e precisamos contar com nossos apoiadores, entidades, organizações e conselhos”, diz a nota.

Os caciques também não esconderam o receio que têm em relação à proximidade dos juruá – os brancos. Para eles, a cultura de dominação e o uso excessivo das tecnologias causam um grande impacto cultural, no modo de “ser e viver” das comunidades.

“Parece haver um movimento, dentro do governo, para nos remover destas terras. Alertamos, desde já, que não sairemos de nossas comunidades”

Jovens indígenas também participaram do encontro de caciques. Foto: Roberto Liebgott/Cimi Regional Sul

O encontro também permitiu que as lideranças discutissem questões relacionadas ao contexto da saúde, da educação escolar, da habitação e agricultura.

“As comunidades estão bastante preocupadas com a situação da assistência em saúde, há denúncias da falta de profissionais, de medicamentos e faltam, inclusive, motoristas e veículos para prestar serviços para a remoção dos doentes, principalmente onde a equipe atende aldeias Kaingang e Mbya Guarani. Exige-se da SESAI [Secretaria Especial de Saúde Indígena] que se organize de forma adequada para garantir um justo e adequado atendimento às nossas comunidades”.

Arrendamentos

Os conflitos gerados pelos arrendamentos de terras, no Rio Grande do Sul, também foram lembrados, com preocupação, pelas lideranças. “Estamos percebendo que os arrendamentos de terras não afetam apenas o povo Kaingang, mas todos nós. Isso porque, mesmo nas pequenas áreas onde vivemos, nossas comunidades são procuradas e pressionadas pelos juruá para que eles possam plantar e produzir nas terras que são nossas”, afirmam.

“A pressão é grande e exigimos mais empenho da Funai [Fundação Nacional do Índio] e do Ministério Público Federal (MPF) no sentido de fiscalizar essas situações e responsabilizar os brancos que querem ganhar dinheiro com nossas pequenas áreas de terras – retirando de nós, Mbya Guarani, o pouco que conseguimos com muita luta e mobilização”, completam.

“A pressão é grande e exigimos mais empenho da Funai e do MPF no sentido de fiscalizar essas situações e responsabilizar os brancos que querem ganhar dinheiro com nossas pequenas áreas de terras”

TI Serrinha, em Ronda Alta, no Rio Grande do Sul (RS). Foto: Francieli Alonso RBS TV

Exemplo disso é o caso recente que ocorreu na Terra Indígena (TI) Serrinha, em Ronda Alta, no Rio Grande do Sul (RS). Indígenas Kaingang – povo que habita esse território – denunciaram a omissão do governo federal perante as práticas ilegais de arrendamento para o plantio de soja dentro do território. Em razão disso, há constantes conflitos entre os próprios indígenas, incluindo assassinatos e expulsões de famílias de suas casas.

No dia 16 de outubro, Vãngri Kaingang, liderança do povo Kaingang, relatou, por meio de vídeo publicado nas redes sociais, que um cacique da TI Serrinha matou mais de cinco pessoas em razão de disputa por arrendamento.

Em vídeo, a liderança afirmou que o cacique tinha “muito dinheiro” e que tudo era “culpa do arrendamento e do agronegócio”. “Mais de 12 mil hectares de terra arrendado e ele tem o dinheiro de tudo isso para fazer morte, para matar, para tirar parte das aldeias. Eu peço ajuda à imprensa nacional, à Polícia Federal, ao governo do Estado. Que as pessoas façam alguma coisa. Nós somos índios, somos pessoas. Arrendamento não é do nosso costume”, disse Vãgri, aos prontos, à época.

 

Veja o documento na íntegra:

Documento final do Encontro de Caciques, Kunhãs Karai, Karai e Lideranças Mbya Guarani do Rio Grande do Sul

 

Nós, lideranças Mbya Guarani do Rio Grande do Sul, realizamos, entre os dias 22 e 26 de novembro de 2021, um importante encontro no Tekoa Anhetengua, na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. O encontro contou com a presença de caciques, de Kunha Karai, Karai e outros líderes de mais de 40 comunidades.

