16/12/2019

Documento final do Sínodo reserva capítulo sobre as lutas por território dos povos amazônicos

A carta é fruto de 20 dias de reflexões e o no terceiro capítulo traz a luta dos povos da amazônicos por seus territórios

Resultado da construção coletiva, a carta é fruto de 20 dias de reflexões e o no terceiro capítulo traz a luta dos povos da amazônicos por seus territórios. Crédito da foto: Guilherme Cavalli

Por Guilherme Cavalli, da Assessoria de Comunicação – Cimi

Os gritos e cantos que ecoam da floresta e que clamam por respeito aos territórios, suas culturas e espiritualidades marcam o documento final do Sínodo da Amazônia, ocorrido durante o mês de outubro na Cidade do Vaticano, em Roma. Resultado da construção coletiva, a carta é fruto de 20 dias de reflexões e o no terceiro capítulo traz a luta dos povos da amazônicos por seus territórios.

Escrito por cardeais, padres, religiosas e religiosos, bispos, leigas e leigos, entre eles representantes indígenas, ribeirinhos, quilombolas e demais populações tradicionais, a declaração reafirma o compromisso da Igreja com os povos da Pan-Amazônia, rejeitando “uma evangelização ao estilo colonial que impõe certos modos de vida de alguns povos sobre outros” (cf. 55). Entregue ao papa no último dia do Sínodo, 27 de outubro, o documento servirá de base para a futura exortação de Francisco ao mundo.

A violência sofrida por indígenas dos nove países que compõem a Pan-Amazônia é ressaltada no documento como consequência de políticas que desejam ampliar as fronteiras do agronegócio, mineração e megaprojetos de infraestrutura que e

xercem pressão sobre os territórios ancestrais (cf. 69). “Boa parte dos territórios indígenas está desprotegida e os já demarcados estão sendo invadidos por frentes extrativistas como mineração e extração florestal, por grandes projetos de infraestrutura, por cultivos ilícitos e por grandes propriedades que promovem a monocultura e a pecuária extensiva”, frisa o texto.

O Conselho Sinodal entende que a ganância por terra é o centro das violações às comunidades da Amazônia, sendo a “raiz dos conflitos que levam ao etnocídio, ao assassinato e à criminalização dos movimentos sociais e de suas lideranças”

O Conselho Sinodal entende que a ganância por terra é o centro das violações às comunidades da Amazônia, sendo a “raiz dos conflitos que levam ao etnocídio, ao assassinato e à criminalização dos movimentos sociais e de suas lideranças” (45). A vida das comunidades desta região, segundo o documento, “está ameaçada pela destruição, pela exploração ambiental e pela violação sistemática de seus direitos territoriais”.

A Igreja reunida em Roma cobra dos governos o respeito aos territórios, sua demarcação e proteção afirmando ser “obrigação dos Estados nacionais” a efetivação dos direitos territoriais. O texto entende os direitos “à autodeterminação, à demarcação dos territórios e à consulta prévia, livre e informada” como condições a serem respeitadas e promovidas pelas Igrejas locais. “Esses povos têm condições sociais, culturais e econômicas que os distinguem de outros setores da comunidade nacional e que são regidos total ou parcialmente por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial”, assegura ao mencionar a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Maloca de povo Yanomami em situação de isolamento voluntário. Crédito da foto: Funai

Indígenas livres: “os mais vulneráveis dos vulneráveis”

A existência de aproximadamente 130 povos na Pan-Amazônia que não mantêm contato sistemático com a sociedade foi lembrada no documento como situação de “urgência e responsabilidade”. O texto ressalta as violências que ameaçam o modelo de vida dessas populações e a “invasão de seus territórios a partir de diferentes frentes e por sua baixa demografia, deixando-os expostos à limpeza étnica e ao desaparecimento”, conforme o tópico 49.

O Sínodo chama as Igrejas locais, suas pastorais e o povo de Deus para a responsabilidade que gera ações específicas “na defesa dos direitos indígenas através da garantia legal e inviolável dos territórios que tradicionalmente ocupam”

“Os abusos e as violações sistemáticos do passado provocaram a sua migração para lugares mais inacessíveis, procurando proteger e preservar a sua autonomia e optando por limitar ou evitar as suas relações com terceiros”, assegura. O Sínodo chama as Igrejas locais, suas pastorais e o povo de Deus para a responsabilidade que gera ações específicas “na defesa dos direitos indígenas através da garantia legal e inviolável dos territórios que tradicionalmente ocupam”.

O documento clama às Igrejas a estabelecerem mecanismos de cooperação bilateral entre Estados quando a presença de povos isolados ocorra em territórios transfronteiriços, que estejam em dois países. A atuação deve se dar para que os povos em situação de isolamento voluntário tenham “respeito pela sua autodeterminação e pela sua livre escolha sobre o tipo de relações que querem estabelecer com outros grupos”, assegura o documento no tópico 50.

Sínodo da Amazônia: Contra o roubo, devastação e invasão das Terras Indígenas. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Sínodo da Amazônia: Contra o roubo, devastação e invasão das Terras Indígenas. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

A Igreja e a caminhada com os povos

“O Sínodo é filho do Concílio Vaticano II”. A expressão seguida por participantes do processo sinodal, recorrente nas entrevistas e nos encontros ocorridos no Vaticano, aponta a herança da assembleia convocado pelo papa João XXIII, em 1962. A memória que recorre há 57 anos edifica o Sínodo da Amazônia a partir das realidades, tendo como opção preferencial sobretudo para os pobres e de todos aqueles que sofrem, como também indicou a Gaudium Et Spes, texto conciliar sobre a Igreja no Mundo Atual. Ao olhar as realidades, o Sínodo da Amazônia aponta para uma Igreja “presente e aliada dos povos nos seus territórios”.

“Provavelmente, nunca os povos originários amazônicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora”, lamentou Francisco

Inserido no papado de Francisco e na história da Igreja, o Sínodo da Amazônia se soma a um conjunto de ações do pontífice que olham para o cuidado da Casa Comum. Na Encíclica Laudato Si., Jorge Mario Bergoglio ecoa a opção franciscana e o clamor por uma ecologia integral que exige “uma conversão pessoal, social e ecológica (cf. LS 210 em IL 9)”. “Proteger os povos indígenas e seus territórios é uma exigência ética fundamental e um compromisso básico dos direitos humanos. Para a Igreja, esse compromisso é um imperativo moral coerente com o enfoque da ‘ecologia integral’ de Laudato si’, já pontuava o documento publicado em 2015. (cf. LS, cap. IV)”.

Em 2018, em Puerto Maldonado, durante encontro com indígenas da América Latina, Francisco escutou questões de importância crucial que afetam a vida dos povos nativos. “Provavelmente, nunca os povos originários amazônicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora”, lamentou Francisco.

“A Amazônia é uma terra disputada em várias frentes: por um lado, a nova ideologia extrativa e a forte pressão de grandes interesses econômicos cuja avidez se centra no petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agroindustriais; por outro, a ameaça contra os vossos territórios vem da perversão de certas políticas que promovem a ‘conservação’ da natureza sem ter em conta o ser humano”, completou.

Fonte: Por Jornal Porantim - Edição Novembro de 2019
Share this:
Tags: