16/12/2019

Sínodo da Amazônia – Avançar para águas mais profundas com justiça e paz a partir da periferia

O encontro aconteceu entre os dias 7 e 27 de outubro. Com início na Basílica de São Pedro, a procissão de abertura seguiu até a sala Paulo VI

Celebração na Basílica de São Pedro durante a abertura do Sínodo da Amazônia. Crédito da foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Por Guilherme Cavalli, da Assessoria de Comunicação – Cimi

“Avançar para águas mais profundas” foi o refrão que deu o tom da caminhada dos povos da Amazônia com papa Francisco na manhã de abertura do Sínodo da Amazônia, na Cidade do Vaticano, em Roma. O encontro aconteceu entre os dias 7 e 27 de outubro. Com início na Basílica de São Pedro, a procissão seguiu até a sala Paulo VI onde teve início os trabalhos do Sínodo. Completamente vazia, sem cadeiras, bancos ou altares, a Basílica onde está enterrado o primeiro bispo da Igreja foi ocupada por símbolos trazidos pelos povos. Cartazes lembravam os mártires do Evangelho, mortos em nome do Reino, projeto de justiça e paz.

Francisco caminhou com os povos que estão em Roma para a Cessão Conciliar. É um Sínodo que peregrina com os povos. O sucessor de Pedro, em sorrisos e cumprimentos, percorreu o trajeto rodeado por representantes dos povos originários, bispos, religiosos e religiosas, leigos e leigas que foram a Roma para acompanhar e debater os temas sobre a vida na Amazônia.

“Foi bonito viver essa peregrinação. Cheguei perto do papa. Fiquei feliz. O papa hoje olha para os povos indígenas e pela natureza. Ele chega perto da gente, se aproxima. Eu o presenteei com meu cocar – jeguaka – que eu mesmo fiz, com minhas mãos”, conta Leila Guarani Nhandeva. A indígena é do mesmo povo de um dos mártires que a procissão fez memória: Marçal Tupã-i de Souza, que em 1980 esteve junto ao papa João Paulo II, durante visita do sumo pontífice ao Brasil. Em novembro de 1983 foi assassinado por pistoleiros. “Marçal foi uma de nossas lideranças que morreu pela luta do povo, pelo território. Hoje continuamos o que ele e outros nos deixaram”, disse Leila.

A presença das mulheres, não só indígenas, marcou o Sínodo. Um dos temas colhidos pelo documento preparatório do encontro tratou da presença da mulher nos ministérios da Igreja. Em outro espaço, que não o eclesial católico, Leila Guarani Nhandeva também rompeu barreiras na luta de seu povo: foi uma das primeiras mulheres a fazer o que por muito tempo foi serviço apenas para os homens. “Não é fácil ser mulher e levar adiante a luta sempre feita por homens. Mas nós mulheres hoje defendemos o nosso povo e não tem outra maneira. É resistir”, cravou a liderança.

A barca, os remos e a rede simbolizaram a necessidade da Igreja navegar para águas mais profundas, um dos motes do Sínodo

A indígena se somou a ribeirinhos, pescadores, quilombolas e outras populações tradicionais que entoavam cantos, inclusive em suas próprias línguas, enquanto carregavam uma barca e uma rede de pesca no interior da Basílica. Ao papa, os povos entregaram dois remos como simbologia do pedido que entoavam em canto: avançar para águas mais profundas, símbolo de uma Igreja sinodal.

Os símbolos fizeram referência a uma Igreja pobre para os pobres, de mulheres e homens que ouviram o grupo da Terra, dos povos e das realidades na Amazônia, América Latina e Caribe. Gaudino Pataxó, Ir. Dorothy Stang, Ir. Cleusa Rody Coelho, Chico Mendes, Simão Bororo, Vicente Cañas, Oscar Romero, entre outros, foram testemunhos lembrados pelos rostos carregados por fiéis durante a procissão.

“Ao apertar a mão quente de Francisco e ver seu sorriso alegre, me senti forte, me senti plena de coragem para seguir, para enfrentar e resistir junto aos povos indígenas”, comentou Marline Dassoler, missionária do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) junto ao Secretariado Nacional da instituição. “Na procissão, junto com Francisco, lembramos os mártires do Reino. Vicente Cañas é nosso mártir inspirador da caminhada com os povos indígenas. É símbolo de dedicação, entrega e doação. Kiwxi, como era chamado pelos Enawene-Nawe, agora é um encantado que ilumina nossa caminhada rumo à terra sem males e pela garantia dos direitos dos povos indígenas no Brasil e na Pan-Amazônia”, concluiu.

