16/08/2021

Brasília comanda avanço de garimpos e desmatamento no Brasil (Parte II)

“Enquanto órgãos ambientais seguem enfraquecidos, Congresso atua como aliado do governo no desmonte ambiental, discutindo e aprovando mudanças danosas na legislação”

O garimpo avança de modo devastador na Terra Indígena Munduruku, impactando o povo, os rios e a floresta, que foi desmatada em mais de 240 hectares apenas entre os meses de janeiro e abril de 2020, um aumento de 57% em relação ao mesmo período do ano anterior. Foto: Marcos Amend/Greenpeace

O garimpo avança de modo devastador na Terra Indígena Munduruku, impactando o povo, os rios e a floresta, que foi desmatada em mais de 240 hectares apenas entre os meses de janeiro e abril de 2020, um aumento de 57% em relação ao mesmo período do ano anterior. Foto: Marcos Amend/Greenpeace

Por Cristina Ávila – Jornal Brasil Popular/DF

A mais global e visível expressão da destruição da Amazônia Legal está na análise histórica dos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os novos números do sistema Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real) confirmam as tendências cada vez mais caóticas na maior reserva da biodiversidade do planeta.

Recentemente, o Inpe atualizou os dados de julho do Deter. O acumulado de alertas de desmatamento em 2021 é de 8.712 km². O segundo maior índice desde 2016, um pouco menos do que 2020, quando chegou a 9.216 km². As informações foram coletadas até 30 de julho, um dia antes do encerramento do intervalo oficial do sistema Prodes (Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia), que afere as taxas anuais, de agosto de um ano a julho do seguinte, e é divulgado em dezembro.

A análise por categorias de alertas atesta que a destruição promovida pela mineração cresce. Devastou 125 km² da Amazônia Legal em 2021, a maior desde 2016, com alta de 62% em relação a 2018.

Segundo análise da organização ativista Greenpeace, o acumulado de alertas de desmatamento neste período de 2020/2021 teve redução de apenas 5,47% em relação ao período anterior. Foram 1.417 km² apenas em julho. O Observatório do Clima, que reúne as principais instituições ambientalistas do país, constata que o Governo Bolsonaro teve três recordes negativos desde 2016, com desmatamentos 69,8% maiores do que a média de anos anteriores.

Devastação do garimpo ilegal na TI Munduruku, registrada em 2020. Foto: Marcos Amend/Greenpeace

Devastação do garimpo ilegal na TI Munduruku, registrada em 2020. Foto: Marcos Amend/Greenpeace

“Os órgãos ambientais seguem enfraquecidos enquanto o Congresso atua como aliado do governo no desmonte ambiental, discutindo e aprovando mudanças danosas na legislação, como o PL 2633/2020 (que facilita regularizações fundiárias), aprovado esta semana na Câmara dos Deputados”, ressalta a gestora ambiental do Greenpeace Brasil, Cristiane Mazzetti, referindo-se ao projeto de lei denominado PL da Grilagem que segue para o Senado.

Teatralmente, para enfrentar o problema às vésperas da COP 26, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas que acontecerá em novembro, o presidente anti-indígena editou o decreto Garantia da Lei e da Ordem em que destina R$ 50 milhões pra atuação das Forças Armadas no combate ao desmatamento entre 28 de junho e 31 de agosto em municípios do Amazonas, Mato Grosso, Rondônia e Pará, em áreas da União, como territórios de povos originários, por exemplo, o que poderá causar mais conflitos e não soluções. A previsão seria de uma redução de 10 a 12% do desmatamento. Desde 2019 foram autorizadas duas operações militares com o mesmo fim, as chamadas Verde Brasil 1 e 2.

“[O caso dos Yanomami] traz toda essa questão de não efetividade das atividades do Exército dentro dos territórios indígenas. Tanto em relação ao desmatamento como da mineração. Se realmente quisesse combater ilícitos o governo estaria fortalecendo o ICMBio e Ibama”

Toya Manchineri. Foto: Jane de Araújo/Agência Senado

Toya Manchineri. Foto: Jane de Araújo/Agência Senado

Facções criminosas e ineficiência – “Em primeiro lugar, essa não é função das Forças Armadas”, ressalta Toya Manchineri, assessor político da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que é uma das organizações regionais da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “Segundo, não vemos nenhum efeito nesse tipo de operação. O bom seria que esses recursos com homens do Exercito para combater ilícitos fossem destinados à Funai (Fundação Nacional do Índio) para a demarcação dos territórios indígenas que aguardam para serem demarcados”.

