Povo Guajajara denuncia a presença cada vez maior de madeireiros na TI Urucu Juruá
“Parece que não tem interesse de fiscalizar, estão entrando nas terras indígenas e vários parentes Guajajara têm sido assassinados por isso”, afirma Guajajara
Por volta de 35 madeireiros estão desde terça-feira, 5, em incursões na Terra Indígena Urucu Juruá, do povo Tenetehar/Guajajara, entre os municípios de Grajaú e Itaipava do Grajaú (MA). Conforme a denúncia dos indígenas ao Ministério Público Federal (MPF), os invasores estão abrindo estradas no interior da Terra Indígena homologada em 1991 com 13 mil hectares. Os madeireiros chegaram a deixar troncos de jericó perto da aldeia Pau Ferrado enquanto ajustavam a estrada para “puxar” a madeira (assista abaixo as filmagens feitas pelos Guajajara).
Segundo os relatos das lideranças, a extração ocorre próxima às aldeias Pau Ferrado, Juruá, Macaco, Suamauma e Tupan – na porção do município de Itaipava do Grajaú. O mais grave: lideranças indígenas contrárias ao processo de exploração do território estão sendo ameaçadas pelos madeireiros.
“Eu peço pelo amor de Deus que a Justiça reaja logo aqui. Tem muitos madeireiros, muitas pessoas que a gente não conhece. Acredito que logo alguns indígenas vão contrair essa doença (covid-19)”, destaca Guajajara que preservamos a identidade por motivos de segurança. Além da retirada de madeira e possíveis conflitos, os Guajajara temem que os invasores levem a covid-19 para a comunidade.
O Gujajara explica que os indígenas encontraram, na terça à noite, dois caminhões carregados com toras de árvores derrubadas. Outros quatro caminhões foram avistados pelos entrando no território tradicional. A MA-329 é a rodovia mais próxima à Terra Indígena, sendo usada como rota madeireira. “Eles rasgam estradas para dentro da reserva e por essas vias fazem o transporte de maquinários pela mata fechada”, diz.
A retirada ilegal de madeira da Terra Indígena Urucu Juruá acontece desde setembro de 2019 e de acordo com estimativas dos Guajajara cerca de 70% da mata na Terra Indígena já foi destruída. Lideranças que tentam impedir a depredação e o esbulho territorial sofrem ameaças dos madeireiros. Para as aldeias Guajajara desta terra, a situação não é nenhuma novidade, mas não acontecia como agora.
“A Urucu Juruá era bastante preservada, não era alvo, mas agora encontra-se totalmente invadida. É importante que as autoridades possam cumprir com sua responsabilidade para proteger o território. Se nada for feito, a Terra Indígena ficará sem sua proteção natural, a floresta. E é nela que os indígenas encontram alimento, a espiritualidade e o futuro pras novas gerações”, explica o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, Gilderlan Rodrigues da Silva.
A retirada da madeira é semanal, intensa. Os invasores agem impunemente apesar de todas as denúncias. Os Guajajara já informaram a Fundação Nacional do Índio (Funai), mas até o momento nada foi feito para proibir a exploração ilegal de madeira. Para o orçamento deste ano, 7,1 milhões foram destinados à fiscalização e monitoramento territorial das terras indígenas. Até o dia 5 de maio, apenas 450 mil reais (6,3%) deste total foram liquidados pela Funai.
“Parece que não tem interesse de fiscalizar, estão entrando nas terras indígenas e vários parentes Guajajara têm sido assassinados por isso”, afirma
Os indígenas informam que tem não indígenas da capital São Luís, distante pouco mais de 600 km da Terra Indígena, comprando a madeira retirada das matas de Urucu Juruá. Os Guajajara informam ainda que há não indígenas ligados aos madeireiros vigiando no povoado Criolizinho a movimentação dos indígena e das autoridades públicas que possam coibir a prática criminosa.