Para a realização do Sínodo, uma longa jornada ocorreu. Pelo processo de consultas aos povos e comunidades realizadas entre 2018 e 2019, elencou-se luzes e sombras presentes na região amazônica. Os temas foram sintetizados e refletido no Instrumentum Laboris (IL) do Sínodo e estarão em pauta no evento que reunirá bispos, indígenas e especialistas das temáticas. Fruto de uma larga consulta, o “instrumento de trabalho” tem como função mostrar os diversos aspectos do problema que se quer tratar, suas nuances, o modo como isso afeta a vida da Igreja e da sociedade envolvente.

Na sua introdução, o documento preparatório adverte e questiona sobre a missão da Igreja hoje e sua atuação para a “construção de um mundo capaz de romper com as estruturas que sacrificam a vida e com as mentalidades de colonização para construir redes de solidariedade e interculturalidade”. Em sua visita a Puerto Maldonado, o Papa Francisco pediu que se transforme o paradigma histórico em que os Estados veem a Amazônia como despensa de recursos naturais “sem ter em conta os seus habitantes” (LP 5  e Fr.PM) e sem se preocupar com a destruição da natureza.

O documento preparatório do Sínodo antecipa o debate sobre os interesses econômicos que exploram a Amazônia sob um paradigma desenvolvimentista “asfixiante, sem mãe, com sua obsessão pelo consumo e seus ídolos de dinheiro e poder” (IL 5). O IL cita no texto a exploração de petróleo, o gás, a madeira, o ouro e a construção de obras de infraestrutura, como megaprojetos hidrelétricos, rodoviárias interoceânicas e monoculturas agroindustriais (cf. Fr.PM).

O papa Francisco caminhou e se manteve muito próximo dos participantes do Sínodo durante todos os dias do encontro. Crédito da foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Missa de Abertura: grito contra os neocolonialismos

Na missa de abertura, papa Francisco chamou atenção para os incêndios ocorridos na Pan-Amazônica, caracterizando como atitude totalitária de um contexto pautado pelo alerta contra a “ganância de novos colonialismos”. “O fogo ateado por interesses que destroem, como o que devastou recentemente a Amazônia, não é o do Evangelho”, pontuou o papa. “O fogo de Deus é calor que atrai e congrega em unidade. Alimenta-se com partilha, não com os lucros”, disse.

Para a irmã Laura Vicuña Pereira Manso, da Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas e do Cimi Regional Rondônia, “o Sínodo da Amazônia é um momento de graça, um verdadeiro kairós em que os povos indígenas, a Amazônia e a casa comum são colocados no coração da igreja”. A missionária lembra da responsabilidade em ser Igreja na Amazônia. “É preciso não deixar cair a profecia para que sejamos interlocutores e interlocutoras da Boa Nova do Reino de Deus e do Bem Viver”, acrescentou.

O Sínodo da Amazônia está inserido no papado de Francisco e na história da Igreja, somando-se a um conjunto de ações do pontífice que olham para Casa Comum com preocupação inédita. O nome escolhido pelo cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, quando por ele a fumaça branca levantou-se aos céus, em 2013, já evocava o caminho do Santo de Assis, padroeiro da ecologia, a ser corroborado pelo papa que substituiria Bento XVI, que renunciou após escândalos ligados ao Banco do Vaticano. Pelos Franciscos e todos os mártires, o Sínodo sustenta-se na missão Evangélica da Igreja e se propõe a buscar “novos caminhos para uma Igreja profética na Amazônia” (IL 147), com o desejo de “aproximação à realidade e à expectativa regional de uma “cultura do encontro” (EG 220)”.

A Pan-Amazônia, com o Sínodo, deve indicar caminhos para pensar transições que permitam a humanidade repensar sua relação com a Mãe Terra, entre si e com o futuro. “A Amazônia, uma região com rica biodiversidade, é multiétnica, pluricultural e plurireligiosa, um espelho de toda a humanidade que, em defesa da vida, exige mudanças estruturais e pessoais de todos os seres humanos, dos Estados e da Igreja” (IL Preâmbulo).

 

O que é o Sínodo?

O termo é composto pelo prefixo “syn” (junto com/junto de/junto a) e pelo substantivo “hodós” (caminho). O verbo grego synodéo significa “fazer um caminho com alguém”. A sinodalidade é um método onde a Igreja escuta o povo. “Sínodo é caminhar junto”, define Dom Roque, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

O papa Francisco convocou o Sínodo no dia 15 de outubro de 2017 com o tema Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, voltando os olhos para a Pan-Amazônia. A convocatória do pontífice intensificou, através do processo sinodal, a escuta e o diálogo com os povos da Amazônia, os primeiros interlocutores do Sínodo. Assim, no mês de outubro deste ano, dois anos depois da convocação, um colegiado de 114 bispos, 55 auditores leigos, que trabalham na região ou com temáticas ligadas ao Sínodo, 40 mulheres representantes de comunidades, além do grupo da secretaria, se reuniram para o desafio de navegar em águas mais profundas por uma Igreja sinodal.

O Sínodo é compreendido como um processo articulado em três fases: a fase preparatória, em que se realiza a consulta dos interlocutores que vivem nas realidades envolvidas; a fase celebrativa, caracterizada pela reunião dos bispos em assembleia e a fase de atuação, em que as conclusões do Sínodo aprovadas pelo Bispo de Roma, o Papa, são acolhidas pelas Igrejas em suas localidades.

 

Religiosos e leigos, indígenas e lideranças de comunidades tradicionais durante caminhada ao lado de Francisco, no Vaticano. Crédito da foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Sínodo leva à prática encíclica Ladauto Si. 

O Papa Francisco traz na encíclica Laudato Si (LS) a preocupação com a “Casa Comum”. Indígenas e comunidade tradicionais têm no centro de sua vida o “território” e o “Bem Viver”. Com similar conotação, descrevem a responsabilidade com o planeta e convidam para a superação da lógica que se firma na “globalização da indiferença”, intensificada pelo livre mercado e resultante numa “falsa, vaga e ingénua inclusão social” (cf. EG 54).

O Sínodo da Amazônia “torna prático” o documento papal a partir da vida dos povos, afirma a antropóloga Moema Miranda, secretária da rede Igreja e Mineração. O que pontua a leiga franciscana memora o passo dado pela Igreja com o Concílio Vaticano II, de uma fé que se compromete com a promoção humana. O Sínodo, além da missão pastoral da Igreja, e tendo como base a Doutrina Social, faz presente o debate sobre ecologia, política, direitos humanos e da Terra. “Nem só a salvação da alma, mas uma Igreja defensora das possibilidades de vida no planeta”, pontuou a antropóloga.

Após missa de abertura do Sínodo, o para Francisco fez o que já é de seu costume: foi para o meio do povo em momento de partilha e união. Crédito da foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Em entrevista à Rádio Vaticano, Moema, também assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), evocou a urgente necessidade de um câmbio de mentalidade para que “não se veja o Planeta como uma máquina, um relógio sem vida”. Seguiu: “quando os homens foram para a lua, um olhar de fora, nos fez perceber que somos todos um – humos e humanos sem separação. Se destruímos as possibilidades de vida no planeta, torna-se o impossível a existência humana”, comentou Moema.  “O antagonismo em cuidar da natureza não está entre uma vida de qualidade ou a sustentabilidade da floresta. O antagonismo está entre a ilimitada acumulação e a vida do planeta”, chamou a atenção a antropóloga ao propor um modelo de vida que repense o consumo.

Em crítica ao realismo materialista, Moema recordou a relação etimológica entre economia e ecologia. “Não nos damos conta que economia não é antagônica à ecologia. É o logos e o eco – saber sobre a casa – que deveria orientar o nomos, que indica a administração da casa”, lembrou ao trazer presente a etimologia das palavras economia e ecologia e relacionar com princípios de sabedoria e cuidado.

“Quando o papa Francisco esteve em Porto Maldonado afirmou que a Amazônia é uma terra disputada. Por um lado temos os povos indígenas que aprenderam a viver em comunidade com a floresta, enriquecendo e valorizando a floresta. Junto a eles temos outros povos que foram ganhando raiz na Amazônia – quilombolas, ribeirinhos, extrativistas”, pontua a antropóloga. “Do outro lado temos o que papa Francisco chamou de avidez do grande capital. E o papa nomeou: são as as petroleiras, a mineração, as madeireiras, o agronegócio”, lembra Moema. “Papa Francisco chama de avidez essa coisa insaciável. Qual é o limite para o consumo?”, questiona.

