O Sínodo da Amazônia: sua origem e os temas a serem debatidos
O verbo grego synodéo significa “fazer um caminho com alguém”. O que é o Sínodo para a Amazônia? Entenda a origem e o que está sendo discutido em Roma.
De 06 a 27 de outubro acontecerá em Roma, Itália, a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica. Convocado pelo Papa Francisco em outubro de 2017, o Sínodo da Amazônia buscará refletir e encontrar caminhos para as realidades eclesiais e sociais na Pan-Amazônia. “A Amazônia vem com essas reflexões para o centro: tanto na questão pastoral quanto da ecologia”, afirma o teólogo Paulo Suess à XXIII Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ao descrever a proposta do Sínodo.
O que é o Sínodo?
Sínodo é uma assembleia convocada pelo papa que solicita aos bispos da Igreja Católica um coenvolvimento nas questões que interessam a Igreja Católica. O termo é composto pelo prefixo “syn” (junto com/junto de/junto a) e pelo substantivo “hodós” (caminho). O verbo grego synodéo significa “fazer um caminho com alguém”. A sinodalidade é um método onde a Igreja escuta o povo. “Sínodo é caminhar junto”, define Dom Roque, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
O papa Francisco anunciou no dia 15 de outubro de 2017 o Sínodo dos Bispos para refletir sobre o tema “Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”, voltando os olhos para a Pan Amazônia. A convocatória do pontífice intensificou através do processo sinodal a escuta e o diálogo com os povos da Amazônia, os primeiros interlocutores do Sínodo. Assim, no mês de outubro, tendo frente o sucessor de Pedro, o papa, um colegiado de 114 bispos, 55 auditores leigos que trabalham na região ou com temáticas a ser debatida no Sínodo, 40 mulheres representante de comunidades na região e o grupo da secretaria d, se reunirão para lançar um olhar para a Pan-Amazônia.
Eventos paralelos ao Sínodo acontecerão em Roma. Cerca de 50 lideranças indígenas estarão na Itália para trazer as suas experiências de vida, de fé e de luta através do “Amazônia: Casa Comum”, iniciativa que será realizada principalmente na Igreja Santa Maria na Via della Conciliazione, que dá acesso ao Vaticano. O programa já está disponível no site: www.amazonia-casa-comun.org ou na página especial do Cimi para o Sínodo cimi.org.br/sinododaamazonia
Como o Sínodo foi construído?
O Sínodo é compreendido como um processo articulado em três fases: a fase preparatória, em que se realiza a consulta dos interlocutores que vivem nas realidades envolvidas; a fase celebrativa, caracterizada pela reunião dos bispos em assembleia, que ocorre em Roma de 06 a 27 de outubro; e a fase de atuação, em que as conclusões do Sínodo aprovadas pelo Bispo de Roma, o Papa, são acolhidas pelas Igrejas em suas localidades.
A metodologia do Sínodo parte da realidade, como indica a Gaudium Et Spes (GS 1-10), documento do Concílio Vaticano II sobre a Igreja no Mundo Atual. Cerca de 87 mil pessoas indígenas, quilombolas, ribeirinhas, pescadoras e demais comunidades amazônicas foram consultadas para a Igreja saber quais caminhos seguir. Por meio de Assembleias Locais ocorridas na fase preparatória, o processo sinodal trabalhou para ouvir os clamores, as lutas e resistências dos Povos da Amazônia. Refletidas de 06 a 25 de outubro em Roma, a realidade amazônica resultará em uma Exortação Apostólica Pós-Sinodal.
Por que um Sínodo para a Amazônia?
“O clamor da terra e o clamor dos pobres constituem um único clamor e a Igreja deve escutá-lo e clamar com eles [4]”
A atenção com o planeta Terra tem ecoado no Magistério dos últimos papas. O papa Paulo VI na Carta Apostólica Octogesima Adveniens, papa São João Paulo II na Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990, papa Emérito Bento XVI na Carta Encíclica Caritas in Veritate. O cuidado com a Casa Comum, a partir dos últimos pontífices, faz parte integrante da Doutrina Social da Igreja.
Ainda, no ano de 1990, em Assis, Itália, a reunião dos bispos publicou o manifesto Grito da Igreja em Defesa da Vida na Amazônia. Naquele mesmo ano ocorre outra reunião em Belém, Iguracy, onde o episcopado publicou um documento em defesa da vida da Amazônia.