Toya Manchineri ressalta que se gasta muito dinheiro em operações ineficientes e invasores continuam nos territórios indígenas. “Temos um exemplo grande, grandíssimo, inclusive com facções criminosas atirando contra comunidades, apoiando garimpeiros, que é o caso dos Yanomami. É um caso que traz toda essa questão de não efetividade das atividades do Exército dentro dos territórios indígenas. Tanto em relação ao desmatamento como da mineração. Se realmente quisesse combater ilícitos o governo estaria fortalecendo o ICMBio e Ibama. Teríamos aí duas questões: os recursos seriam bem empregados nas demarcações e fortaleceriam as duas instituições”.

O assessor da Apib se refere ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, órgãos de fiscalização e controle das questões relacionadas ao desmatamento, tanto em territórios indígenas como em unidades de conservação.

Ilusões no orçamento da Funai – Nenhuma terra indígena foi identificada, declarada para fins de demarcação ou teve demarcação homologada em 2019 e 2020 e se investe cada dia mais no desmantelamento do Estado. Isso fica claro no Balanço Semestral do Orçamento Geral da União, de janeiro a junho de 2021, publicado neste 19 de julho pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) que analisa, entre outras, a execução financeira do principal programa finalístico do órgão, “0617 – Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas”. A dotação autorizada para esse programa é quase 25% maior do que de 2020, chegando a R$ 121,9 milhões, porém, o ritmo de gastos está mais lento ainda do que no ano passado. O valor empenhado neste primeiro semestre teve cerca de R$ 6 milhões a menos do que o mesmo período de 2020, e o valor pago teve queda de R$ 2 milhões. “Ainda que a execução financeira esteja significativamente mais elevada em 2021, boa parte dos gastos diz respeito a restos a pagar, ou seja, compromissos firmados em anos anteriores”, ressalta o documento.

Cabide de emprego aliado a ruralistas – Em outro estudo, sobre o orçamento de 2020, o Inesc ainda acentua a defasagem do quadro de funcionários da Funai, que atua com 2.071 profissionais (1.717 efetivos), com 2.300 cargos vagos, por conta de aposentadorias, por exemplo. Além disso, critica o aparelhamento da instituição, com atribuição de cargos de chefia para militares e policiais federais aliados a ruralistas e sem experiência.

O Inesc ressalta que a lentidão dos investimentos em políticas públicas destinadas aos povos indígenas contrasta com a intensidade dos ataques no mesmo primeiro semestre deste ano, seja por meio de invasões dos territórios como pelos numerosos projetos de lei em tramitação no Congresso que visam desmontar os direitos constitucionalmente garantidos. “Como alerta a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a violência no campo alcançou número recorde registrado pela organização desde 1985. Em 2021, os ataques seguiram se multiplicando”, afirma o documento que conclui que a intensão do Parlamento se evidencia tentativas de não apenas emperrar demarcações, mas acabar com a possibilidade da existência das terras indígenas, inclusive as já demarcadas.

“O caso da Coordenação Regional Tapajós (PA) é emblemático: a unidade da Funai responsável por atender as comunidades indígenas do Médio Tapajós não executou nada no primeiro semestre de 2021 na ação orçamentária 2OUF – Regularização, Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas e Proteção dos Povos Indígenas Isolados” tendo empenhado apenas R$ 11.063,58. No mesmo período as comunidades sofreram diversos ataques violentos por grupos invasores, que incluíram incêndios criminosos a casas de lideranças e ataque ao ônibus que transportaria uma delegação Munduruku para Brasília (Acampamento Levante pela Terra, em junho). A falta de gastos em fiscalização por parte do principal órgão indigenista em um contexto como este indica ao menos conivência com a situação”, enfatiza a análise deste primeiro semestre do ano.