“O capitalismo transforma tudo em mercadoria. Um exemplo é a mineração, que não parte da necessidade real da vida das pessoas. Ela está conectada com o ciclo financeiro que obriga a extrair mais do que precisa”, exemplifica.

A Cidade do Vaticano foi tomada pelos participantes do Sínodo da Amazônia com místicas e caminhadas quase diárias. Crédito da foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Alternativas que surgem das periferias

Nos debates ocorrentes nos eventos simultâneos ao Sínodo, indígenas, ribeirinhos, seringueiros e comunidades tradicionais na Amazônia apresentam à sociedade global alternativas de desenvolvimento que leve em conta “a integralidade da Terra”, como lembra a indígena Anitalia Pijachi, do povo Okaina – Oitoto de Letícia, Colômbia. “Trazemos alternativas de desenvolver e cuidar da mãe terra, sem colocar abaixo as florestas. Temos muito a ensinar à sociedade. Isso por que nós da Amazônia sentimos a dor, sobretudo nos, mulheres, sentimos porque nós damos a vida”, lembra a indígena.

“Hoje estamos mostrando, mesmo depois de muita violência sofrida, que é possível outro tipo de relação com a terra e com os povos indígenas”, assegura Anitalia Pijachi ao lembrar de papa Francisco e da Laudato Si, encíclica sobre o cuidado com a Casa Comum. “Francisco tem o coração doce, como quem tem mãe e avó, e que por isso sente a dor da Amazônia”, atestou.

Leigos e leigas, bispos, cardeais e padres em cerimônia de reafirmação do Pacto das Catacumbas, que renova o compromisso da Igreja com os pobres. Crédito da foto:Guilherme Cavalli/Cimi

“Mostramos caminhos porque quando atropelam a água sentimos no ventre materno. Quando envenenam a terra sentimos na pele. A Terra é o rosto da mulher amazônica”. Pijachi faz parte da delegação colombiana que conta com 21 membros na Assembleia Sinodal. “Como mulher amazônica, como mãe, como filha e neta eu falo em meio de mais de 180 que estão nesse Sínodo. Contudo, eu venho pelos meus avôs e avós, porque sei de onde venho. Nosso conhecimento não é vazio, tem história e com os ancestrais apontamos caminhos”.

A indígena lembra que a “ecologia integral” se sustenta em entender o território como vida que dá indicativos para a existência. “Nosso governo é próprio e se sustenta em como viver com nossos territórios, como me relacionar com o ar e vento, com a terra, com as sementes, com os animais. E sabemos o que não tocar. É relação de respeito”.

A metodologia do Sínodo parte da realidade. Cerca de 87 mil pessoas, entre indígenas indígenas, quilombolas, ribeirinhas, pescadoras e demais comunidades amazônicas, foram consultadas para a que Igreja refletisse quais caminhos seguir. Por meio de assembleias locais ocorridas na fase preparatória do Sínodo, o processo sinodal trabalhou para ouvir os clamores, as lutas e resistências dos povos da Amazônia. “Hoje somos ouvidos e trazemos alternativas ao mundo. Nosso modo de relacionar não torna a terra como um objeto de negócio, mas como uma mãe que dá a sustentabilidade”, lembrou Ernestina Makuxi, de Roraima.

A antropóloga Moema Miranda, à esquerda, e Victoria Tauli-Corpuz, da ONU, durante coletiva de imprensa do Sínodo. Crédito da foto: Guilherme Cavalli/cimi

Monocultura: novo colonialismo

“A visão colonialista impede de ver a Amazônia de outra maneira. Plantar soja e cana de açúcar é uma visão colonialista”, assegurou o procurador da República, Felício Pontes. “É visão totalitária que transforma a floresta com maior sociobiodiversidade do planeta em uma monocultura”.

Como alternativa, propõe a reflexão que se paute no valor econômico da floresta em pé. “O açaí e as castanhas são produtos que só existem na Amazônia. Podem ser trocados e mais lucrativos que commodities como soja e cana de açúcar. É possível respeitar a floresta e fazer dela uma fonte de renda”, garante Felício. O procurador lembrou ainda que, segundo estudos realizados em Belém, capital do Pará, são descobertas 15 novas espécies por dia na Floresta Amazônica. “Essa região do mundo é o maior banco genético e ali poderia estar a cura para doenças hoje incuráveis. Os povos da floresta são guardiões desse banco genético”.

“Nos processos judiciais que trabalho fica claro que há uma disputa na Amazônia por dois modelos de desenvolvimento: um modelo predatório e outro socioambiental. No predatório, sempre há uma empresa madeireira, pecuarista, monocultura ou de energia e mineração”, lembrou o procurador. “Do outro lado, podemos notar um modelo de desenvolvimento da Amazônia concebido pelos povos da floresta”.
Para o paraense, o Sínodo poderá levar a uma mudança de pensamento que permita “passar de uma sociedade colonialista a pluralista, que respeite o modo de vida de todos aqueles que vivem na floresta e distancie a doutrina integracionista das vidas dos povos originários”.

 

O presidente do Cimi, dom Roque Paloschi, durante celebração do Sínodo. Crédito da foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Dom Roque Paloschi: “que o Sínodo não falhe na opção do zelo com os pobres e no cuidado com a terra”

No terceiro dia do Sínodo, o presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e arcebispo de Porto Velho (RO), dom Roque Paloschi, concedeu entrevista ao jornalista Silvonei Protz, do VaticanNews.

Dom Roque falou que a metodologia de trabalho usada – conferências, silêncio e oração – favorece a escuta do Espírito Santo pelos padre sinodais. “Estamos escutando a nós. Depois de quatro intervenções, fazemos quatro minutos de silêncio para escutar a voz de Deus. É preciso que o Espírito Santo sopre com força para que nos ajude a ter serenidade e convicção de que é um momento histórico, um Kairós, onde o protagonista é o Espírito Santo e nós precisamos ser instrumentos neste caminho”.

O presidente do Cimi ressaltou também a necessidade de escutar os gritos manifestados no processo de escuta sinodal do qual participaram, segundo suas informações, 87 mil pessoas nos nove países que integram a Região Pan-Amazônica.

O arcebispo de Porto Velho (RO) também manifestou contentamento pela postura do papa Francisco. “É uma alegria também sentir a preocupação do coração do Santo Padre com os povos originários”, disse. Dom Roque ressaltou a ternura de Francisco em ouvir de forma personalizada cada um. “Ele simplesmente ouve com atenção a cada um. Fez o discurso inicial e está ouvindo a todo mundo”, destacou.

Na avaliação do religioso, o Sínodo oferece a tônica de um compromisso de irmãos e irmãs na perspectiva de caminhar juntos, onde não há quem ensina e quem aprende: todos ensinam, escutam e aprendem. O arcebispo disse que levou ao encontro dos padres sinodais a esperança dos pobres que depositam na Igreja uma grande confiança e expectativa para que o Sínodo não falhe na opção do zelo e do cuidado com os pobres da terra e com a própria terra.

Recordando as palavras do Papa Francisco em Puerto Maldonado, no Peru, quando lançou oficialmente o Sínodo, em janeiro de 2018, junto aos povos indígenas, dom Roque disse que é necessário “romper com o paradigma histórico que vê a Amazônia como uma despensa inesgotável dos Estados sem levar em conta seus habitantes”. Muitas ameaças, como afirmou o papa, estão impactando negativamente a vida dos povos originários. “A Igreja precisa fazer e por mais que faça, fará pouco pelo bem, pela vida e pela esperança dos povos originários e amazônicos”, concluiu.

Carlos Nobre, cientista brasileiro, e Dom Erwin Kräutler, bispo emérito do Xingu, durante coletiva de imprensa. Crédito da foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Dom Erwin Kräutler: “sustentamos a opção pelos pobres. Se calarmos, as pedras falarão” 

O Sínodo da Amazônia tem extrapolado o campo religioso e trazido, além do tema pastoral, os eixos cultural, ecológica e social. E isso mostra a capilaridade e o profetismo da Igreja, segundo Erwin Kräutler. Durante coletiva de imprensa, o bispo emérito do Xingu (PA) percorreu um longo percurso intelectual a partir de Aristóteles, passando pelo celibato, povos indígenas chegando às novas tecnologias, sempre com um humor que lhe é peculiar e conhecido.

“Dizem que sou político, mas eu rezo muito. Rezo e me empenho em favor do meu povo. Quer ver meu terço?”, perguntou em sorrisos o religioso que é membro do Conselho Sinodal para a Amazônia. “As dimensões do ser humano não estão em gavetas, separadas”, ponderou o bispo ao referir-se que “fé e justiça social” andam juntas.

Em grego, o bispo austríaco naturalizado brasileiro citou “A Política” de Aristóteles para direcionar sua conclusão: “somos políticos até quando nos calamos”, pontuou aos jornalistas presentes na sala Stampa, no Vaticano. “Nascemos políticos, mas a política que fazemos não é a partidária. É a política que emana do Evangelho. Jesus era homem político”, ressaltou. “Eu me empenho a favor do meu povo. Estou vendo mulheres chorando, crianças abandonadas, homens que não sabem como será o futuro”, ressaltou ao sustentar que fé e obra são dimensões conjuntas.

“Nós, enquanto Igreja, conhecemos muito mais a realidade do que os políticos que estão em Brasília ou em qualquer outro canto”, advertiu ao falar sobre a capilaridade da Igreja como instrumento para a defesa dos direitos. “Somos nós que estamos sempre no chão concreto desses acontecimentos e é por isso que a Igreja tem que falar, que denunciar”, sustentou ao responder sobre a importância da atuação junto às comunidades tradicionais.

“Lembro do Conselho Indigenista Missionário, um exemplo de trabalho da Igreja para assegurar os direitos indígenas na Constituição Federal do Brasil”, contestou ao ser questionado sobre o que fez a Igreja para a defesa das populações indígenas. Dom Erwin anotou que os tempos vividos pelos povos no Brasil e na América Latina exigem ainda mais presença e cuidado. “Agora existe uma forte campanha anti-indígena no Brasil do governo federal”.

Ao trazer a realidade brasileira para a mesa, Kräutler lembrou do “dia do fogo”. Entre os dias 10 e 11 de agosto, conforme denúncia do Ministério Público Federal (MPF) com investigação da Polícia Federal, o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso, Agamenon Menezes, organizou uma ação e incendiou dezenas de hectares de floresta amazônica do Pará. “O mundo inteiro viu o fogo ateado criminosamente em nossa Amazônia. Contudo, agora ninguém mais fala das consequências. O Sínodo tem a função de continuar dando visibilidade”, lembrou.

O instrumento de trabalho do Sínodo, sublinhou o bispo emérito, trata das “ameaças pelos grandes interesses econômicos que se alastram sobre diferentes regiões do território” como propulsores de uma economia de morte, que promove a “intensificação do desmatamento indiscriminado na selva, a contaminação dos rios”. Dom Erwin, na coletiva, ressaltou que para os agentes dessa economia de morte “os indígenas são vistos como o estorvo, como um impedimento para o tal progresso. Os indígenas têm a sua própria cultura, sua maneira de ser e a Igreja faz a opção pelos pobres, mas também pelos outros, pelos diferentes. Essa opção nós sustentamos”.

Para Kräutler, a Igreja em Saída proposta por Francisco se faz missão e coloca em evidência os desafios da Amazônia e a presença da Igreja nesses territórios, reafirmando a opção preferencial pelos pobres. “A Igreja está cada vez mais convicta que deve se colocar ao lado dos pobres e em defesa de suas vidas. Estar ao lado, caminhar junto, não os ter como objeto de caridade”.

Dom Erwin citou o Concílio Vaticano II, com o documento Gaudium et Spes, para trazer a opção da Igreja de caminhar junto aos povos. “E se a Igreja não denunciar, quem falará serão as pedras”, sustentou o bispo ao responder a jornalista francês quando questionado sobre o Sínodo “debater temas de que vão além dos eclesiais”. O que pontuou Dom Erwin também diz respeito aos ataques recebidos por bispos e membros do Sínodo da Amazônia, acusados pelas alas conservadoras da Igreja e da direita partidária. Setores fundamentalistas da Igreja Católica chegaram a roubar um símbolo indígena e atirá-lo no rio Tibre. O ato criminoso foi filmado e disseminado na internet.

 

Fonte: Por Jornal Porantim - Edição Novembro de 2019
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