Cimi Regional Leste manifesta solidariedade ao povo Xakriabá após morte de indígena vítima de negligência na saúde
Marcelina Xakriabá, de 27 anos, acabou morrendo em circunstâncias ainda não esclarecidas depois de uma série de negligências no atendimento feito a ela em Manga (MG)
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Leste presta a solidariedade à família de Marcelina Gomes de Oliveira Xakriabá, encontrada morta no dia 1º de março após sair de sua aldeia para buscar atendimento de saúde, e manifesta sua indignação com a crueldade, o preconceito, a discriminação e a negligência com que vêm sendo tratada a atenção à saúde do povo indígena Xakriabá.
Marcelina tinha 27 anos e morava com seu companheiro na aldeia Imbaúba, na Terra Indígena (TI) Xakriabá, no norte de Minas Gerais. A indígena acabou morrendo, em circunstâncias ainda não esclarecidas, depois de uma série de negligências no atendimento feito a ela na Fundação Hospitalar de Amparo ao Homem do Campo. Localizado em Manga (MG), o hospital é um centro de referência para a região e para o povo Xakriabá, tendo inclusive um convênio com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para a realização do atendimento específico aos indígenas.
Marcelina Xakriabá chegou ao hospital no dia 24 de fevereiro apenas para acompanhar seu irmão numa internação. Seus incômodos iniciaram já no dia seguinte, quando manifestou necessidade de ir embora e pediu que a equipe do hospital fizesse contato com sua aldeia, mas não teve a demanda atendida.
A pedido da família, ainda naquele dia um motorista da Sesai foi ao hospital e pediu informações sobre o irmão de Marcelina. Segundo seu relato, não só a presença do paciente foi negada, como ele também não foi informado sobre o pedido da indígena.
Na madrugada do dia 26, a equipe hospitalar diagnosticou que Marcelina estaria passando por um “surto psicótico”. Sob orientação do médico, os medicamentos Haldol, Fernegam e Diazepam foram aplicados na indígena. Pouco tempo depois, segundo relato da equipe, a indígena fugiu e pulou o muro do hospital.
A Polícia Militar e a Guarda Municipal foram acionadas em seguida, mas alegaram que não poderiam procurar por Marcelina porque não possuíam uma foto da indígena. Nenhum funcionário do hospital prontificou-se a acompanhar as buscas, mesmo tratando-se de uma indígena passando por um colapso e sob efeito de forte medicação ansiolítica, antipsicótica e sedativa.
A aldeia onde vivia Marcelina é uma das que mantém relação mais reservada e intensa com sua cultura e sua espiritualidade. Com frequência, indígenas que saem dessa aldeia não conseguem permanecer por muito tempo nas zonas urbanas, devido ao forte vínculo que mantêm com o seu espaço sagrado.
É possível que o “surto” com que Marcelina foi diagnosticada tenha relação direta com a necessidade – manifestada à equipe hospitalar – de retornar ao seu território e possa ser a expressão de um desequilíbrio de ordem espiritual, visto que, segundo seus familiares, a indígena não apresentava problemas psicológicos.
Na tarde do dia 26, o povo Xakriabá organizou um grupo de cerca 60 pessoas para procurar por Marcelina. A aflição crescia a cada dia de busca, feita nas matas localizadas nas redondezas da cidade e a partir de informações de pessoas que afirmaram ter visto a indígena. Sem sucesso na busca, o povo Xakriabá acionou o Corpo de Bombeiros no dia 29 de fevereiro e passou a contribuir com o esforço de procura.
Após quatro dias de buscas, na manhã do dia 1º de março, foi encontrado um corpo já em estado de decomposição na mata, parcialmente consumido por animais. A família, a partir da identificação das vestes, confirmou que era o corpo de Marcelina. Segundo os policiais, o estágio da decomposição indicava que ela devia estar falecida há cerca de dois dias. Depois da perícia, ainda não concluída, o corpo chegou à aldeia na madrugada do dia seguinte e, com a tristeza do povo em função da impossibilidade de velar o corpo, foi sepultado imediatamente.
O Cimi Regional Leste repudia o descaso e o preconceito no atendimento de saúde ao povo Xakriabá, em especial às mulheres, que sofrem cotidianamente com a discriminação nos hospitais municipais da região.
Nada justifica a negligência e a falta de humanidade com que foi tratada Marcelina. Em nenhum momento, a especificidade da cultura e dos costumes do povo Xakriabá foram levados em consideração.
A situação de calamidade da saúde indígena, fruto da precariedade do atendimento básico, do desrespeito às particularidades de cada povo indígena, da desvalorização da medicina tradicional, da falta de acesso a medicamentos e ao transporte para a realização de tratamentos é agravada pela utilização político-partidária das instâncias responsáveis pela gestão da saúde indígena. Denunciamos a situação de negligência geral com a saúde indígena aos órgãos competentes, que atingiu proporções trágicas no caso de Marcelina.
Cimi Regional Leste – equipe Norte de Minas Gerais
Itacarambi, 10 de Março de 2020