23/07/2021

Cimi Regional Sul realiza 46ª Assembleia e reafirma compromisso com a luta junto aos povos indígenas

A 46ª Assembleia Regional do Cimi Sul aconteceu no formato online e contou com fortes depoimentos das lideranças indígenas do Sul e Sudeste do país

46ª Assembleia do Cimi Regional Sul. Foto: reprodução

46ª Assembleia do Cimi Regional Sul. Foto: reprodução

Por Claudia Weinman, do portal Desacato

A 46ª Assembleia Regional do CIMI Sul aconteceu entre os dias 21 e 22 de julho de 2021, de forma online, em razão do contexto da pandemia da covid-19. A atividade reuniu na quarta-feira, missionários/as, aliados/as da causa indígena e especialmente, as lideranças, que trouxeram em suas falas a realidade que vivem os povos na antipolítica do governo Bolsonaro e das ofensivas que os projetos anti-indígenas representam para a sociedade brasileira neste momento da história.

Em sua fala, a liderança Kretã Kaingang, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, destacou a importância do movimento Levante Pela Terra e as articulações para o mês de agosto. “Foi um desafio fazer essa mobilização nacional e mostrar o que está acontecendo e o que o PL 490 traz de maldade, inclusive, lembramos da PEC 215 que trazia as instruções normativas da Funai e a luta que foi para barrar essa PEC. Lembro que naquele momento (2015), também precisávamos dar um foco para que os parentes do Brasil e as instituições entendessem o que era esse projeto e pudéssemos iniciar a resistência. Para quem lembra, era em dezembro a última votação dessa PEC no Congresso Nacional, foi necessário ir para espiritualidade, seguramos a PEC na época, a grande chuva que apagou o painel eletrônico do Congresso, alagou as galerias e não teve a votação. O PL 490 é o mesmo caminho, precisa de muita luta e força da espiritualidade”, reafirmou Kretã.

Ele também destacou a luta do dia 09 de agosto – Dia Internacional dos Povos Indígenas e a retomada do Levante pela Terra em Brasília, a partir do dia 22 de agosto, quando retorna à votação pelo STF o caso de repercussão geral, sobre a tese do Marco Temporal.

Ponte do Goio-Ên, que faz divisa entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, na SC 480, em 2015. Foto: Claudia Weinman/portal Desacato

Ponte do Goio-Ên, que faz divisa entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, na SC 480, em 2015. Foto: Claudia Weinman/portal Desacato

Conjuntura e realidades

Durante a assembleia, Frei Sérgio Görgen, aliado das causas sociais, destacou os impactos da pandemia e o processo de privatizações no país. Ele mencionou as mais de 50 milhões de pessoas que neste momento estão precisando de um posto de trabalho, situação ocasionada pela crise social, segundo ele, nunca vista na história do Brasil, inclusive, Frei Sérgio fez um comparativo com a crise de 1929 e mencionou que o Brasil vive um cenário cujas privatizações não avançaram ainda mais, em razão da pandemia. “O maior orgulho da nossa geração militante era o de ter superado a fome, um orgulho de viver a primeira geração de infância sem fome na história do Brasil, mas agora, voltamos a conhece-la em um país agrícola que se vangloria de ser o maior produtor de grãos do mundo, o que de fato é”, refletiu.

A liderança indígena Clarice Josivania da Silva, que vive em contexto urbano na Comunidade Pankararu do Real Parque/São Paulo/SP e é Presidenta da Associação SOS Pankararu, destacou o papel das mulheres indígenas na luta contra a fome e as ofensivas anti-indígenas. “A fome não vem só de agora. Outro dia uma liderança contou o que pediu às crianças: – ‘meus filhos comam bastante na escola, porque quando chegarem em casa, não vai ter janta para vocês. ’ Por isso eu digo, que sejamos todos solidários, que se dê a mão a todos, porque naquele povo sempre vai ter alguém que sofra mais. Acredito que somos mulheres fortes, guerreiras e a gente não vai nunca desistir dessa luta”, mencionou.

Pedro Henrique da Silva, do povo Pankararé, que também vive em contexto urbano, e que atua como agente de saúde indígena em Guarulhos/SP, também falou sobre as dificuldades no contexto da luta e a necessidade do fortalecimento da saúde mental indígena. “Sempre trabalhei como artesão, levava a minha cultura para as escolas, a cultura indígena nordestina que tem no município, e aí veio a pandemia, ficamos parados. Então me candidatei a vaga para ser agente de saúde. A saúde mental já não estava legal, então entrei por conta disso. Muitos indígenas estão abalados emocionalmente, passaram por muitas dificuldades e não tem respeito da sociedade”, contextualizou.

