XXIV Assembleia Geral do Cimi: “luz incandescente numa frente missionária”
Após explanações dos missionários, parceiros e lideranças indígenas, plenária aprova prioridades de ação até o ano que vem; as estratégias de resistência poderão seguir até 2023
“O Cimi é como uma luz incandescente que caminha numa frente missionária da mais importante relevância para a vida da igreja, da sociedade e, naturalmente, para a vida dos povos”, destacou Dom Walmor Oliveira de Azevedo. A fala do presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) aconteceu durante o terceiro dia da XXIV Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), realizada entre os dias 11 e 14 de outubro – pela primeira vez em formato virtual. “Rumo aos 50 anos: História e Resistência em Defesa da Causa Indígena”, é o tema e o lema do encontro.
A Assembleia Geral reafirmou o seu compromisso com as lutas dos povos indígenas e no apoio às suas estratégias de resistência para a manutenção de seus direitos originários. E, nesse sentido, a plenária deliberou pela manutenção das prioridades de ação definidas em 2019: terra, água e território; a defesa da Constituição Federal de 1988, com particular atenção à defesa dos direitos originários dos povos indígenas; e apoio aos povos e comunidades que vivem em contextos urbanos.
A proposta do Conselho da Diretoria, aprovada pelos delegados em votação virtual, é que as prioridades de 2020-2021 sejam mantidas até a realização do Congresso do Cimi, previsto para abril de 2022, ou até a XXV Assembleia Geral que será realizada em 2023.
“Fomos impulsionados a redimensionar a nossa atuação, as nossas atividades e, ao mesmo tempo, o nosso compromisso”
“Em 2020, nós fomos impulsionados a renovar todo o nosso trabalho a partir desse momento trágico que foi a pandemia do coronavírus e isso teve um impacto na instituição, em nossas prioridades e nos nossos objetivos, diante do impacto objetivo na vida dos povos indígenas. Claro que não houve uma paralisação da instituição, pelo contrário, fomos impulsionados a redimensionar a nossa atuação, as nossas atividades e, ao mesmo tempo, o nosso compromisso, mas é claro que há de se considerar esse fato. O Conselho, reunido no mês de maio, ainda no início da preparação da Assembleia Geral, refletiu sobre a questão das prioridades e achou por bem sugerir a continuidade das prioridades tiradas em 2019”, explicou Eduardo de Oliveira, secretário-executivo do Cimi.
Presença amiga, solidária e fraterna
Nesta quarta-feira, dia 13 de outubro, no terceiro dia de evento, as explanações da plenária foram conduzidas inicialmente pelo presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), secretário da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil) e arcebispo de Porto Velho (RO), Dom Roque Paloschi. Quando a “presença amiga, solidária e fraterna” de parceiros do Cimi na causa indígena ecoou pela plataforma digital nas diversas regiões do país. “Agradeço todo o apoio e todo carinho que dão ao Cimi, sobretudo nesse passo importante na Suprema Corte, contra o marco temporal”, frisou Dom Roque.
Na fala do presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Walmor Oliveira de Azevedo, a confirmação da importância dessa luta histórica, na caminhada junto aos povos tradicionais em prol da garantia de suas terras e na defesa de suas culturas, línguas, crenças, costumes e organizações sociais. “Uma luta de grande importância pelo território, pelo respeito as tradições, com desdobramentos de lições que são muito importantes. As grandes lições que nós hoje falamos, da importância e do compromisso com a causa comum, que nós temos na tradição na história e na vivência e no modo de ser dos indígenas, grandes e importantes lições. Lições de solidariedade”, destacou.
“Estamos comprometidos com as causas indígenas e com o Cimi nessa luta”
Dom Walmor manifestou também sua solidariedade aos povos originários, que, historicamente, enfrentam todo tipo de perseguições e desrespeito dos seus direitos. Na ocasião, o representante da CNBB se posicionou, mais uma vez, contra a tese do marco temporal e dos projetos de morte que visam a aniquilação das comunidades tradicionais. “A cultura indígena é um arcabouço de lições de solidariedade para nós, que precisamos aprender a implantar modelos novos. Quero nessa oportunidade dizer o quanto estamos comprometidos com as causas indígenas e com o Cimi nessa luta. Em referência ao julgamento do marco temporal, sabemos que está nas mãos do presidente do Supremo Tribunal e nós continuaremos nesta luta, assim como fizemos na última reunião no Observatório Nacional dos Direitos Humanos, apoiando e pedindo que fosse dada uma celeridade exitosa para a causa indígena. Contem conosco, estamos juntos nessa tarefa”, garantiu.
