O impacto da pandemia nos povos indígenas do Rio Grande do Sul
Na maior parte do estado, as terras são insuficientes e parte da população vive em acampamentos ou em pequenos pedaços de terra, onde em geral não há água potável e as habitações são precárias
A realidade das comunidades indígenas no Rio Grande do Sul, nesses tempos de pandemia da Covid-19, é ainda mais dramática, uma vez que se soma a um contexto anterior de graves e profundas violências praticadas contra a vida desses povos – Kaingang e Guarani.
Esses povos são declarados inimigos de quem governa o país, existe uma determinação, por parte do governo federal, de não demarcar as terras indígenas, deixar de fiscalizar, não proteger e junto com isso incentivar práticas criminosas de invasão e exploração de todos os seus recursos. E, quando esses povos reagem, são atacados e agredidos fisicamente, acusando-os de criminosos.
Quem governa, aliado com fazendeiros, mineradoras e invasores das terras indígenas, ataca por todos os lados e tem como política central a negação dos direitos, seja a demarcação das terras, seja no atendimento à saúde ou em qualquer outro direito. As políticas públicas estão a cada dia mais restritivas.
Quando o vírus chegou ao Brasil e, em consequência também nos territórios e comunidades indígenas, não havia nenhum tipo de planejamento para assegurar a proteção e controle, a não ser o de se tentar o isolamento voluntário de todos. Assim fizeram, mas a precariedade das condições sanitárias e de saneamento básico denunciou a vulnerabilidade das comunidades para enfrentarem à pandemia, além da grave situação com relação às condições de subsistência.
Na maior parte do estado as terras são insuficientes e degradadas e uma parte da população vive em acampamentos as margens de rodovias ou pequenos pedaços de terra. Nelas, em geral, não há água potável e as habitações são precárias. Não há saneamento básico, coleta de lixo e as infraestruturas para atendimento de doentes estão absolutamente precárias. Faltam profissionais de saúde, equipamentos, medicamentos e transporte. Todo esse quadro, conforme relato das lideranças indígenas, tem causado revolta, perplexidade e indignação, pois sentem que um genocídio, a cada dia, se aproxima do interior das comunidades.
Uma das situações que mais preocupam as lideranças diz respeito à Terra Indígena Ligeiro, que já soma quase 200 casos, com 11 vidas perdidas
Ainda, com o passar dos dias, segundo os relatos, percebem que as iniciativas de enfrentamento a pandemia têm se mostrado insuficientes para salvar vidas e conter o avanço agressivo do vírus nos territórios. Destacam que em nosso estado – RS – os números do contágio são alarmantes, são mais de 760 casos, isso significa que cerca de 2% dos indígenas já contraíram o vírus, contra 0,98% do restante da população e que já foram perdidas 15 vidas. Uma das situações que mais preocupam as lideranças diz respeito à Terra Indígena Ligeiro, que já soma quase 200 casos, com 11 vidas perdidas. Isso é inaceitável e é urgente a tomada medidas no sentido de salvar vidas.
Diante desta realidade, na ótica das lideranças indígenas consultadas, alguns pontos são considerados de fundamental importância para enfrentar a pandemia, proteger vidas e qualificar o atendimento a saúde dos povos indígenas. Fortalecer o protagonismo dos povos indígenas no planejamento, implementação e execução da política de saúde; fortalecimento do controle social em âmbito local, distrital e nacional; implementação de programas que assegurem saneamento básico e água potável nas comunidades; ampliação dos quadros de profissionais de saúde nas equipes que atuam nos distritos e polos base; ampliação das infraestruturas físicas dos postos de saúde nas aldeias e aquisição de equipamentos médicos e melhoria das condições de transporte; investir, prioritariamente, na capacitação de equipes para atuação nas ações preventivas junto às comunidades; assegurar que os agentes indígenas de saúde tenham formação permanente, qualificada e sejam reconhecidos como profissionais de saúde; valorização e respeito às medicinas tradicionais e dos saberes indígenas, bem como dos líderes espirituais que tratam da saúde e das doenças nas comunidades.
Por fim, destacam e clamam pela transparência com relação a publicação dos dados em relação aos casos de Covid-19 e as vidas indígenas perdidas. Toda essa situação não pode ser invisibilizada, pois somente com transparência poderemos ter ações concretas e salvar vidas.
*Publicado originalmente no portal Sul 21