21/08/2020

Sem consulta prévia, terras indígenas Xavante se negam a receber Força Tarefa da Sesai com militares, prefeitos e cloroquina

A Força Tarefa visava ações contra a pandemia do novo coronavírus. Indígenas afirmam que ela deveria ter ocorrido há dois meses atrás, quando a covid-19 matava nas aldeias

Cacique Damião Paridzané, da TI Marãiwatséde, falou sobre a luta do povo Xavante na audiência pública da OAB. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Cacique Damião Paridzané, da TI Marãiwatséde, falou sobre a luta do povo Xavante na audiência pública da OAB. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

Em um vídeo publicado na internet pelos canais do Ministério da Saúde, no dia 24 de julho, o secretário da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Robson Santos da Silva, anunciava que dentro de três dias uma Força Tarefa iria percorrer as nove grandes regiões do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Xavante, no Mato Grosso, para realizar atendimentos médicos e testes para a covid-19.

Sem consultar previamente os Xavante e acompanhada por militares, a Força Tarefa foi barrada em ao menos duas Terras Indígenas (TIs), Marãiwatsédé e Sangradouro. Na TI São Marcos também houve resistência. Os indígenas se negaram a fazer uso terapêutico da hidroxicloroquina em pacientes com testes positivos para a covid-19. Os Xavante entendem que não há segurança quanto a utilização do medicamento.

Como incremento para a Força Tarefa, o secretário da Sesai, coronel da Reserva que nunca havia trabalhado com saúde indígena, incluiu na aglomeração de saúde, que contou ainda com a participação das Forças Armadas, os prefeitos de Alto da Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia, Serra Nova Dourada e São Félix do Araguaia. Os representantes são associados pelos indígenas ao discurso contrário à permanência deles nos territórios tradicionais e os militares ao passado não tão distante de expulsão territorial.

“Ninguém vai na casa de outra pessoa sem falar antes, fazer o combinado. Tem que consultar, ter ofício, saber o que realmente precisa na saúde. A doença, coronavírus, todos os municípios decretaram para ninguém entrar na aldeia. Então (Sesai) vem de surpresa, um monte de gente, com prefeito que não gosta da gente, não ajuda a gente, incentiva invasão? E um monte de soldado também. Assustou todo mundo”, explica o cacique Damião Paridzané, da TI Marãiwatsédé. Os indígenas denunciam que helicópteros militares sobrevoaram aldeias gerando pânico entre os moradores.

As visitas, de acordo com o anúncio de Robson, seriam realizadas por profissionais de saúde de diferentes especialidades, de clínico geral a ginecologista, além de infectologistas para tratar de forma particular a doença do novo coronavírus nas oito terras indígenas do povo Xavante e na TI Merure, do povo Bororo. A primeira incidência estava marcada para o dia 27 e a última encerraria o trabalho no decorrer do mês de agosto.

“Queremos e precisamos de ajuda na parte da saúde, mas com hospitais, estrutura, médicos, Casai (Casa de Apoio à Saúde Indígena) mais perto da gente. Não precisamos do governo aqui fazendo propaganda dele mesmo. Fazendo foto e gravando vídeo para dizer que faz algo que não é verdade”, afirma o cacique, que questiona ainda a efetividade da Força Tarefa

Em Marãiwatsédé, 25 indígenas testaram positivo para a covid-19. Destes, dois foram a óbito. Os dados são do boletim epidemiológico do DSEI Xavante publicado no dia 11 de agosto, às 18 horas. “Mas hoje tá controlado. Melhor manter isolado. Não com um monte de gente de fora vindo. Tava ruim em maio, mas não teve Força Tarefa e governo tava pouco se importando. O que aconteceu?”, pergunta o cacique.

Em todo o raio de atuação do DSEI, são 425 casos confirmados. Entre esses indígenas, 34 morreram em consequência da covid-19 e 122 estavam em quarentena na Casai ou em residências urbanas ou nas aldeias. Três seguiam sob cuidados hospitalares. Os Xavante dizem que não foram comunicados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e defendem que as visitas não dão conta da quantidade de indígenas e aldeias.

Apenas no DSEI Xavante são mais de 100 aldeias. “Nossa reivindicação é por estrutura de saúde, não Força Tarefa. Não dá pra atender tudo isso em uns dias. Então é só pra fazer propaganda, divulgar mentira. Precisamos de hospital, Casai em boa condição, profissionais de medicina, bons profissionais e um DSEI melhor, que atende o Xavante”, analisa padre Aquilino Paridzané.