O presidente da CNBB expressou ainda seus agradecimentos à atuação do Cimi no comprometimento com a vida de todos os Povos da Terra, na luta pelos direitos constitucionais indígena e na busca pelo Bem Viver. “Agradeço a oportunidade de estar aqui, para assim também me deixar banhar por esse espírito bonito e pela história tão importante e reverenciada por todos nós do Cimi e dos seus 50 anos. Se nós pudéssemos imaginar por um momento a inexistência do Cimi, nós estaríamos numa luta muito maior, muito mais distante dos objetivos e das metas. Por isso nós, enquanto igreja, reverenciamos e agradecemos a todos e todas que se envolvem nessa luta e nesse trabalho”, destacou Dom Walmor.
“Não há dúvida de que no Bem Viver e nesse sonho de uma outra visão de vida, nós aprendemos muito com a realidade indígena”
Secretário-geral da CNBB, Dom Joel Portella, lembrou que o dia 14 de outubro, aniversário de 69 anos da CNBB rumo as sete décadas, marca uma vivência de fé, traduzida, entre outros aspectos, por um forte compromisso à vida. Em sua fala, ele também falou sobre o privilégio de aprender com a realidade indígena, ensinamentos para a construção do Bem Viver.
“Nesses quase 50 anos de Cimi temos um sinal de que de fato a nossa história nos alegra e nos orgulha – com algumas dificuldades é verdade. É uma história de compromisso à vida, a causa da vida e a todas as suas instâncias. Gostaria de destacar que nessa causa há um detalhe que é muito próprio dessa realidade do Cimi e da causa indígena: a busca por um mundo novo. Todos querem um mundo diferente, novo. E não há dúvida de que no Bem Viver e nesse sonho de uma outra visão de vida, nós aprendemos muito com a realidade indígena”, pontuou o representante da CNBB.
Na oportunidade, a superiora geral das Irmãs Franciscanas Catequistas, Irmã Ana Pereira de Macedo, transmitiu seu apoio e da Congregação aos povos indígenas, ao Cimi nessa caminhada jubilar, a irmã Lúcia, as demais irmãs Catequistas e Franciscanas e aos que contribuem para a causa de diferentes realidades do Brasil. “Abraçamos a causa indígena como uma opção congregacional e assumimos essa missão irmanadas com o Cimi, pois já caminhamos juntos em diversas regiões e a logos anos. Reafirmamos também o compromisso que assumimos com o Povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e vamos reforçar ainda mais a nossa presença em Dourados para efetivar nossa missão. Contem conosco, queremos continuar a dar nossa contribuição mesmo que pequenininha, a passos miúdos, mas queremos caminhar juntos, somando na luta, fortalecendo a aliança nesse tempo tão desafiador, na defesa da vida dos povos. Estamos dispostos a libertar juntos a esperança e fazer vibrar em nossos corações a força da resistência”, expressou.
“Minha missão tem sido ajudar os meus irmãos e a toda a igreja a apoiar com atenção, com carinho e compromisso a causa indígena”
Dom Manoel Ferreira dos Santos Junior, referencial para a pastoral indigenista do Regional Sul I, manifestou sua gratidão diante da vivência e espiritualidade que emana dos participantes da XXIV Assembleia Geral do Cimi e reafirmou seu compromisso com a causa indígena e com a causa dos irmãos hoje marginalizados e fragilizados. “Nossa missão aqui no estado de São Paulo é ajudar nossos irmãos Bispos e a terem um olhar carinhoso e central para a causa indígena, porque ajudando os Bispos, nós ajudamos a todas as arquidioceses e as igrejas a terem essa atenção. Enquanto igreja, sinto que no estado de São Paulo a questão indígena está bastante diluída, então, minha missão tem sido ajudar os meus irmãos e a toda a igreja a apoiar com atenção, com carinho e compromisso a causa indígena”, refletiu.
