06/03/2020

Comissão de direitos humanos visita retomadas Guarani Kaiowá e audiência pública trata do acesso à alimentação

Audiência pública trata do tema Em Defesa do Direito Humano à Alimentação Adequada das Comunidades Indígenas do MS

Comissão durante visita aos acampamentos e retomadas Guarani Kaiowá. A missão é produzir um relatório minucioso sobre as violência sofridas pelo povo. Crédito da foto: Mariana Rocha/Canal Pensando na Fronteira

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

Para dar continuidade ao trabalho de monitoramento de direitos humanos entre as comunidades Guarani Kaiowá localizadas em aldeias, acampamentos e retomadas, uma comissão composta por 18 organizações sociais, além da Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério Público Federal (MPF), esteve na tarde desta quinta-feira, 5, no tekoha – lugar onde se é – Guyraroka, em Caarapó (MS), e nas retomadas Yvu Vera e Nhu Vera, uma das quatro localizadas no entorno da Reserva Indígena de Dourados.

O mesmo grupo visitou, no dia 8 de janeiro, o tekoha Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante, onde uma Casa de Reza havia sido incendiada de forma criminosa, na virada do ano, e as retomadas limítrofes à Reserva, que entre os dias 2 e 3 de janeiro sofreram intensos ataques se seguranças privados e do Departamento de Operação de Fronteiras (DOF) tendo como resultado sete indígenas feridos, dois com mais gravidade, sendo que um deles perdeu a visão do olho esquerdo, além de um pré-adolescente que teve três dedos de uma das mãos decepados ao manipular uma granada de efeito moral deixada para trás pela polícia.

“Estamos dando prosseguimento ao trabalho de monitoramento que os defensores de direitos humanos iniciaram em janeiro. A missão nesta quinta foi mais específica para a produção de um minucioso relatório sobre a violência sofrida pelos Guarani Kaiowá. Fomos em duas localidades com episódios graves e recentes”, explica o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Anderson Souza Santos.

Conforme indígenas da retomada Nhu Vera ouvidos pela reportagem, e que terão seus nomes preservados por razões de segurança, a presença dos grupos de direitos humanos e entidades de apoio aos Guarani Kaiowá é a única esperança que resta às comunidades. “Um covardia muito grande, crueldade mesmo. Eles vêm e nos atacam, nos machucam, matam, fazem o que querem e não são punidos. Tratam como se fôssemos cachorros, usam até caveirão. Governo não faz nada e ainda tira as nossas cestas básicas”, desabafa um dos entrevistados.

No tekoha Guyraroka, as organizações pretendem dar ênfase à pulverização de agrotóxico nas fazendas que acontecem a cerca de cinco metros das casas e escola indígena. O senador Fabiano Comparato (Rede/ES) acompanhou a agenda, que também passou por Yvu Vera, retomada antiga, onde os Guarani Kaiowá estão estabelecidos e plantam de forma variada e farta.

“Foi bom para vermos a grande capacidade que os Guarani Kaiowá têm para viver com autodeterminação, plantando a própria comida, quando estão em suas terras tradicionais e em relativa paz”, analisa Souza Santos. Na sequência a missão de direitos humanos seguiu para a retomada Nhu Vera, em Dourados. Quando lá chegaram, as notícias não eram nada boas.

Pedaço da prótese de Geraldo Vera, quebrada após agressões sofridas, enquanto era sequestrado da retomada Nhu Vera. Crédito da foto: Mariana Rocha/Canal Pensando na Fronteira

Geraldo Vera, de 55 anos, havia sido detido na carceragem da Polícia Federal acusado de ser o autor do disparo que feriu o segurança privado Wagner André Carvalho no último dia 3 de janeiro. Conforme os Guarani Kaiowá relataram, Geraldo Vera foi sequestrado da retomada por cinco homens (parte deles vestidos com a farda da segurança privada), às 11 horas de quarta-feira, 4, espancado e levado para um contêiner que serve de base para os seguranças privados. A Força Nacional foi até o local, deteve Geraldo e o levou para a sede da Polícia Federal.

