Incêndio na TI Jaraguá: povo Guarani denuncia negligência do Poder Público
O fogo queimou a mata preservada, animais e parte do cemitério, espaço sagrado dos Guarani. Com tubulação e mangueiras queimadas, o abastecimento de água foi interrompido
Um incêndio atingiu parte da Terra Indígena Jaraguá, na zona oeste de São Paulo, no dia 21 de junho. Sem a devida assistência do Estado, coube aos xondaros e xondarias (guerreiros e guerreiras do povo Guarani) o trabalho para conter as chamas que queimaram parte do cemitério Guarani na aldeia Tekoha Itakupe, uma das seis que existem na TI Jaraguá. Nessa aldeia, além de atingir parte do cemitério, o fogo queimou a vegetação nos arredores da nascente, de onde a comunidade canaliza água para as casas da aldeia. Com a tubulação e mangueiras queimadas, o abastecimento foi interrompido.
As lideranças afirmam que por volta das 11 horas iniciaram o combate dos focos de incêndio no território. Conhecendo a mata, os xondaros e xondarias chegaram ao local do incêndio, utilizando galhos de árvores para abafar as chamas. No período da tarde, quatro guardas florestais se somaram aos Guarani no combate às chamas. Contudo, ficaram pouco tempo na mata e foram embora.
Identificando a gravidade da situação, a comunidade realizou diversas ligações para o corpo de bombeiros. Solicitaram também apoio aos apoiadores, por meio das redes sociais, fazendo um apelo para que denunciassem a ocorrência e a demora do Poder Público. Algumas lideranças solicitaram a parlamentares e autoridades que entrassem em contato com o Corpo de Bombeiros e Secretaria Estadual de Segurança, com o intuito de solicitar um helicóptero que pudesse ajudar no combate aos focos de incêndio. Essa era a única alternativa para conter o fogo, devido ao difícil acesso às áreas que estavam incendiadas na floresta densa.
“Os bombeiros informaram que não conseguiriam acessar os pontos onde estavam os focos do incêndio”
Os bombeiros informaram que não conseguiriam acessar os pontos onde estavam os focos do incêndio. Argumentaram que os soldados não possuíam preparo técnico para o combate a incêndios florestais. Mesmo sabendo que os Guarani já haviam acessado a mata e apagado as chamas em alguns pontos, insistiram em dizer que não poderiam colaborar por terra, e alternativa seria utilizar o helicóptero.
Vale destacar que nas ligações ao Corpo de Bombeiros já havia sido relatado a dificuldade de acesso por terra. “Falamos que era necessário a utilização de um helicóptero, pois os focos estavam em áreas de morro e mata fechada, contudo, os atendentes informaram que essa solicitação só poderia ser atendida após as viaturas de averiguação identificarem a necessidade”, destaca liderança do Jaraguá.
Após diversas articulações com parceiros, apoiadores e alguns parlamentares, já no final da tarde um helicóptero da Secretaria de Segurança Pública fui disponibilizado. A aeronave realizou apenas três lançamentos de água em alguns focos próximos às aldeias. Depois deram prioridade a outros focos que se aproximavam de propriedades residenciais nos arredores da Terra Indígena.
Por volta das 20 horas, uma viatura do Corpo de Bombeiros chegou na aldeia Tekoha Itakupe. Conversaram com algumas lideranças. Após uma discussão com os Guarani, os bombeiros decidiram destacar alguns homens para auxiliar os xondaros e xondarias que permaneciam na mata, combatendo as chamas.
Durante a conversa, o representante do Corpo de Bombeiros se comprometeu a trazer equipamento de proteção individual (EPI’s), e material adequado para apagar o incêndio. A promessa não foi cumprida. Apenas quatro soldados vieram para auxiliar os guardiões da floresta. Minutos depois avançar mata adentro, os bombeiros resolveram recuar, afirmando que não estavam com material adequado para o deslocamento na área. Os Guarani seguiram lutando para apagar as chamas com galhos de árvores. O fogo se alastrou novamente, chegando bem próximo à aldeia. Somente por volta da meia-noite conseguiram controlar o fogo e retornar ao centro da aldeia.
“O fogo chegou no nosso cemitério, espaço sagrado”
No dia seguinte, parte da mata ainda estava em chamas, mas o incêndio foi controlado pelos esforços dos Guarani. Os xondaros e xondarias identificaram a morte de muitos animais como tatu, cobras, aves, esquilos, quatis e muito outros. Todos carbonizados. “O fogo chegou no nosso cemitério, espaço sagrado. Nós nos machucamos, pois quando o vento mudava o fogo vinha rápido para cima de nós, muito seco, não tem água na região”, afirmou Tiago Karaí Jekupé.
Por meio das redes sociais, algumas lideranças denunciam a omissão por parte do Poder Público, em especial o Governo do Estado de São Paulo, Fundação Florestal, Secretaria Estadual do Meio Ambiente e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que não deram a devida assistência à comunidade e não possuem políticas públicas preventivas em relação a esse tipo de situação, mesmo os incêndios sendo recorrentes na Terra Indígena Jaraguá. “Todos os anos acontecem incêndios nesse período, pois é o período mais seco”, relatam as Guarani.
O Parque Estadual do Jaraguá está sobreposto à Terra Indígena, e tem sua gestão sob responsabilidade da Fundação Florestal, ligada à Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
Para a comunidade Guarani é escandaloso não haver uma brigada especializada para o combate incêndios como esse. Apenas quatro homens da Fundação Florestal foram até o local e permaneceram pouco tempo tentando combater as chamas. Nem o Corpo de Bombeiros nem a Fundação Florestal disponibilizaram EPI’s ou materiais adequados para que os Guarani pudessem combater os focos de incêndio. Por sua vez, a Funai não deslocou ninguém até o local para verificar a situação da comunidade, tão pouco a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
A Comunidade do Jaraguá cobra do Ministério Público Federal (MPF) que investigue o caso e as responsabilidades do poder público sobre o ocorrido. Também afirmam: “há urgência para que os órgãos responsáveis construam uma política pública efetiva de prevenção e combate aos incêndios”.
O fogo foi controlado pelos esforços dos xondaros e xondarias que, como verdadeiros guardiões e guardiãs da floresta, que não hesitaram em arriscar a própria vida para defender o seu Yvyrupa (território), e toda biodiversidade presente em uma das poucas áreas que ainda resta da Mata Atlântica.