17 ministérios unidos derrubam números – É fácil entender que militares na Amazônia para combate a desmatamento são uma falácia de Jair Bolsonaro. Basta comparar com ações que tiveram reflexos nos índices do Inpe. Em 2004, quando o desmatamento estava no pico de 27.772 km², o governo federal criou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), com concepção e execução por 17 ministérios, coordenado pela Casa Civil da Presidência da República e liderado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). As ações passaram a fazer parte das prioridades do Plano Plurianual (PPA) para políticas públicas do governo federal entre 2012 e 2015. Com metas claras: ordenamento fundiário e territorial, monitoramento e controle ambiental, com fomento a atividades produtivas sustentáveis.

No Dia da Amazônia, em 5 de setembro de 2014, o MMA celebrou 80% de redução do desmatamento na Amazônia Legal. O ritmo decrescente teve em 2012 e 2013 o primeiro se segundo menores índices em 26 anos. “Parecia impossível reduzir o desmatamento”, disse a gerente de Projeto do Departamento de Politicas para o Combate ao Desmatamento”, Juliana Simões. Os 27.772 km² haviam caído para 4.571 km² e 5.843 km².

Conjunto de medidas para mudança na tendência de curva

Para se ter resultados são necessárias estratégias e não falácias. No período em que a curva do desmatamento desmoronou foram feitos acordos setoriais, inclusive com compromissos necessariamente assumidos pelo agronegócio, o que não afetou safras nem lucros das empresas produtoras:

Fiscalização – Em 2004, o sistema de Detecção de Desmatamento na Amazônia em Tempo Real (Deter) passou a oferecer mensalmente imagens de satélites de áreas desmatadas na Amazônia Legal. Essas informações passaram a ser diárias em 2012, com capacidade de detectar derrubadas da floresta a partir de 25 hectares. Para 2015, com a tecnologia Deter Awifs, capaz de auxiliar a fiscalização onde houver cortes rasos a partir de três hectares.

Unidades de Conservação – Foram criadas novas UCs em mais de 50 milhões de hectares, principalmente em áreas de expansão de desmatamento.

Terras indígenas – Foram demarcados mais de 10 milhões de hectares de terras indígenas, que comprovadamente têm números de desmatamento significativamente menores.

Política de crédito rural – A Resolução 3545/2008 do Banco Central condicionou regularidade ambiental e fundiária ao financiamento agropecuário no bioma Amazônia.

Política Nacional sobre Mudança do Clima – A Lei 12.187/2009 estabeleceu o compromisso voluntário do Brasil de reduzir entre 36,1% a 38,9% das emissões de gases de efeito estufa projetados até 2020. Somente com a redução do desmatamento, em 2014 o país havia atingido 60% dessa meta.

Regulamentação da PNMC – O Decreto 7390/2010 estabeleceu a redução de 80% dos índices anuais de desmatamento na Amazônia Legal, em relação à média verificada entre 1996 e 2005.

Fundo Amazônia – Foi criado em 2008, para prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, além de promoção da conservação e uso sustentável de florestas no bioma Amazônia. Já financiou R$ 869 milhões em 55 projetos. Outros 34 estão atualmente em tramitação, que somam mais R$ 658 milhões.

Produtividade na agricultura –  A ciência contribuiu com o aumento da produtividade da agricultura brasileira, promovendo o crescimento das safras sem necessidade de novas áreas de plantio.

Moratória da soja – Acordos entre governos, empresas, organizações não-governamentais e Ministério Público resultaram no compromisso de que a soja cultivada em áreas desmatadas a partir de julho de 2006 não pode ser comercializada nem financiada.

Moratória da carne – A partir de 2009, parcerias entre governos, empresas, organizações não-governamentais e Ministério Público negociaram acordos para regularização ambiental do setor pecuário.

 

Esta reportagem é parte da série sobre garimpos, desmatamento e invasões a territórios indígenas realizada em parceria entre o Jornal Brasil Popular e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Veja também:

Brasília comanda avanços de garimpos e desmatamentos no Brasil (Parte I)

ENTREVISTA | “Pelo menos 300 parlamentares são anti-indígenas”, avalia Cimi

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