“O povo Guajajara é o povo que mais tem sido alvo de viol6encia no estado. Seja o racismo, discriminação ou seja para tirar a vida dos indígenas, em especial as lideranças que têm feito enfrentamento às invasões. São terras cobiçadas pela madeira, caça. Então eles estão tentando a todo custo preservar esses territórios para que as novas gerações possam viver neles”, o missionário do Cimi
Durante a pandemia, o missionário percebe que há um aumento nas invasões. O que gera duas preocupações para os Guajajara e a entidade indigenista. “A primeira é o esbulho territorial e a segunda é o fluxo de não indígenas no interior da Terra Indígena podendo levar a covid-19 para os indígenas. Sabemos que não há saúde adequada para atender a população como um todo, menos ainda os povos indígenas. Então eles estão lá protegidos e de repente se deparam com invasores perto das aldeias”, diz.
Histórico de invasão e violência contra os Guajajara
No último dia 31 de março, Zezico Rodrigues Guajajara foi assassinado na Terra Indígena Arariboia, município de Arame. O indígena era professor e diretor do Centro de Educação Escolar Indígena Azuru, na aldeia Zutiwa. Tinha forte atuação em defesa do território tradicional do povo Guajajara e por isso tinha sido eleito coordenador regional da Comissão de Caciques e Lideranças da Terra Indígena Arariboia (Cocalitia).
Zezico denunciava a invasão de madeireiros e gerava descontentamento, vivendo sob ameaça de morte. Realidade que há pelo menos 20 anos oprime o povo Guajajara. O número de homicídios registrados contra indígenas do povo Guajajara desde o ano 2000 chega a 49 – sendo 48 deles no Maranhão e um no Pará, conforme dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Apenas nos dois últimos meses de 2019, quatro indígenas Guajajara foram assassinados.
Entre eles, Paulo Paulino Guajajara, que era integrante do grupo de Guardiões da Floresta, formado pelos próprios indígenas para monitorar e defender seus territórios tradicionais frente à presença de invasores. O grupo tem sido uma forma encontrada por também outros povos indígenas do Maranhão para coibir invasões e fiscalizar os perímetros das terras indígenas sem nenhum apoio do governo federal. A ausência de políticas públicas de enfrentamento ao quadro tem gerado críticas.
“A estratégia do governo Bolsonaro tem sido pautada pelo desmonte da política indigenista, que se evidencia na não demarcação de terras indígenas e no abandono, pela Funai, de ações judiciais que discutem a permanência dos povos em terras sob litígio”, diz trecho de nota pública assinada pelo Cimi, Instituto Socioambiental (ISA), Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e Greenpeace.
“Devastação ambiental sem dó”
“A Terra Indígena Urucu Juruá está sofrendo uma devastação ambiental sem dó. Tratores e caminhões rasgam a Terra indígena em um verdadeiro massacre. O som das máquinas serrando as árvores, dos tratores a manusear os troncos e depois colocando nos caminhões é constante. A denúncia do povo Guajajara é um pedido de socorro para eles e para a terra devastada”.
De tal forma define a situação a assessora jurídica do Cimi Regional Maranhão, Lucimar Carvalho. Ela diz que a entidade, cujo corpo jurídico representa os Guajajara da Urucu Juruá, encaminhou denúncia ao MPF, além também de envio de ofício para a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão e à Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular do Maranhão.
Lucimar explica que Governo do Estado do Maranhão, após o assassinato de Paulo Paulino Guajajara na Terra Indígena Arariboia, criou, em novembro de 2019, a Força Tarefa VIDA (Decreto nº 35.336/19), que busca realizar ações de apoio contra a violência e ameaças aos povos indígenas. “Tem atuação fora, mas também dentro das terras indígenas a partir de solicitação dos órgãos federais responsáveis”, diz.
No entanto, até o momento, a assessora jurídica do Cimi afirma que não houve retorno de nenhum órgão ou instituição responsável. “São violações aos princípios e normas constitucionais e internacionais, que deixam à mercê essa população. Diante do que se observa em outras terras indígenas, tal situação acaba por ser um verdadeiro incentivo à prática constante de crimes de variada natureza contra o povo Guajajara”, destaca.