Práticas tradicionais e ações solidárias amenizam as consequências e o avanço da covid-19 entre indígenas no Mato Grosso
Ações do Cimi Regional Mato Grosso no enfrentamento à pandemia chegaram a pelo menos dezesseis povos no estado, tanto nas aldeias quanto em contexto urbano
Com suas equipes afastadas, de forma presencial, dos territórios indígenas desde março, seguindo as orientações dos órgãos de saúde internacionais, a atuação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Mato Grosso durante a pandemia tem ido além dos trabalhos e práticas realizadas juntos aos povos indígenas no estado em outros momentos.
À medida que a pandemia avança para os territórios, o Cimi Mato Grosso intensificou sua atuação, viabilizando cestas básicas, máscaras, itens de profilaxia, produtos de higiene e limpeza para os povos em aldeias e grupos em contexto urbano. “Estes, principalmente, pelo fato de os órgãos públicos não estarem atendendo adequadamente. Pois há atendimento, mas é insuficiente”, lembra Gilberto Vieira dos Santos, coordenador do regional.
“À medida que a pandemia avança para os territórios, o Cimi Mato Grosso intensificou sua atuação”
Lideranças indígenas em todo país têm denunciando a omissão do Estado frente ao avanço da covid-19 nos territórios. As populações indígenas em contexto urbano historicamente têm sido marcadas pelo abandono. Durante a pandemia, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) não tem dado assistência a essas populações e nem contabilizado os casos e os óbitos por covid-19 entre indígenas que vivem nas cidades. A Sesai defende que o atendimento a essa parcela da população indígena seja feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), desrespeitando o atendimento diferenciado que é um direito dos povos indígenas, independentemente de sua localização.
Com o apoio de organizações parceiras, pessoas físicas e agências de cooperação, o Regional Mato Grosso do Cimi tem mobilizado e viabilizado formas para que as cestas básicas e demais doações cheguem até as aldeias, seguindo os protocolos dos órgãos de saúde e os estabelecidos pelas próprias comunidades. Um bom exemplo é a entrega das cestas fornecidas pela Conab, realizada por membros do Cimi aos indígenas Bororo, na Terra Indígena (TI) Tereza Cristina. Insuficientes, neste caso, as cestas da Conab foram complementadas com doações da Diocese de Rondonópolis e da Missão Salesiana, ambas em Mato Grosso.
“Lideranças indígenas em todo país têm denunciando a omissão do Estado frente ao avanço da covid-19 nos territórios”
Na capital Cuiabá, cerca de cem cestas básicas foram entregues ao povo venezuelano Warao, a um grupo de imigrantes haitianos e na casa dos estudantes indígenas. Neste caso, o Cimi mediou a entrega de cestas disponibilizadas pelo Centro de Tecnologia Alternativa (CTA) e pelo Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), além daquelas adquiridas pelo próprio Cimi, explica Gilberto, ao destacar a importância das articulações.
Da TI Tapirapé Karajá, aldeia Itxalá, Maidoré Karajá conta que, devido ao isolamento, foi necessário solicitar as cestas básicas, pois muitos indígenas trabalham fora do território para complementar a renda, que foi comprometida com a chegada do vírus. “Tenho certeza que se precisar de mais alguma coisa, vocês vão ajuda meu povo. Em nome da comunidade e dos caciques, muito obrigado ao Cimi, obrigado mesmo de coração, por ter trazidos as cestas básicas para cá”, reforça a liderança Karajá.
“Tenho certeza que se precisar de mais alguma coisa, vocês vão ajuda meu povo. Em nome da comunidade e dos caciques, muito obrigado ao Cimi”
De março a julho, as ações mobilizadas pelo Cimi Mato Grosso chegaram a pelos menos dezesseis povos indígenas e imigrantes haitianos. Foram entregues aproximadamente 400 cestas de alimentos, adquiridas pelo Cimi e articuladas por parcerias. O regional também atuou no fortalecimento das barreiras sanitárias e com medidas de conscientização e informação sobre o novo coronavírus. Kits com álcool gel, álcool 70, máscaras e equipamento de proteção individual (EPIs) também foram enviadas às aldeias. Em articulação com o Instituto Federal em Confresa (MT), foram entregues mais de 1000 litros de álcool 70, produzido pelo Instituto Federal.