Junto à equipe multidisciplinar, a Força Tarefa seria também liderada por militares das Forças Armadas enviados pelo Ministério da Defesa, parceiro da Sesai na empreitada. Na história dos Xavante, as Forças Armadas estão associadas a expulsões de seus territórios tradicionais, caso de Marãiwatsédé. Cacique Damião, por exemplo, lembra quando, em 1965, durante a ditadura militar, seu povo foi forçado a sair de Marãiwatsédé em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB).

“Essa é uma questão histórica, traumática. Depois da terra (Marãiwatsédé) ser devolvida aos Xavante (em 1992), foram mais 20 anos para a desintrusão (que terminou apenas em janeiro de 2013). O fato da Força Tarefa mobilizar militares e prefeitos que são contra a ocupação Xavante de sua terra tradicional trazem de volta todo esse processo doloroso ao povo”, analisa o padre salesiano Eloir Inácio de Oliveira, missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Mato Grosso com atuação junto aos Xavante.

Foto Ricardo Stuckert

Indígenas fazem vigília no STF em defesa de seus direitos. Crédito da foto: Ricardo Stuckert

Força Tarefa durante julgamento no STF

O secretário fez o anúncio da Força Tarefa enquanto, no Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros analisavam se manteriam as medidas de proteção a indígenas em meio à pandemia do novo coronavírus determinadas em julho pelo ministro Luís Roberto Barroso, o que se confirmou dias depois. Para o ministro Gilmar Mendes, o comando militar do Ministério da Saúde associava o Exército a um genocídio. Criticado por outros militares do governo após a fala, Mendes a reafirmou e citou os povos indígenas como exemplo.

“Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios. Se for essa a intenção é preciso se fazer alguma coisa. Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”, criticou.

A ação judicial foi apresentada à Corte Suprema pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e partidos políticos no mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro vetou trechos da lei de proteção aos povos indígenas contra a covid-19, aprovada pelo Congresso. A pandemia matou, até o dia 20 de agosto, 690 indígenas, conforme levantamento da Apib.

“(Secretário da Sesai) Esperou um momento mais adequado para a publicidade do governo. Por que não veio antes, quando precisava mesmo?”, questiona Aquilino Xavante

Casai sucateada

Enquanto há meses os Xavante demandam recursos para o aperfeiçoamento das estruturas de saúde indígena, como forma efetiva de resistir à pandemia, o secretário da Sesai declarou, ao anunciar a Força Tarefa: “os recursos existem, mas precisam ser gastos de forma adequada, de forma correta. Senão não funciona”.

O militar que comanda a Sesai atestou a incompetência de sua gestão. Conforme os Xavante, na Casai localizada em Campinápolis não há água potável. Os indígenas que lá permanecem em quarentena precisam ir até um posto de gasolina para pegar água em um bebedouro destinado aos motoristas de caminhão.

“A água que sai da torneira é suja. Os acompanhantes saem da Casai e vão aos postos de combustíveis, e ali enchem as garrafas. Fazem o trajeto a pé. Na Casai de Campinápolis há ainda um outro problema: o cheiro de mofo é muito forte. O local necessita de muitas reformas em suas estruturas. A situação é tão grave que alguns Xavante forçaram a entrada na Casai para retirar parentes de lá. Estão sendo processados”, explica o missionário do Cimi.

Crianças Xavante. Foto: Rafael Salazar/Rede Brasil Atual

Situação do contágio comunitário entre os Xavante se estabilizou e indígenas temem que entrada de dezenas de pessoas nas aldeias, integrantes da Força Tarefa, possam os expor novamente. Crédito da foto: Rafael Salazar/Rede Brasil Atual

Sesai se reuniu com lideranças da TI Sangradouro

Outra reivindicação dos Xavante é relativa à distância entre as aldeias e estas estruturas de apoio à saúde indígena. Este foi um dos temas tratados pelos indígenas diretamente com a Sesai. Caciques e lideranças da TI Sangradouro não permitiram a entrada da Força Tarefa, que teria início no dia 10 e seguiria até o dia 16, passando também pela TI Merure, do povo Bororo. Mas os Xavante exigiram uma reunião com o secretário da Sesai, Robson Santos da Silva.

No dia 11 ocorreu o encontro, que durou quase seis horas. Os anciãos Xavante se pintaram, como faziam antigamente em confrontos específicos, fato que demonstra o quanto estavam preparados para uma invasão. “Os mais velhos só se pintam para a guerra, para enfrentar um inimigo muito poderoso. Venceram e a Força Tarefa precisou recuar”, destaca o missionário do Cimi, Eloir Inácio de Oliveira.

O secretário da Sesai estava acompanhado da coordenadora do DSEI Xavante, Luciene Cândida Gomes, e do presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), Clarêncio U’repariwe Tsuwaté, Lino Tsere’ura, chefe da Casai de Campinápolis. Liderando os Xavante estava o cacique Alexandre Tsereptsé, além de caciques de outras aldeias e os anciãos. Os Xavante foram duros com o secretário da Sesai, afirmando que ele fingia gostar dos índios, mas que na verdade ele e o governo Bolsonaro não gostam.

“O que você entende de saúde dos índios? Foi isso que perguntamos”, afirma Divino

“Chegaram o Exército, sabe, discutimos e falamos com eles. Expulsamos. Voltaram. Aí o Robson soube e mandou recado dizendo que ia estar no dia seguinte. Falamos muito, muitas negociações. Falamos duro com eles. Muito tarde a vinda deles. A pandemia começou em fevereiro. Era para ter feito esse trabalho em março. Aqui na aldeia perdemos oito. Perdemos grande liderança, o Domingos. Não é hora mais”, explica o cineasta Divino Tserewahu Tsereptsé.

O indígena diz ainda que os Xavante pediram a saída de Luciene da coordenação do DSEI Xavante. Houve momentos de tensão, com os indígenas expressando em gestos toda a indignação com a demora da Sesai, a falta de consulta prévia e os problemas que se acumulam na saúde indígena e não são resolvidos. “O que você entende de saúde dos índios? Foi isso que perguntamos”, afirma Divino. “Pedimos, reforçamos, pressionamos. Robson assinou um documento prometendo que ia tirar a coordenadora do DSEI. Uma longa reunião. Saíram muitas conversas. Falamos que se ele não tirar a coordenadora nós vamos lá ocupar o DSEI em Barra do Garça”, diz.

Inicialmente o secretário da Sesai afirmou que no lugar da atual coordenadora colocaria um militar. Os Xavante não concordaram argumentando que ele deveria ouvir o Condisi, que é o controle social da saúde indígena na região do DSEI. Os Xavante, por fim, conseguiram o compromisso de Robson para construir uma Casai em Primavera do Leste, cidade mais próxima a Sangradouro, a cerca de 50 km. A Casai que os atende hoje fica em Barra do Garça, a 230 km da terra indígena. “Fica mais longe, já houve casos em que doentes morreram no caminho”, explica Divino.

Jair Bolsonaro segura uma caixa de cloroquina do lado de fora do Palácio da Alvorada. Crédito da foto: Adriano Machado/Reuters

Cloroquina nas aldeias 

O Xavante Tiago Tseredupre Aihi’re, aldeia Baixão do Leste, TI Parabubure, é guarda municipal da Prefeitura de Campinápolis. O indígena faz suas rondas na Praça Central, em contato com o público, e no dia 7 de agosto decidiu ir ao hospital porque apresentava os sintomas da covid-19. Se sentia muito mal, com dificuldades para respirar e teve a doença do novo coronavírus confirmada por um teste.

A médica Katiana Moura Borges o acompanhou e receitou cloroquina ao Xavante, além de encaminhá-lo à Casai de Campinápolis. O indígena se negou a aceitar a receita e a médica se viu obrigada a receitar outra medicação. Da mesma forma, Tiago Tseredupre não quis ir para a Casai, alegando que o local é insalubre e nada apropriado para a recuperação. Preferiu fazer a quarentena em sua própria residência fora da aldeia, em Campinápolis.

O medicamento, não recomendado pela Organização Municipal da Saúde (OMS) para o tratamento da covid-19 e proibido em vários países pelo alto risco para a saúde, teve 4,8 milhões de comprimidos distribuídos em todo país. Os Estados Unidos enviou uma remessa de milhões de comprimidos ao Brasil, pouco antes de proibir o uso da medicação para casos de covid, mesmo depois do presidente Donald Trump a propagandear como solução milagrosa, assim como Jair Bolsonaro o fez, emulando o charlatanismo de seu ídolo do norte.

“Não queremos esse remédio aqui. Não serve. A gente se informa e sabe que não tem segurança para tomar”, afirma cacique Damião

Com cloroquina e ações atrasadas, com pouco efeito concreto, o governo federal parece ter traçado seu planejamento de atuação, em meio à pandemia, nas aldeias. Conforme o De Olho nos Ruralistas revelou em primeira mão, o Ministério da Saúde distribuiu 100.500 comprimidos de cloroquina para indígenas. A informação consta de um powerpoint divulgado no dia 24 de julho pelo ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, durante entrevista coletiva.

“Não queremos esse remédio aqui. Não serve. A gente se informa e sabe que não tem segurança para tomar. Então precisava combinar ação para a gente dizer que não queria isso aqui. Governo não pode entrar nas terras do povo sem combinar, com militares e prefeito que não gosta da gente, mandando tomar remédio que é ruim”, afirma o cacique Damião Paridzané.

Criminalização de lideranças

A chateação e revolta do cacique Damião não está restrita à postura da Sesai e do Ministério da Defesa, que chegaram às terras Xavante sem consulta prévia. Depois que o cacique informou que as aldeias de Marãiwatsédé não aceitariam a presença do governo e militares “sem respeitar o povo e as lideranças”, o Ministério Público Federal (MPF) em Barra do Garça fez as lideranças assinarem um documento em que assumiam o que o procurador considerou como irresponsabilidades e que seriam culpadas pelas mortes na Terra Indígena caso não permitissem a entrada da Força Tarefa.

“Me chamam de irresponsável, me tratam como criminoso. Foi molecagem. Não aceito. Tô muito chateado e contrariado. Quem morreu aqui morreu Minha luta toda aqui, de mais de 20 anos por Marãiwatsédé, eu nunca agi mal com ninguém. Não sou irresponsável. Eu defendo o meu povo. Há muito tempo estamos avisando dos problemas na saúde. Governo quer ajudar? Coloca bom profissional pra nos atender, constrói hospital, Casai que seja bom pra ficar nela. Isso ajuda a combater essa doença. Não aceito isso. Não aceito mentira de Força Tarefa, que não ajuda desse jeito que tá”, critica cacique Damião.

O indígena é uma das principais lideranças históricas dos Xavante e do país. Respeitado internacionalmente, se tornou uma voz em defesa das demarcações de terras, direitos indígenas e proteção ambiental. O assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário, o advogado Rafael Modesto, esclarece que o MPF atendeu inicialmente os Xavante de Marãiwatsédé, mas parece não ter entendido o que motivou a posição dos indígenas de não aceitar a entrada da Força Tarefa.

“Os Xavante procuraram o MPF para que se ingressasse com uma ação para garantir os direitos de saúde, equipamentos de proteção individual, cuidados sanitários com a pandemia. O procurador entrou com uma ação e a Justiça Federal deferiu em medida cautelar. O pedido dos Xavante ocorreu em um momento crítico para as aldeias. Agora a transmissão comunitária está controlada. Além desse atraso da Força Tarefa, os Xavante reclamam não terem sido consultados”, argumenta Modesto.

O assessor jurídico explica que o pedido dos Xavante não permitia uma Força Tarefa nas aldeias sem consulta prévia, com helicópteros militares fazendo sobrevoos, uso de cloroquina em pacientes com testes positivos. “O procurador não gostou e os chamou de irresponsáveis. E que os caciques não eram legítimos para definir pelo não cumprimento da medida cautelar. Pediu no documento que a comunidade assinasse, digitalizasse e enviasse para os sistema de peticionamento de protocolo eletrônico do MPF”, explica.

Modesto entende que a autodeterminação dos Xavante é respaldada no cacicado, sendo eles as lideranças definidas pelo consenso comunitário para organizar as aldeias. “O problema é que o procurador colocou em questão a liderança dos caciques, desrespeitou a autonomia dos Xavante. Isso foi recebido pelos Xavante como algo bem ofensivo a eles, mas na inicial o procurador atendeu o pedido dos indígenas”, conclui.

Xavante acompanham julgamento. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Xavante acompanham julgamento. Crédito da foto: Tiago Miotto/Cimi

Autodeterminação e responsabilidade

O missionário do Cimi, Eloir Inácio de Oliveira, que atua junto aos Xavantes há algumas décadas, defende que a “as lideranças indígenas foram responsáveis porque eles conhecem o estado de saúde das suas aldeias. Eles têm o direito de receber quem eles querem, saber quais remédios vão usar. Não houve consulta prévia. Deveriam ter mandado algo por escrito, para as coordenações da Funai, explicando a Força Tarefa. O anuncio foi por um vídeo, geralzão”. O missionário entende que o MPF segue sendo aliado dos povos indígenas, destacando a ação inicial, mas ressalta que o desfecho não condiz com o que de fato aconteceu e toda a conjuntura que envolve a decisão dos Xavante.

“Fica muito evidente a desconfiança do povo Xavante com os poderes que governam o Brasil atualmente. Não confiam pelas palavras, pelas ameaças, pelo preconceito com os indígenas”, diz o missionário do Cimi

“Fica muito evidente a desconfiança do povo Xavante com os poderes que governam o Brasil atualmente. Não confiam pelas palavras, pelas ameaças, pelo preconceito com os indígenas. Quando Bolsonaro disse que os indígenas agora já eram gente, os Xavante se indignaram. Ficaram muito bravos”, diz. O missionário destaca que outro ponto de contrariedade entre os Xavante é de que a questão da água potável está resolvida. “Não está, longe disso. Os córregos não são mais como antigamente. A expansão agropecuária os poluiu. Digo isso porque temos um projeto dos salesianos de poços artesianos e nós, que não somos Estado, não damos conta”. Ele entende que os Xavante estão dispostos a receber ajuda de saúde, reforçando as estruturas já existentes.

“Verba, pessoal, equipamentos, especialistas, as Casais, profissionais competentes nos DSEIs. O que os Xavante não aceitam são as ações paliativas, sem continuidade depois. Os Xavante têm conscientização sobre os seus direitos, sobre a conjuntura nacional atual. Conhecem os protocolos, como a Convenção 169, os artigos 231 e 232 da Constituição Federal. Os Xavante deram um exemplo de autonomia e autodeterminação. São eles que decidem o que devem receber e o modo como recebem. Vão aceitar a ajuda da saúde a partir do grupo de trabalho do STF”, encerra.

ABA se pronuncia

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), ao tomar conhecimento de “significativas tensões geradas entre indígenas xavante, oriundas de procedimentos de combate à covid-19, por parte do governo”, se pronunciou em nota, no dia 17 de agosto, questionando a decisão do procurador, que provocado pela Funai intimou formalmente lideranças Xavante a assinar um documento pelo qual deveriam assumir possíveis mortes nas aldeias. Ressaltou ainda que “a falta de esclarecimento prévio e informado da ação junto às comunidades, gerou, segundo lideranças xavante, situações de constrangimento, confusão e amedrontamento diante da presença ostensiva e repentina de muitos militares, inclusive, com sobrevoos de helicópteros pelas aldeias”.

Para a ABA, o apoio excepcional das Forças Armadas à assistência à Saúde indígena pode ser considerado bem-vindo desde que sejam observados alguns pressupostos. O principal deles é “que as comunidades indígenas atendidas sejam esclarecidas de maneira prévia, livre e informada (conforme orienta a Convenção 169 da OIT) sobre os objetivos das missões nas terras indígenas”.  Além disso, que as equipes de apoio militares vinculadas à missão em hipótese alguma permaneçam nas terras indígenas.

Outras observações feitas pela ABA envolvem o respeito a todas as medidas de segurança sanitárias implicadas neste tipo de ação (testagem da equipe, uso de EPIS),  que as ações de intervenção médica prioritariamente tenham como foco a sintomática e as complicações derivadas da covid-19 e de potenciais comorbidades que agravam tais quadros infecto-contagiosos. A Associação ressalta que em “hipótese alguma sejam desrespeitadas as garantias constitucionais destes povos referente aos seus usos do território, costumes e tradições conforme assegurado no Artigo 231 da CF de 1988”.

Por fim, a ABA entende que a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, em Brasília, deve “recolher informações mais detalhadas e consistentes sobre as atividades realizadas pelas missões de assistência à saúde nas áreas indígenas, permitindo assim o monitoramento e a transparência das referidas ações, como também, a averiguação das denúncias que foram apontadas por lideranças indígenas”.

Fonte: Por Assessoria de Comunicação - Cimi
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