Pastorais em sintonia com o Cimi
As Pastorais Sociais, parceiras do Cimi em profunda solidariedade e comunhão, fortalecem o processo de construção de um projeto alternativo, pluriétnico, popular e democrático, somando forças para articulações frente à crise socioambiental, política e econômica do país. Nesse sentido, a XXIV Assembleia Geral do Cimi abriu espaço para a palavra dos representantes de algumas dessas Pastorais para explanações à plenária. Veja:
– Carlos Humberto Campos, Diretor-executivo da Cáritas Brasileira: “É com muita alegria e agradecimento que estamos aqui hoje nessa celebração da XXIV Assembleia Geral do Cimi que tem como tema a resistência. Penso que o Cimi, ao longo da caminhada, na parceria, [quase] completando 50 anos e nós da Cáritas 65; nos trouxe resistência e também alegria, conquistas e muita esperança. É nesse sentimento que nós, da Cáritas, nos colocamos também a disposição para estamos juntos na construção da Articulação das Pastorais do Campo, na Articulação das Pastorais Sociais, na realização da 6ª Semana Social Brasileira, nos gritos das romarias. Ou seja, a nossa caminhada é de irmãos e irmãs que estão em comunhão e em defesa da vida por esse projeto de Deus, que é o projeto do reino. Que seja solidário e fraterno para todos e todas”.
“Nos sentimos parte dessa jornada de [quase] 50 anos com vocês, nos consideramos pastorais irmãs”
– Ormezita Barbosa do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP): “Temos um aprofunda admiração por toda essa caminhada do Cimi – profética e comprometida – e pela forma em que a entidade tem contribuído para essa caminhada que nasce a partir dos pobres e dos povos indígenas. Nos sentimos parte dessa jornada de [quase] 50 anos com vocês, nos consideramos pastorais irmãs, temos o nascimento ali no mesmo período histórico, então temos uma trajetória marcada por muita luta e muita resistência”.
– Isolete Wichinieski, da Comissão Pastoral da Terra (CPT): “Saudação especial aos missionários e missionarias do Cimi, que fazem parte dessa luta e missão a serviço dos povos indígenas. É sempre bom reforçar a importância dessa união, ainda mais diante da conjuntura que estamos vivendo. Reunir mais de 100 pessoas, mesmo que virtualmente, para discutir, refletir e pensar é muito importante, principalmente porque os nossos desafios estão cada vez mais difíceis. É sempre bom ouvir o que nos remete à nossa espiritualidade e o que nos dá forças, trazendo toda a ancestralidade dos povos indígenas, aqueles que são os donos dessa terra. Desejo que vocês consigam permanecer firmes nessa luta, sempre nessa missão de estar junto aos povos indígenas e aos demais povos do campo, porque é essa soma que dá cara ao Brasil”.
– Lucia Ortiz, da Amigos da Terra Brasil: “Estamos juntos nessa luta, com muita admiração ao trabalho do Cimi, ao trabalho missionário e de educação, mas também a esse trabalho de escuta e de aprendizado dos povos originários e na defesa, sempre ombro a ombro, dos direitos dos povos indígenas do Brasil”.
Análises conjuntas
Os missionários e missionárias do Cimi, parceiros, assessores e convidados da XXIV Assembleia Geral, durante os trabalhos de grupo – e, posteriormente, nas explanações – puderam refletir e fazer apontamentos conjuntos para pensar os desafios futuros diante da conjuntura histórica de retirada de direitos dos povos tradicionais. Além disso, o enfrentamento a política anti-indígena do atual governo, a tese do marco temporal, o avanço do agronegócio e invasões dos territórios estão, há tempos, entre os principais desafios coletivos apontados e que necessitam de uma maior sinergia, no sentido de se pensar estratégias e articulações cada vez mais amplas.
“São essas experiências espirituais que dão sustentação e encorajam para os enfrentamentos do contexto atual”
“Nesse contexto em que vivemos, tão adversa e tão perversa é a conjuntura e tão esperançosa é a luta cotidiana dos povos indígenas do nosso país. Estamos voltando com muito receio às comunidades, ainda diante desse contexto de pandemia, e esse é um grande desafio que, hoje, faz parte da luta. E o Cimi nunca fugiu à luta e nem fugirá. Percebemos em todos os povos a preocupação muito grande em evidenciar suas experiências espirituais, pois a espiritualidade está muito presente, e são essas experiências espirituais que dão sustentação e encorajam para os enfrentamentos do contexto atual. Somos resistência sempre”, destacou Saulo Feitosa, do Cimi Nordeste e professor da Universidade de Pernambuco.