19/05/2021

Povos indígenas x tradição oligárquica

A trama urdida pelos inimigos dos Povos Indígenas

Ilustração: Mariosan

Por Hellen Loures da Assessoria de Comunicação do Cimi – MATÉRIA PUBLICADA ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO 343 DO JORNAL PORANTIM

Cenário: Serra do Ororubá, em Pesqueira, cidade do interior pernambucano dominada pelas oligarquias políticas, local que abriga mais de três séculos de espoliação e morte do povo Xukuru. O ano era 1998, quando o líder Xicão Xukuru foi mais um dos assassinados em decorrência de conflitos pelo direito à terra. Antes dele, José Everaldo Bispo, filho do pajé Zequinha, Geraldo Rolim, advogado do povo e o líder Chico Quelé já haviam sido vítimas da fúria do latifúndio. Durante o período que exerceu a função de cacique, além de articular as retomadas de terra, Xikão promoveu a criação de conselhos de saúde e educação e da Associação do Povo Xukuru – sistema que funciona até hoje e estimula a participação dos indígenas nas decisões do povo, geralmente discutidas em assembleias e seminários.

Em fevereiro de 2003, poucos anos após o assassinato do Cacique Xicão, encomendado por fazendeiros locais, a história mais uma vez se repetiria, agora, com o filho e sucessor de Xicão. Uma emboscada contra o cacique resultou na morte de dois indígenas responsáveis por sua segurança e gerou revolta nos Xukuru, que decidiram reagir, ateando fogo em casas e carros dos envolvidos no atentado. Como resultado, em 2015, a Justiça condenou 42 lideranças Xukuru, inclusive o cacique Marcos, por “crime contra o patrimônio privado”, por um incêndio em propriedades privadas que ele veementemente nega ter participado, já que, na ocasião, se recuperava do atentado sofrido, após ser atendido no hospital da cidade. Mais um exemplo do processo de criminalização contra os indígenas.

Passados 22 anos do assassinato de seu pai, em 2020, o cacique do Povo Xukuru, Marcos Luidson, carinhosamente conhecido pelos Povos Indígenas no Brasil como Marquinhos Xukuru, filho e sucessor de Xicão, é eleito prefeito de Pesqueira com mais de 51% dos votos (17.654 votos), seguindo os passos do pai e quebrando enfim a tradição oligárquica da cidade. Um marco: o primeiro indígena a vencer a disputa pelo cargo político mais importante do município, onde os povos originários chegam a quase um terço da população, cerca de 20 mil (dos quase 70 mil) habitantes de Pesqueira.

Um enredo garantidor de um final feliz épico, com direito a continuidade, por meio da ampliação da participação indígena na construção de políticas públicas e da ampliação da luta histórica destes povos. Entretanto, não bastou vencer as inúmeras perdas de seu povo, o atentado e também a forte pressão da oposição nas eleições – após enfrentar uma coligação de 11 partidos contrários e tantas afirmações preconceituosas –, Marquinhos Xukuru agora é alvo de um processo na Justiça Eleitoral numa ação de impugnação proposta por Maria José (DEM), derrotada nas urnas pelo cacique, sob alegação de inelegibilidade decorrente da condenação criminal. Um reflexo do histórico de luta do povo Xukuru que, mesmo na conquista de seus direitos, precisa de resistência para lutar ainda mais para ter reconhecida sua vitória.

“A trama, urdida pelos inimigos dos Povos Indígenas, que o levaram a ser condenado criminalmente, não implica nenhuma evidência ensejadora de inelegibilidade, na medida em que não há qualquer envolvimento de sua pessoa, em atos atentatórios à integridade física de qualquer pessoa e muito menos de patrimônio público ou particular, ou mesmo à incolumidade pública. O indeferimento do registro de sua candidatura representa uma grave injustiça histórica, já apreciada e reconhecida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos”, manifestou o Cimi em uma carta de solidariedade ao cacique Marquinhos.

Mas a história segue sem um desfecho! Meses após as eleições municipais no Brasil, o município de Pesqueira segue sem saber quem chefiará a prefeitura até 2024, na esperança que a justiça, o poder público e toda a cidade, sempre comandada pelas oligarquias rurais e por grandes famílias tradicionais, agora, enxerguem a participação indígena na política com protagonismo indissociável, sem o preconceito institucional que hoje se mantém impregnado nas estruturas do estado e da sociedade brasileira.

Share this:
Tags: