08/01/2020

O povo Mura escreve a própria história em cartilha produzida a partir da escola indígena

Cansados do descaso das autoridades, os Mura decidiram romper o cerco da pressão e expor as ameaças a que estão submetidos nos últimos tempos

Marchando sobre Autazes, indígenas Mura dizem Não à Mineração. Crédito da foto: J.Rosha/Cimi Norte I

Por J. Rosha, Assessoria de Comunicação do Cimi Regional Norte I

“Em quase todos os escritos consultados, deparamo-nos com uma história marcada por registros tendenciosos e contraditórios. Somente os estudos mais recentes, realizados por pesquisadores e, aliados deste povo, nos oferecem uma visão mais crítica e esclarecedora sobre a população indígena conhecida como Mura”

Conhecendo o povo Mura – capítulo da Cartilha

O povo Mura está cercado. De um lado, empresa de mineração, fazendeiros e criadores de búfalos: os principais agentes do desmatamento, que cresce de forma alarmante na região; do outro lado, políticos afinadíssimos com a ideia de exploração a qualquer custo e igrejas neopentecostais afastando as lideranças da luta pela defesa do território.

Desde o fim da cabanagem – movimento popular que aconteceu entre 1835 e 1845 – o povo Mura vem sendo confinado a pequenas porções de terra cercadas de fazendas por todos os lados como fruto da política do Estado Brasileiro. A pressão é tanta que em alguns casos, como na terra indígena Patauá, em Autazes (AM), onde os Mura deixaram a terra porque não conseguem acessá-la, são forçados a ter que abandonar pelo mesmo motivo depois que a retomam: impedimento do direito de ir e vir.

Além da pressão ostensiva, as aldeias estão desassistidas pelo Poder Público. Falta água potável em grande parte delas. Os búfalos se encarregam de destruir os mananciais e poluir rios, lagos e igarapés de onde os indígenas sempre tiraram água e a alimentação. “Os búfalos destroem nossas roças e as fezes deles nos impedem de tomar uma única gota de água”, lamenta o professor Everton Marques. Assim tem sido a situação nas aldeias São Félix, Trincheira, Taquara e outras dos municípios de Autazes e Careiro da Várzea.

Búfalos representam ameaça aos Mura. Crédito da foto: J. Rosha/Cimi Norte I

Na saúde e na educação, a ausência dos serviços que deveriam ser prestados pelo Poder Público tem forçado os indígenas a adotar atitudes mais contundentes. Em abril, posicionando-se contra a municipalização da saúde proposta pelo governo Bolsonaro, eles ocuparam a sede do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Manaus. Em outubro, fecharam a rodovia AM-254 (Manaus-Autazes) para exigir o fim da discriminação e a continuidade do transporte gratuito dos indígenas na balsa que faz a travessia para a sede municipal de Autazes. O porto que serve a indígenas e não indígenas está dentro do território dos Mura. O momento foi tenso. Os indígenas sofreram intimidação por parte da polícia civil, que chegou a efetuar quatro disparos na tentativa de dispersar os indígenas.

Professor Mariomar Mura exibe a cartilha. Crédito da foto: J.Rosha/Cimi Norte I

Rompendo o cerco

Cansados do descaso por parte das autoridades, os Mura decidiram romper o cerco da pressão e expor as ameaças a que estão submetidos nos últimos tempos. Durante a ocupação do DSEI, em abril do ano passado, propuseram a realização de uma campanha para denunciar a falta de ação governamental e a violação de direitos; as invasões aos territórios, ameaças de morte, poluição das águas e o temor de que a exploração de Silvinita pode levar a crimes ambientais como os causados por mineradoras em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais.

Uma das atividades da Campanha foi a produção de uma cartilha, feita por professores, alunos e lideranças das aldeias Trincheira, Josefa e Sissaíma com um breve resgate da História do povo Mura e os objetivos da Campanha. “Nosso povo sempre foi guerreiro, sempre defendeu seu território e sua cultura. Alguns parentes já se esqueceram disso. Mas nós precisamos lembrar para dar continuidade às gerações futuras”, diz Mariomar Moreira de Souza, professor da aldeia Trincheira. Ele coordenou a elaboração do subsídio.

Indígena exibe balas disparadas por policiais civis. Crédito da foto: Tuxaua Fábio

Na Cartilha, professores e alunos buscam também explicar a necessidade de lutar pela demarcação das terras, defender os direitos e preservar a Amazônia. “A demarcação das terras indígenas por si só é uma garantia da preservação da Amazônia. Já existe pesquisa mostrando isso”, explica Mariomar.

Envolver a comunidade na produção de alguns materiais usados na escola já é uma prática de muito tempo para os indígenas da aldeia Trincheira. Há cerca de sete anos eles também elaboraram um livro com a geografia da região destacando o entorno da aldeia. Rio, lagos, igarapés, áreas de várzea e a localização das comunidades foram pontuadas na publicação. “Para nós é uma forma de exercitar o conhecimento e de resistência cultural”, defende o professor Mariomar.

Fonte: Por Assessoria de Comunicação - Cimi
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