12/03/2021

Mentiras do governo brasileiro ditas na ONU fortalecem as denúncias das organizações indígenas e indigenistas

Cada vez mais o governo brasileiro se enreda em suas próprias lorotas quando confrontado com relatórios, reportagens, dossiês e outras manifestações institucionais consistentes

Por Roberto Antonio Liebgott, filósofo, bacharel em direito e missionário do Cimi Regional Sul

O governo brasileiro, em meio à fase mais mortífera da pandemia do novo coronavírus, se vê obrigado a dar explicações aos organismos internacionais quando denunciado, o que, para surpresa apenas de seus asseclas, têm ocorrido com intensa periodicidade. Mas estas explicações, um habitual apanhado de mentiras, distorções de números, manipulações de dados e cinismo retórico diante da morte e da dor, convencem a comunidade internacional?

Cada vez mais o governo brasileiro se enreda em suas próprias lorotas perniciosas quando confrontado com relatórios, reportagens, dossiês e outras manifestações institucionais consistentes, baseados na realidade concreta, sobre as violações aos direitos humanos praticadas contra as populações mais vulneráveis, grupos sociais discriminados, povos originários e comunidades tradicionais. Cada vez mais o governo brasileiro, enquanto se envolve em um manto de ficção mal feita, dá razão às denúncias de que é alvo.

São denúncias apresentadas ao mundo por ONGs, entidades, comunidades, conselhos, instituições acadêmicas ou até mesmo individualmente por lideranças populares. Desde o início do mês, o Conselho Indigenista Missionária (Cimi) participa da 46ª sessão do Conselho de Direito Humanos das Nações Unidas e tem levado, junto com entidades e lideranças indígenas, eclesiais e dos movimentos sociais, informações a respeito de violações praticadas ou estimuladas pelo governo brasileiro em plena pandemia.

Há poucos dias, pouco antes do início da 46ª sessão, os ministros Ernesto Araújo e Damares Alves usaram os espaços da ONU para apresentarem informações, se antecipando à avalanche de problemas que tem criado, que confrontam a realidade brasileira, a verdade dos fatos diariamente noticiados, afirmando que o governo brasileiro não mede esforços no sentido de combater a pandemia da covid-19, destacando que ações estão sendo realizadas para proteger os povos indígenas.

As mentiras foram caindo uma a uma logo na sequência, com o desenrolar da 46ª sessão. No dia 3 de março, o assessor jurídico da Apib apresentou, junto ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, denúncias de que o governo de Jair Bolsonaro pratica no Brasil uma “política de extermínio” e “genocídio”.

O assessor da Apib Luis Eloy foi enfático ao afirmar que se vive no Brasil um momento muito sério, porque o atual governo implementou uma “política indigenista extremamente prejudicial aos povos

O relatório foi apresentado ao Conselho de Direitos Humanos pela Apib, que desde o início da pandemia vem monitorando dia a dia seus desdobramentos entre os povos, e pelo Cimi. A estas organizações se somam o Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos, Associação Brasileiras dos Gays Lésbicas e Transgêneros, Terra de Direitos e pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), Coletivo Intervozes, Criola, Fórum das Comunidades e Povos Tradicionais do Ceará, Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil, Geledés – Instituto da Mulher Negra, Instituto Cigano do Brasil, Movimento Nacional de Direitos Humanos, pela Rede de Cooperação Amazônica e pelo Instituto Iepé.

O assessor Luis Eloy foi enfático ao afirmar que se vive no Brasil um momento muito sério, porque o atual governo implementou uma “política indigenista extremamente prejudicial aos povos, que, além de relativizar os impactos da pandemia do novo coronavírus, desqualificar e promover mentiras sobre a eficácia da vacina e seus efeitos, e fragilizar o processo de imunização, também estimula a invasão dos territórios indígenas por madeireiros, garimpeiros e grileiros.

Na denúncia fica consolidada a preocupação de que a covid 19 está matando os anciãos, de que o mundo perdeu no mês de fevereiro o último ancião do povo Juma, Aruká. Este povo já contou com mais de 12 mil pessoas e hoje restam apenas as três filhas de Aruká. As mais de 2000 mortes diárias neste mês de março, as novas cepas surgidas do descontrole da pandemia, o colapso do sistema de saúde e funerário configurando um quadro mundialmente conhecido, por si só, revelam as mentiras dos representantes do governo brasileiro. Se este é o quadro do país como um todo, não é difícil imaginar como estão os povos indígenas em meio a este pesadelo interminável.

No relatório há denúncias contra as violências que estão sendo praticadas contra os territórios e povos em situação de isolamento. São invasores que levam violência, depredação e a pandemia. Os dados apontam que pelo menos 114 grupos indígenas isolados e recentemente contatados estão em risco. Os povos indígenas e as organizações pedem ao Conselho de Direitos Humanos da ONU que o governo brasileiro e seus agentes sejam devidamente responsabilizados e esta é uma condição essencial para deter o genocídio em curso no Brasil.

Em resposta ao relatório apresentado pela Apib e Cimi, o representante do governo, Nero Ferreira, preferiu ler uma declaração evasiva diante das denúncias apresentadas

Em resposta ao relatório apresentado pela Apib e Cimi, o representante do governo, Nero Ferreira, preferiu ler uma declaração evasiva diante das denúncias apresentadas. Trouxe informações desconectadas da realidade, relatando que o Brasil atende seus 211 milhões de brasileiros, inclusive os imigrantes, de forma igualitária. A fala é tão desconectada da realidade que ela mesma revela a realidade paralela a qual o governo brasileiro se encontra.
Afirmou que grande parte da população depende da economia informal e por isso foi aprovada uma medida emergencial para atender 68 milhões de pessoas. Disse ainda que no Brasil se adotam as mesmas medidas restritivas que as dos demais países do mundo. Sobre a questão indígena, observou que o governo brasileiro está atento aos impactos da pandemia e aos cuidados primários de saúde pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

Sem relatar que a vacinação ocorre apenas para o que consideram “indígenas aldeados”, negando a imunização em grupo prioritário aos indígenas em contexto urbano, se deteve ao valor de 25 milhões de dólares para estas finalidades – sem fazer referência à baixíssima execução orçamentária da atual gestão na política indigenista e ao fato de que o governo brasileiro só se mexeu, e ainda aos engasgos, porque a Apib pediu a interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) obrigando-o a atender a um plano mediado de ação.

Por fim, informou que o governo vem se esforçando para monitorar e restringir as atividades ilegais de madeireiros, garimpeiros nas terras indígenas. Enquanto isso, o ministro meio ambiente, Ricardo Salles, na fatídica reunião de ministros de um ano atrás, em plena pandemia, entendia que o momento era o de “passar a boiada” sobre a legislação ambiental. O governo também joga força no Congresso Nacional para liberar o garimpo em terras indígenas.

Em síntese, o discurso não responde à gravidade das denúncias e não traz informação que seja relevante ao enfrentamento da pandemia, ao combate das invasões e não aponta qualquer perspectiva de que se implementará uma política indigenista, a não ser justificar-se de que estão se esforçando para restringir as invasões de terras – enquanto tentam legalizar estas mesmas invasões com os aliados parlamentares do centrão.

É um preparo truculento e ilegal do ambiente político e administrativo voltados a um processo forçado de integração dos povos à sociedade majoritária

Não há interesse do governo em responder com preocupação às denúncias de extermínio e genocídio dos povos, porque esse parece ser o real interesse do governo brasileiro, já que, na prática cotidiana, impõe aos povos medidas que desconstituem direitos, privilegiam as ações que fomentam a desterritorialização dos povos, retirando deles o usufruto exclusivo das terras que ocupam, e não demarcando terras pendentes de identificação, delimitação e de regularização.

É um preparo truculento e ilegal do ambiente político e administrativo voltados a um processo forçado de integração dos povos à sociedade majoritária, desqualificando a legislação que determina o respeito às diferenças étnicas e culturais e propagando a desqualificação dos indígenas como sujeitos de direitos.

Algumas entidades religiosas como Vivat International, Franciscans International e Red Iglesias y Mineria pediram ao Conselho de Direitos Humanos da ONU que os responsáveis pela “política negacionista” do governo sejam identificados. Segundo as entidades, foi a falta de medidas de controle que levou a variante do vírus – surgida em Manaus, município colapsado pela ineficiência dos governos estadual e federal – ao Peru e Colômbia.

Sob o argumento de “salvar a economia”, não foram estabelecidas suficientes medidas de isolamento, nem a suspensão de serviços não essenciais. A posição negacionista do presidente da República chegou ao nível de desestimular o uso de máscaras e recomendar tratamentos químicos preventivos ineficazes e perigosos para a saúde.

As entidades apontam haver o descaso do governo brasileiro e solicitam a identificação das responsabilidades do Poder Público.

São mais de 30 organizações da sociedade civil do Brasil desmentindo, repetidamente, os porta-vozes do governo de Jair Bolsonaro. O Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos, que trouxe consigo estas dezenas de entidades preocupadas e estarrecidas, fez um relatório onde aponta que, no final de 2020, a situação dos direitos humanos no Brasil durante a pandemia era de graves e profundas violações.

Esta coalizão avaliou 200 recomendações ao governo para que se adotassem medidas para o enfrentamento da pandemia, das quais 142 se quer foram implementadas; das implementadas, 64 estão em regressão. Hoje a situação não melhorou em relação às vacinas e à assistência emergencial, já que o acesso é desigual relacionado ao gênero, à raça e comunidades tradicionais. Para não citar os casos de integrantes da elite furando a fila da vacina, como em Manaus que as filhas de um importante empresário da cidade foram empregadas por alguns meses ao governo para que recebessem a vacina e na sequência foram desligadas de suas funções.

O Brasil atingiu a marca de 272.889 mortes até esta sexta-feira (12), e a média de óbitos diários chega a quase 2 mil. Portanto, afirmam as entidades, isso está longe de ter uma pandemia sob controle e, diante disso, pedem gentilmente ao Conselho que procure informações mais precisas a partir dos relatórios da sociedade civil, por serem eles mais coerentes. Os do governo, está claro, atesta apenas a natureza de como Bolsonaro e seus comandados vêm lidando com esta grave crise sanitária.

As denúncias contra o governo brasileiro pelas práticas de violações aos direitos humanos de indígenas, quilombolas e outras populações urbanas e rurais devem desencadear movimentos internacionais e requerimentos exigindo explicações e implementações de medidas que promovam a defesa da vida. No Brasil, nos perguntamos: Bolsonaro sairá impune disso? Será tratado apenas como incompetente ou como genocida?

O governo de Jair Bolsonaro enfrenta contestações no mundo inteiro e submete o país a constrangimentos, evidenciando que o discurso oficial não é recebido com credibilidade. Ou seja, a desfaçatez, as mentiras, as práticas de abuso de poder, a criminalização dos que se opõem às medidas restritivas dos direitos fundamentais e sua postura, amplamente difundida, de que é contrário a demarcação de terras.

Promove a exploração indiscriminada dos recursos ambientais e minerais e, nestes tempos de pandemia, utiliza-se de uma postura negacionista, contra as medidas de promoção, proteção, prevenção e vacinação das pessoas. Bolsonaro transforma o Brasil numa espécie de pária da humanidade e hoje é uma das pessoas mais perigosas do mundo.

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