Na tarde desta quinta, 5, a prisão preventiva de Geraldo Vera foi decretada em audiência de custódia. “Os indígenas estão revoltados com isso porque eles vêm sendo atacados há cerca de dois anos. Há quem perdeu a visão, são muitos feridos graves. Mas ninguém que os atacou foi punido ou alguma investigação foi realizada. Negam também que Geraldo Vera tenha feito o disparo e a DPU questiona a plausibilidade do flagrante”, explica o assessor jurídico do Cimi.

Motivo suficiente para a violência policial, a ação de seguranças privados e o abuso de autoridade serem tomados como pontos a serem abordados pela comissão de direitos humanos no relatório. “A importância da missão é seguir expondo a situação gravíssima a que estão submetidos os Guarani Kaiowá. As comunidades do entorno da Reserva estão sob um risco muito grande. A vulnerabilidade é altamente temerária. As autoridades públicas não possuem interesse em impedir que isso aconteça então o trabalho expõe e denuncia o que se passa por ali”, entende Souza Santos.

Lideranças indígenas retratam ao senador Fabiana Comparato o que passam. Crédito da foto: Mariana Rocha/Canal Pensando na Fronteira

Ação da Cidadania distribui 13 toneladas de alimentos

Em recomendação endereçada à Fundação Nacional do Índio (Funai) no dia 27 de janeiro, o MPF, por meio da Procuradoria da República de Dourados, no Mato Grosso do Sul, afirmou que o órgão indigenista, ao se negar a entregar cestas básicas em áreas indígenas ainda não demarcadas, “estaria se beneficiando da própria torpeza” uma vez que a não identificação e delimitação das terras indígenas é ocasionada pelo atraso da própria autarquia.

O pronunciamento enfático se deu em resposta a um despacho do dia 16 de janeiro, que partiu do gabinete do Procurador-Chefe da Funai, Álvaro Osório do Valle Simeão, onde ele se dirige à Coordenação Regional (CR) Litoral Sul do órgão indigenista, em Santa Catarina, e recomenda que “tribos” invasoras de “propriedades privadas” não devem receber cestas básicas.

Imediatamente o depósito da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) passou a deixar de enviar cestas básicas aos acampamentos e retomadas Guarani Kaiowá. Procuradores estiveram no depósito e constataram que estes alimentos perecíveis estavam próximos de atingir a data de validade, ou seja, iam apodrecer no local enquanto famílias passavam fome.

O caso gerou comoção e revolta por todo o país. Na última semana, a Ação da Cidadania reuniu 13 toneladas de alimentos e em parceria com organizações sociais, entidades indígenas e indigenistas realizou a distribuição nas retomadas e acampamentos Guarani Kaiowá. A felicidade e alívio dos indígenas foi tamanho que as crianças abraçaram os alimentos às gargalhadas. As entregas foram registradas em vídeo (acima) feito pelo coletivo de mídia independente Pensando a Fronteira e a Agência Ponte.

“Me pergunto que tipo de governo karai (branco) aceita ter. Um governo que leva fome, miséria, violência? Como podem aceitar um líder tão malvado assim? Será que os karai acha que um governo que faz isso pode ser bom pra eles? Karai matou o seu próprio deus e por isso aceita governo assim. Vai terminar muito mal”, analisa uma liderança do Nhu Vera ouvido pela reportagem.

A situação motivou a realização, na tarde desta sexta-feira, 6, de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul com o tema Em Defesa do Direito Humano à Alimentação Adequada das Comunidades Indígenas do MS. Antes do início da audiência, indígenas Guarani kaiowá e Terena realizaram uma marcha até a Assembleia Legislativa percorrendo algumas avenidas de Campo Grande. A intenção foi a de dar visibilidade à grave situação de violação de direitos vivenciada pelos povos indígenas.

Fonte: Por Assessoria de Comunicação - Cimi
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