Nota do Cimi Sul em repúdio ao PLC 16/20
Ao apagar das luzes, Câmara de Vereadores de Porto Alegre negligencia direitos indígenas em nome da especulação imobiliária
No dia 17 de dezembro, ao apagar das luzes, ao final da atual legislatura, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre votou o PLC 16/2020, de autoria do vereador do PTB, professor Wambert, que aliás, não foi reeleito e já percorreu por diversos partidos políticos. O projeto, a rigor, muda o Plano Diretor da Capital e permitirá a construção de um empreendimento imobiliário luxuoso na Ponta do Arado, Bairro Belém Novo, em Porto Alegre.
A Ponta do Arado, conhecida como Fazenda Arado Velho, área rural de Porto Alegre, tem 426 hectares de banhados, matas e é rica em recursos ambientais, com fauna e flora abundantes e sítios arqueológicos. A área vem sendo objeto de preocupação e de proteção por parte de ambientalistas e, além disso, é terra de ocupação imemorial do Povo Mbya Guarani, que reivindica sua demarcação junto ao governo federal.
A comunidade Mbya Guarani passou a ocupar, de forma permanente, uma parcela da área no ano de 2018, quando realizou a retomada da Ponta do Arado. Desde que os Mbya estão na área sofrem violências, perseguições e foram atacados a tiros por ” seguranças” do empreendimento imobiliário Arado Velho. A demanda indígena está sob julgamento no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que determinou ao órgão indigenista federal, Funai, a realização de estudos para atender à reivindicação dos Mbya de que aquela área é de ocupação originária.
Acerca dos ataques a tiros e das demais práticas de violências contra os indígenas, a Polícia Federal abriu inquérito para apurar os fatos e responsabilizar os agressores e seus mandantes.
É importante salientar que o projeto aprovado pela Câmara de Vereadores deve ser questionado judicialmente, porque as alterações pretendidas no Plano Diretor afrontam a legislação municipal, a lei orgânica, que trata a área como rural e não urbana, como pretende a lei votada. Afronta ainda leis ambientais estaduais, federal e a Constituição Federal em seu artigo 231, acerca dos direitos indígenas, resguardados como originários, inalienáveis, indisponíveis e imprescindíveis, e, para além desses preceitos, diz que todos os títulos que incidem sobre terras indígenas são nulos e sobre as terras não devem ser permitidos empreendimentos econômicos.
Além do que, o PL 16/2020 afronta a Convenção 169 da OIT, Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, introduzida ao nosso ordenamento jurídico, a qual determina haver a necessidade de se consultar de forma livre, prévia e informada as comunidades e povos indígenas, quando qualquer tipo de ação ou empreendimento, público ou privado, afetá-las direta ou indiretamente. A comunidade Mbya Guarani em nenhum momento foi ouvida pela Câmara de Vereadores ou qualquer outro órgão.
É importante salientar que a audiência pública virtual, realizada pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre, no mês de novembro, não atende aos requisitos legais, nem dos indígenas e nem da sociedade envolvente afetada, já que a participação foi restrita por conta da sua fragilidade de divulgação, convocação e por não ter permitido a ampla manifestação das pessoas, dado que foi de forma virtual, com inscrições limitadas a dez pessoas e acesso só pela internet. Mas, mesmo naquele evento, as manifestações, de forma quase unânime, foram contra o empreendimento.
Diante desse conjunto de ilegalidades, espera-se que o PL 16/2020 não seja sancionado e se o for, que os órgãos de controle e fiscalização do direito, Ministérios Públicos Estadual e Federal, o questionem judicialmente, por existirem informações suficientes de que referido projeto é um atentado contra a vida humana e contra o meio ambiente.
Porto Alegre, 18 de dezembro de 2020.
Conselho Indigenista Missionário, Regional Sul