Outras lideranças também trouxeram suas realidades a partir das comunidades indígenas do Sul do país. O Cacique Deoclides de Paula, do povo Kaingang, da Terra Indígena Kandoia/RS, também refletiu sobre a importância da construção das redes de apoio com os/as aliados/as na luta em defesa da vida e dos direitos dos povos indígenas. “Me preocupa muito quando a gente está pensando nesses dias, mais um marco na história nossa de luta, que é a repercussão geral. É mais uma conquista, pois em 1988 foi uma das grandes vitórias dos nossos pais, avós, felizmente a gente ainda está de pé para defender o legado que essas lideranças e que essas forças que se uniram para a gente estar hoje aqui. A gente conta com esse apoio para vencer mais essa”, disse.

“Quando se fala em terra indígena, deveria ser um prazer devolver o território aos povos, aquilo que é direito da comunidade indígena. A nossa terra mãe nos pertence, não pertence aos outros, mas aos seus filhos”

“A demarcação da terra indígena é o sustento da vida, da cultura, da educação, saúde, autonomia”

A liderança indígena Timóteo da Silva Verá Tupã Popygua, do Vale do Ribeira/SP, também falou sobre a luta para garantir o respeito aos povos indígena. “Os brancos não conseguem assimilar isso, nem todos os juruá, mas os que tem essa visão errada, acha que o dinheiro e a riqueza, os bens materiais valem mais do que uma vida. Mas nós, indígenas, pensamos diferente. A demarcação da terra indígena é o sustento da vida, da cultura, da educação, saúde, autonomia”, reforçou.

Sobre isso também, falou Sandro Luckmann, representante do Conselho de Missão entre Povos Indígenas – COMIN. “Estamos vivendo um processo de ataque a existência dos povos indígenas e de todos os que resistem a esse modelo e essa perspectiva de se valer mais o capital do que a vida. É um ataque a existência de todos que fazem resistência. Por isso somos aliados na luta a tudo que ataca a existência dos povos indígenas”.

Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng de Santa Catarina, também mencionou sobre o momento difícil que vivem os povos indígenas e a luta contra o marco temporal. “Quando temos um governo de um país tão grande, maravilhoso, mas no centro tem uma pessoa que pensa e age de forma ilegal é complicado. Quando se fala em terra indígena, deveria ser um prazer devolver o território aos povos, aquilo que é direito da comunidade indígena. A nossa terra mãe nos pertence, não pertence aos outros, mas aos seus filhos”, reforçou Brasílio, que vive na Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ e cuja ação de reintegração de posse, movida pelo estado de Santa Catarina contra a comunidade Xokleng é considerada de repercussão geral, ou seja, a decisão tomada nele servirá de diretriz para o governo federal e todas as instâncias do Judiciário, no que diz respeito à demarcação de terras indígenas, além de servir para balizar propostas legislativas que tratem dos direitos territoriais dos povos originários.

A assembleia também contou com reflexões de Cleber Buzatto, Secretário Adjunto do CIMI, que mencionou sobre os desafios desse segundo semestre de 2021, no que diz respeito às lutas dos povos indígenas. “No mês de agosto se tem um indicativo de planejamento, por parte do movimento indígena, de intensas articulações e mobilizações, mas também dos inimigos e por isso, precisamos estar preparados e atentos aos desdobramentos da conjuntura”, apontou.

O professor Clóvis Brighenti, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana e membro do Conselho Indigenista Missionário, também refletiu sobre a importância da formação de base, como fio condutor de todas as lutas sociais. “Sabemos que o PL 490 por exemplo, é o acúmulo das experiências negativas dessas forças conservadoras no Congresso Nacional e que encontraram no governo Bolsonaro uma forma de passar a boiada, com todas as maldades. Então o desafio que está posto para todos nós é como fazer o enfrentamento, por mais que se mude o governo, o Congresso Nacional pouco vai mudar, ao contrário, vem piorando a cada eleição e, por isso, vale pensar que a luta passa fundamentalmente por processos formativos que precisamos resgatar”, destacou.

Roberto Antonio Liebgott, da coordenação Cimi Sul, realizou a síntese da assembleia, avaliando a sintonia das lideranças para o próximo período. “Penso que temos uma perfeita sintonia entre as falas das lideranças no que se refere ao momento atual, tanto do contexto urbano e a necessidade do movimento das comunidades que lutam pelos seus direitos nesses espaços urbanos, com os demais movimentos indígenas que se fazem unidos neste momento”, finalizou.

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