A vida ameaçada no Jutaí: Cinco décadas de enfrentamentos sistemáticos em defesa da vida e da terra dos povos indígenas
Texto da coluna “Causos e Casos”, um especial do Jornal Porantim em comemoração aos 50 anos do Conselho Indigenista Missionário
Dom Joaquim de Lange, bispo de Tefé, ao celebrar seus 25 anos de presença na prelazia, manifestou estar em dívida com os povos indígenas, pois não teve uma atuação específica junto a eles. Por essa razão, ao encontrar-se com membros do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), manifestou sua intenção de organizar a pastoral indigenista em sua prelazia. Manifestou seu desejo à integrantes do Cimi, que entraram em contato comigo perguntando se eu tinha intenção de atender a esse pedido. É claro que havia toda uma conversação a ser feita com o regional do Cimi e com D. José, bispo de Chapecó, a cuja prelazia eu pertencia. A minha predisposição era de aceitar o desafio.
Tudo foi se encaminhado na direção Amazônica, uma ilustre desconhecida para mim.
E logo encaminhamos a primeira atividade. Ir conhecer a região. E lá vou para Manaus, Tefé, e daí para o Jutaí.
Lá encontrei com o Irmão Luiz, que o pessoal da região chamavam de Pe. Torto, por causa de seu corpo inclinado. Ele já havia preparado o barco. Cada dia um novo mundo se apresentava.
Alguns comerciantes, conhecidos como regatões, não acreditavam que poderíamos ir até as cabeceiras do rio, sem recompensas ou interesses (falavam em plantio de coca).
Depois de alguns anos nessa mesma dinâmica de ajudar os seringueiros, ribeirinho e povos indígenas, eles prometeram que iam me dar uma surra e me matar. O Kalila ouviu essa intenção de me eliminarem e mandou um recado, pedindo que eu não descesse o rio, pois estariam me guardando.
Depois de alguns anos em Manaus e secretariado do Cimi fui, com Dom. Mário revisitar o Jutaí. Um pequeno trecho do escrito.
O FIM e o COMEÇO
Começar tudo de novo
desenterrar sonhos, sangue
e esperança
para um novo momento do Jutaí.
Eis o desafio,
que como diria meu grande amigo
ex-seringueiro, amante deste rio,
Kalilo, ” agora que não tem mais cristãos aqui
é preciso cuidar da vida no Jutaí, tão cheio
de animais de toda espécie, peixes, bichos de casco
(sendo acabados), aves, insetos de todo jeito,
árvores de tanta beleza e serventia”.
Para quem lutou e sonhou
um futuro de gente e fartura
de harmonia e alegria no Jutaí,
é duro deparar-se com um final vazio!
Virar uma página da história
e reanimar-se para escrever outra
história, nem sempre é fácil.
Necessário se faz arregimentar novos aliados
buscar novas fontes de conhecimento,
de recursos e de coragem.
Como diria um ditado popular
do fim pode-se vislumbrar um bom começo.
Causos e Casos
Iniciada na edição de abril de 2021, a coluna “Causos e Casos” é um especial rumo aos 50 anos do Conselho Indigenista Missionário, que traz textos assinados por Egon Heck e Egydio Schwade, dois dos fundadores do Cimi e militantes da causa indígena brasileira antes mesmo da criação da entidade.
É a comemoração do cinquentenário por meio do reconhecimento da contribuição do Cimi para o desenvolvimento da causa indigenista a partir de seus missionários e missionárias, aqui representados por Egon Heck e Egydio Schwade. Figuras históricas de luta que contribuem fortemente para a atuação missionária junto aos povos originários, dando um novo sentido ao trabalho da igreja católica.
As histórias da “Causos e Casos”, escritas especialmente para esta coluna, mostrará que a atuação missionária, além de favorecer a articulação entre aldeias e povos, promovendo as grandes assembleias indígenas, onde se desenharam os primeiros contornos da luta pela garantia do direito à diversidade cultural; também fomenta espaços políticos e estratégias para o fortalecimento do protagonismo indígena.
Egon Heck e Egydio Schwade relatam causos e casos com propriedade, pois, desde os primórdios, fizeram parte das linhas de ação do Cimi, sendo impossível separar suas vidas da causa indígena brasileira. Engajados com as comunidades desde a juventude, eles compartilham dos mesmos sentimentos dos povos originários e adotaram a causa como parte integral de suas trajetórias.
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*Egon Heck é ex-padre, formado em Teologia e em Filosofia, com pós-graduação em Ciência Política e lutou, e ainda luta, bravamente ao lado de comunidades indígenas em todo o país, contrariando toda carga cultural e ideológica de preconceito contra os povos indígenas a que esteve exposto em sua própria família e diante da política de inúmeros (des)governos.