O Sínodo da Amazônia está inserido no papado de Francisco e na história da Igreja, somando-se a um conjunto de ações do pontífice que olham para Casa Comum. O nome escolhido pelo cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio já evocava o caminho do Santo de Assis, padroeiro da ecologia, a ser corroborado pelo papa que substituiria papa Bento XVI. Pelos Franciscos e todos os mártires, o Sínodo sustenta-se na missão Evangélica da Igreja e se propõe a buscar “novos caminhos para uma Igreja profética na Amazônia” (IL 147), com o desejo de “aproximação à realidade e à expectativa regional de uma «cultura do encontro» (EG 220)”.
Em maio de 2015, papa Francisco tornou pública a “Carta Encíclica Laudato Si – cuidado da casa comum”, fazendo ecoar ainda mais forte a opção franciscana e o clamor por uma ecologia integral que exige “uma conversão pessoal, social e ecológica (cf. LS 210 em IL 9)”. Na Laudato Si o Papa Francisco sustenta a necessidade de uma mudança paradigmática para ser alternativa a crise de sobrevivência enfrentada pelo mundo. “Não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (LS 49).
Em 2018, em Puerto Maldonado, Peru, durante encontro com indígenas da América Latina, papa Francisco escutou questões de importância crucial que afetam a vida dos povos nativos. “Provavelmente, nunca os povos originários amazônicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora”, lamentou Francisco.
“A Amazônia é uma terra disputada em várias frentes: por um lado, a nova ideologia extrativa e a forte pressão de grandes interesses económicos cuja avidez se centra no petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agroindustriais; por outro, a ameaça contra os vossos territórios vem da perversão de certas políticas que promovem a ‘conservação’ da natureza sem ter em conta o ser humano, nomeadamente vós irmãos amazônicos que a habitais”, completou.
A Igreja em Saída proposta por Francisco de Roma se faz missão e coloca em evidência os desafios da Amazônia e a presença da Igreja nesses territórios. “O Sínodo ajudará a que todos – indígenas, moradores dos rios, descendentes de africanos, mestiços, migrantes andinos e habitantes das cidades – assumam a sua identidade amazônica e a encontrar uma estrutura eclesial e estatutos apropriados para os seus específicos requisitos pastorais”
Com o Sínodo, a Amazônia oferece à Igreja e ao Mundo a reflexão sobre a natureza, os rios, um outro modelo necessário e possível de vida pelo “Bem Viver” dos povos na busca pela “Terra sem Males”. A Amazônia, pelo seu povo, oferece respostas a um momento de crise ecológica e humanitária. São “reflexões da periferia ao centro do mundo como alternativa à extinção”, como salienta o teólogo Paulo Suess.
Quais os temas e os debates que SERão ABORDADOS no Sínodo?
A Pan-Amazônia, com o Sínodo, deve indicar caminhos para pensar transições que permitam a humanidade repensar sua relação com a Mãe Terra, entre si e com o futuro. “A Amazônia, uma região com rica biodiversidade, é multiétnica, pluricultural e plurirreligiosa, um espelho de toda a humanidade que, em defesa da vida, exige mudanças estruturais e pessoais de todos os seres humanos, dos Estados e da Igreja” (IL Preâmbulo).
Através do processo de consultas aos povos e comunidades realizadas em 2018 e 2019, elencou-se luzes e sombras presentes na região Amazônica. Os temas foram sintetizados e refletido no Instrumentum Laboris (IL) do Sínodo e estarão em pauta no evento que reunirá bispos, indígenas e especialistas das temáticas. Fruto de uma larga consulta, o “instrumento de trabalho” tem como função mostrar os diversos aspectos do problema que se quer tratar, suas nuances, o modo como isso afeta a vida da Igreja e da sociedade envolvente.
Na sua introdução, o documento preparatório adverte e questiona sobre a missão da Igreja hoje e sua atuação para a “construção de um mundo capaz de romper com as estruturas que sacrificam a vida e com as mentalidades de colonização para construir redes de solidariedade e interculturalidade”. Em sua visita a Puerto Maldonado, o Papa Francisco pediu que se transforme o paradigma histórico em que os Estados veem a Amazônia como despensa de recursos naturais “sem ter em conta os seus habitantes” (LP 5 e Fr.PM) e sem se preocupar com a destruição da natureza.
O documento preparatório do Sínodo antecipa o debate sobre os interesses econômicos que exploram a Amazônia sob um paradigma desenvolvimentista “asfixiante, sem mãe, com sua obsessão pelo consumo e seus ídolos de dinheiro e poder” (IL 5). O IL cita no texto a exploração de petróleo, o gás, a madeira, o ouro e a construção de obras de infraestrutura, como megaprojetos hidrelétricos, rodoviárias interoceânicas e monoculturas agroindustriais (cf. Fr.PM).
“A situação do direito ao território dos povos indígenas na Pan-Amazônia gira em torno de um problema constante, que é a falta de regularização de terras e do reconhecimento de sua propriedade ancestral e coletiva”
Povos Indígenas
Os indígenas deram os caminhos para o Sínodo da Amazônia, aponta o presidente do Cimi, Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO). Leia o texto de análise do Sínodo.
A Pan-Amazônia é formada por nove países e há uma estimativa de três milhões de indígenas vivendo nela, aproximando-se de 400 povos. Levantamentos do Cimi apontam ainda um aproximado de 130 povos livres, indígenas em isolamento voluntário. “Cada um desses povos representa uma identidade cultural particular, uma riqueza histórica específica e um modo próprio de ver o mundo, e de relacionar-se com este, a partir de sua cosmovisão e territorialidade específica” (IL 3).
“Lamentavelmente, ainda hoje existem restos do projeto colonizador que criou manifestações de inferiorização e demonização das culturas indígenas”
O Instrumentum Laboris do Sínodo chama atenção para a necessidade de respeitar a diversidade existente na Pan Amazônia. “Os povos tradicionais, ‘têm muito para nos ensinar’ (EG 198)”, lembra o texto divulgado em preparação a reunião em Roma. “Alguns “não indígenas” têm dificuldade de compreender a alteridade indígena e, muitas vezes, não respeitam a diferença do outro” (IL 3). A ponderação dialoga com a afirmação do Papa Francisco em Puerto Maldonado em 2018, durante encontro com indígenas da América Latina: “A sua visão do mundo, a sua sabedoria, têm muito para ensinar a nós que não pertencemos à sua cultura. Todos os esforços que fizermos para melhorar a vida dos povos amazônicos serão sempre poucos» (Fr.PM)”.
“Nós sabemos que, para os indígenas, isso é fundamental. Também as reservas geograficamente delimitadas são importantíssimas para a preservação da Amazônia”, declarou em coletiva de imprensa no Vaticano.
Território e Diversidade Sociocultural
O Instrumentum Laboris (IL) do Sínodo sublinhou a falta de demarcação dos territórios indígenas e a falta de reconhecimento do seu direito à terra como um elemento central para o debate da vida na Pan Amazônia. Em entrevista nesta semana em preparação ao Sínodo, o cardeal Dom Cláudio Hummes afirmou que a demarcação de terras indígenas é algo fundamental para a conservação da floresta amazônica. Hummes é relator-geral do Sínodo, principal responsável pela redação dos documentos da assembleia.
“Proteger os povos indígenas e seus territórios é uma exigência ética fundamental e um compromisso básico dos direitos humanos. Para a Igreja, esse compromisso é um imperativo moral coerente com o enfoque da ‘ecologia integral’ de Laudato si’ (cf. LS, cap. IV)” (IL 5).
As “ameaçada pelos grandes interesses econômicos que se alastram sobre diferentes regiões do território” são lembradas no texto como propulsores de uma economia de morte, que promove a “intensificação do desmatamento indiscriminado na selva, a contaminação dos rios” (IL 2). O instrumento de reflexão pré-Sínodo antecipa o debate também acerca do deslocamento forçado sofrido por indígenas e comunidades tradicionais que vivem na região, “empurrados até as periferias dos grandes centros urbanos que avançam selva adentro”, fazendo crescer em “toda a Amazônia uma atitude de xenofobia e de criminalização dos migrantes e deslocados” (IL 2).
“Em sua maioria são povos indígenas, ribeirinhos e afrodescendentes expulsos pela mineração ilegal e legal ou pela indústria de extração petroleira; são encurralados pela expansão da exploração da madeira e representam os mais flagelados pelos conflitos agrários e socioambientais”
O território é o lugar onde “se é”, espaço das raízes históricas, dos antepassados e seus espíritos, onde se cultiva o Bem Viver. “Espiritualidades e crenças os motivam [os indígenas] a viver uma comunhão com a terra, a água, as árvores, os animais, com o dia e a noite”. Papa Francisco usa o termo “Casa Comum”. Indígenas e comunidade tradicionais fazem uso do termo “Território” e “Bem Viver”. Juntos, descrevem a responsabilidade com o planeta a partir de outra lógica que não corresponde a “globalização da indiferença” intensificada pelo livre mercado, resultante numa “falsa, vaga e ingénua inclusão social” ( cf. EG 54). “A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura duma economia sem rosto e sem um objectivo verdadeiramente humano (EG 55).
Ser Igreja na Amazônia
O Concílio Vaticano II ocorrido de 1962 a 1965 trouxe aos cristãos uma boa nova de atualização, aggiornamento. A missão da Igreja recebeu os adjetivos adaptação e diálogo (cf. GS 4, 11; CD 11; UR 4; SC 37ss) e encarnação e solidariedade (cf. GS 32) como passo a ser dado para a proximidade contextual do ser cristão. Essas palavras foram traduzidas como opção pelos pobres e libertação (Medellín 1968), participação e comunidades de base (Puebla 1979), inserção e inculturação (Santo Domingo 1992), missão e serviço de uma Igreja samaritana e advogada dos pobres (Aparecida 2007).
Hoje, numa “Igreja em saída” (cf. EG 46), a presença missionária na Amazônia arma sua tenda com um “conteúdo inevitavelmente social” (EG 177), reconhecendo a íntima relação existente entre evangelização e promoção humana (cf. EG 178). “Em sua história missionária, a Amazônia tem sido lugar de testemunho concreto de estar na cruz, inclusive, muitas vezes, lugar de martírio” (LP 4). Diferente da missão proselitista, o documento preparatório do Sínodo pontua a necessidade de “comunicar amor trinitário respeitando e promovendo a dignidade, a nobreza e a liberdade de cada ser humano em cada ação evangelizadora (cf. EG 178)”. “A Igreja é chamada a aprofundar sua identidade em correspondência às realidades de seu próprio território e a crescer em sua espiritualidade escutando a sabedoria de seus povos” (IL 12), pontua o texto preparatório do Sínodo.
Caridade e da justiça são valores chaves levantados no documento preparatório do Sínodo, ao fazer referência a exortação apostólica Evangelii Gaudium, como estruturantes da atuação da Igreja na Amazônia. “A tarefa evangelizadora nos convida a trabalhar contra as desigualdades sociais e a falta de solidariedade” (IL 8). “A Igreja é chamada a acompanhar e partilhar a dor do povo amazônico, e a colaborar para a cura de suas feridas, assim realizando sua identidade de Igreja samaritana, segundo a expressão do Episcopado Latino-Americano e do Caribe (cf. DAp 26)”.
O profetismo Evangélico firma com o Sínodo sua opção pela vida e em abundância. “A Igreja se fortalece como contraponto em face da globalização da indiferença e de sua lógica uniformizadora, promovida por muitos meios de comunicação e por um modelo econômico que não respeita os povos amazônicos nem seus territórios em sua diversidade” (IL 12).
Novos caminhos para o ministério
O documento de trabalho apresenta a plena consciência da Igreja sobre urgência de buscar novos caminhos para os ministérios na Amazônia. No ponto 14 do texto, reflete-se sobre “Ministérios com rostos amazônicos”. “Novos caminhos para a pastoral da Amazônia exigem relançar com fidelidade e audácia sua missão” (DAp 11) no território e “aprofundar o processo de inculturação” (EG 126)” (cf. IL 14).
A “coerência eucarística” (DAp 436) retomada do Documento de Aparecida e presente no instrumento de trabalho do Sínodo aponta para uma mudança diante a urgência de “avaliar e repensar os ministérios que hoje são necessários para responder aos objetivos de ‘uma Igreja com rosto Amazônico e uma Igreja com rosto indígena’ (Fr.PM)” (IL14). Nesse processo se considera debater a ordenação de homens casados e consagração de mulheres. O Sínodo abre portas para que a atividade pastoral na região Amazônica deixe de ser uma pastoral de visita, transformando em uma pastoral de presença.
“A consulta aos povos da Amazônia é clara: eles pedem a ordenação daquelas pessoas que a comunidade julga adequadas para o ministério, seja celibatário ou casado, não apenas anciãos. São as comunidades que devem escolher e propor os seus ministros”, escreveu o teólogo jesuíta boliviano, Víctor Codina. Padre Codina participa ativamente da caminhada de preparação do Sínodo da Amazônia.