Este encontro foi bastante oportuno para que pudéssemos tratar de temas que afetam o nosso cotidiano, as nossas comunidades, as vidas de nossos jovens, velhos e crianças.

Neste contexto nos preocupa, sobretudo, as questões relativas a não demarcação e garantia de nossos territórios. Há, hoje, muitas demarcações paralisadas e outras que não passaram nem pela abertura do procedimento de demarcação, submetendo, com isso, nossas famílias a viverem em situação de vulnerabilidade – sem alimento, sem água potável e sem poder fazer nossas roças com nossas sementes tradicionais.

Há a preocupação com as comunidades que foram assentadas nas áreas do estado do Rio Grande do Sul e parece haver um movimento, dentro governo, para nos remover destas terras. Alertamos, desde já, que não sairemos de nossas comunidades. E, nesta luta pela terra, queremos e precisamos contar com nossos apoiadores, entidades, organizações, conselhos.

Também nos causa grande preocupação a proximidade dos juruá (os brancos) com sua cultura de dominação e com suas tecnologias. Estão causando grandes impactos na cultura, no nosso modo de ser e viver, porque afetam diretamente o dia a dia de nossos jovens, das nossas famílias e de todas as nossas comunidades.

O encontro foi oportuno também para discutirmos as questões relativas às políticas de atenção diferenciada em saúde, educação escolar e, ainda, temos grandes necessidades no que se referem as demandas de habitação e agricultura.

As comunidades estão bastante preocupadas com a situação da assistência em saúde, há denúncias da falta de profissionais, de medicamentos e falta inclusive motoristas e veículos para prestar serviços para a remoção dos doentes principalmente onde a equipe atende aldeias kaigangue e Mbya Guarani.   Exige-se da SESAI que se organize de forma adequada para garantir um justo e adequado atendimento às nossas comunidades.

Os conflitos advindos de arrendamentos de terras, no Rio Grande do Sul, nos enchem de preocupação, pois estamos percebendo que os arrendamentos de terras não afetam apenas o povo Kaingang, mas a todos nós. Isso porque, mesmo nas pequenas áreas onde vivemos, nossas comunidades são procuradas e pressionadas pelos juruá para que eles possam plantar e produzir nas terras que são nossas. A pressão é grande e exigimos mais empenho da Funai e do Ministério Público Federal (MPF) no sentido de fiscalizar essas situações e responsabilizar os brancos que querem ganhar dinheiro com nossas pequenas áreas de terras – retirando de nós, Mbya Guarani, o pouco que conseguimos com muita luta e mobilização.

Percebemos que nos últimos meses se acentuam as violências contra nossas comunidades que sofrem ataques de pessoas que são contra nossos direitos e, ao mesmo tempo contra nossos modos de vida. Eles invadem e incendeiam as nossas casas, inclusive aquelas onde realizamos nossos rituais.

Durante todos os nossos debates procuramos dialogar sobre a nossa organização social e política nas Tekoa. Também tratamos dos temas organizacionais mais amplos, porque percebemos que existem inúmeras articulações, organizações e mobilizações dos Mbya Guarani nas diferentes regiões – o que para nós é muito importante.

No entanto, avaliamos que elas precisam estar em sintonia com nossas lideranças para que não funcionem separadamente – cada uma com suas pautas e prioridades, formando movimentos paralelos, ou como se fossem uma espécie de caixinhas onde se guardam os temas e as questões de forma separadas.

E, nesse sentido, queremos que a Comissão Guarani Yvy Rupa seja um espaço de promoção e apoio de nossos encontros e esteja presente nas nossas reuniões para tratar, conosco, de nossos temas, demandas, reivindicações e direitos constitucionais.

Esse nosso encontro constituiu-se num importante espaço de comunicação entre as lideranças e de troca de ideias, reflexões, sempre amparadas pelas boas palavras, pelos bons ensinamentos e com muita união.

Anhetengua, Porto Alegre, RS, 25 de novembro de 2021

 

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