Numa parceria entre o Cimi e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), duas bombas de pulverização, 50 litros de hipoclorito de sódio e itens de profilaxia também foram enviados aos os indígenas do povo Apyãwa (Tapirapé), fruto da corrente de solidariedade.
Gilberto, coordenador do regional explica que também ouve a contribuição de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
“O regional também atuou no fortalecimento das barreiras sanitárias e com medidas de conscientização e informação sobre o novo coronavírus”
Os roçados e as práticas tradicionais
Com o isolamento, o modo de vida nos territórios foi modificado: as comunidades se voltaram ainda mais para o interior das aldeias e fortaleceram as práticas tradicionais. Se, por um lado, as cestas básicas e kits de higiene asseguram a vida e a saúde na aldeia, por outro, os roçados tradicionais, a coleta de frutos e a pesca artesanal garantem a diversidade de alimentos e o sustento dos indígenas.
Ferramentas e combustível para a preparação da roça tradicional, abertura de novas aldeias e limpeza dos castanhais foram enviados para pelo menos setes povos indígenas. O roçado é uma prática tradicional dos povos e, neste momento, contribui para amenizar as consequências da pandemia e fortalecer a alimentação saudável nos territórios.
“As 2.500 homeopatias chegaram aos povos de dez regiões do estado, de forma segura e evitando aglomerações”
Outra prática que o Cimi Mato Grosso mobilizou, em parceria com a Associação Brasileira de Homeopatia Popular (ABHP), foi a produção e o envio de homeopatias para o fortalecimento da imunidade para pelo menos 27 povos indígenas. As 2.500 homeopatias chegaram aos povos de dez regiões do estado, de forma segura e evitando aglomerações. As entregas foram feitas por meio da articulação realizada junto às equipes técnicas de saúde que atuam nestes povos.
Gilberto explica que “a Associação Brasileira de Homeopatia Popular também vem oferecendo assessoria para estas equipes e para missionários do Cimi sobre a utilização das homeopatias e outras Práticas Integrativas de Saúde”. O trabalho da ABHP é totalmente voluntário, e a contribuição do Cimi tem sido na aquisição dos materiais e transporte para que as homeopatias cheguem até as aldeias.
“O Cimi tem realizado uma série de ações, mobilizando organizações parceiras, agências de cooperação e pessoas físicas na busca por amenizar as consequências da pandemia nos territórios”
Doações: o exercício da solidariedade
Em todo país, o Cimi tem realizado uma série de ações, mobilizando organizações parceiras, agências de cooperação e pessoas físicas na busca por amenizar as consequências da pandemia nos territórios. Prestes a completar 50 anos, todo trabalho realizado busca dar visibilidade à diversidade de expressões, realidades e lutas vivenciadas pelos povos, assim como denunciar a violência de que são vítimas e as constantes violações a seus direitos.
“Com esse problema do coronavírus, nós ficamos isolados nas aldeias, não temos saída. Prejudicou nossa sobrevivência”
Neste momento de pandemia, em que o Estado negligencia e tapa os ouvidos para as reivindicações indígenas, todas as contribuições são bem-vindas. Maidoré Karajá relata que “com esse problema do coronavírus, nós ficamos isolados nas aldeias, não temos saída. Prejudicou nossa sobrevivência, por isso faço esse pedido de ajuda”.
Com o objetivo de estimular doações e ações que deem condições aos indígenas de permanecer no isolamento social, o Cimi mantém em seu site uma campanha de arrecadação de recursos. Os valores são revertidos em cestas básicas, kits de saúde e higiene e também destinados à manutenção das barreiras sanitárias e do trabalho de formação e informação nos territórios. Se desejar apoiar o trabalho da entidade e sua presença junto aos povos indígenas, saiba como abaixo: