28/11/2019

“Tem hora que a gente vai pro mato e nem sabe se vai voltar”, denuncia Povo Munduruku

Mais de 50 lideranças estiveram em Brasília para denuncia as invasões de garimpo, mineração e megaprojetos apoiados pelo atual Governo

As 50 lideranças que compõe a delegação foram definidas em assembléia. Foto: Adi Spezia/Cimi

As 50 lideranças que compõe a delegação foram definidas em assembleia. Foto: Adi Spezia/Cimi

Por Adi Spezia da Assessoria de Comunicação do Cimi

A intensificação das invasões nos territórios tradicionais por fazendeiros, garimpeiros, grileiros e as ameaçadas de morte tem causado preocupação ao Povo Munduruku que nesta última semana este em Brasília, com uma delegação de mais de 50 lideranças indígenas do alto e médio Tapajós, e do baixo Teles Pires. A delegação denuncia ainda a mineração em terras indígenas, a insistente implantação de megaprojetos de hidroeletricidade e logística na bacia do Rio Tapajós.

“A cada dia que passa nossa preocupação só aumenta por causa da invasão dos fazendeiros, dos garimpeiros, eles estão demais. Tem hora que a gente vai pro mato e nem sabe se vai voltar”, denuncia o cacique Juarez Saw Munduruku, do médio Tapajós.  Ele ainda completa:

“A Amazônia está sendo invadida, não aceitamos mais hidrelétrica, pois todos os projetos de desenvolvimento que o Governo tem apresentado, tem nós causado damos irreversíveis é mercúrio, mineração, nossa diversidade e peixes estão contaminados, nós estamos morrendo, sendo assassinados”.

“A Amazônia está sendo invadida, não aceitamos mais hidrelétrica, os projetos de desenvolvimento desse Governo tem nós causado damos irreversíveis”

Um dos objetivos da delegação é dialogar com a sociedade sobre a situação de vulnerabilidade na qual se encontram as comunidades indígenas Munduruku. Foto: Adi Spezia/Cimi

Um dos objetivos da delegação é dialogar com a sociedade sobre a situação de vulnerabilidade na qual se encontram as comunidades indígenas Munduruku. Foto: Adi Spezia/Cimi

A delegação atravessou mais de 2 mil km, em 3 dias de viagem, para realizar as denúncias nos mais diversos órgãos públicos e também, dialogar com a sociedade sobre a situação de vulnerabilidade na qual se encontram as comunidades indígenas Munduruku. “Viemos denunciar o que está acontecendo nos nossos territórios, a maioria não pode vir, mas estamos aqui, vivos, em pé para denunciar esse projeto do governo que traz sérias consequências aos povos Indígenas”, assegura Ediene kirixi Munduruku, da Aldeia Teles Pires.

Os indígenas acusam o Governo Federal de incentivar a violência contra os povos indígenas quando diz que não irá demarcar nenhum centímetro de terra indígenas. “Esse Governo assassina nossos parentes. Traz suas empresas com palavras bonitas, enfeitadas e engana nosso povo. Não aceitamos invasores. Se Bolsonaro não tem coragem de ir no nosso território nós enfrentar, que nos respeite”, desafiam os Munduruku do alto e médio Tapajós, e do baixo Teles Pires.

“Se Bolsonaro não tem coragem de ir no nosso território nós enfrentar, que nos respeite”

Crianças MunduruKu seguram cópias dos documentos entregues às autoridades. Neles constam as denuncias das invasões. Foto: Adi Spezia/Cimi

Crianças MunduruKu seguram cópias dos documentos entregues às autoridades. Neles constam as denuncias das invasões. Foto: Adi Spezia/Cimi

A região do Tapajós é a que mais concentra garimpo ilegal em toda a Amazônia, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Grande parte desses garimpos está dentro do território Munduruku. O garimpo ilegal tem sido a principal razão pela contaminação da água e dos indígenas, conforme indica a pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), a população indígena está altamente contaminada por mercúrio. O Rio Tapajós está morrendo pelo garimpo, sem contar outros problemas relacionados a essa atividade, como a intensificação de epidemias de malária e a circulação desenfreada de álcool, drogas e armas.

“As crianças, os velhos, os indígenas bebem água suja, essa água tá contaminada por causa do garimpo. Não é de agora que estamos denunciando, já faz tempo, a demorar para demarcar a terra dos Munduruku incentiva os grileiros e garimpeiro a tomaram nossas terras, a nos matar”, denuncia uma das mulheres Munduruku.

Durante a estadia por Brasília, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) não recebeu a delegação. A atitude foi criticada pelos indígenas, segundo eles a Funai não atendeu a delegação, no entanto recebe os fazendeiros e garimpeiros.

“Os indígenas bebem água suja, essa água tá contaminada por causa do garimpo. A demora na demarcação incentiva os grileiros e garimpeiro a tomaram nossas terras, a nos matar”

Os Munduruku trouxeram uma amostra da água contaminada pelo garimpo ilegal. Foto: Adi Spezia/Cimi

Os Munduruku trouxeram uma amostra da água contaminada pelo garimpo ilegal. Foto: Adi Spezia/Cimi

Conhecedores de seus direitos tradicionais os Munduruku não aceitam que qualquer empreendimento seja instalado na terra indígena sem a consulta do povo, e a consulta precisa ser feita ao conjunto dos indígenas. “Não aceitamos mais hidrelétricas, pois todos os projetos de desenvolvimento que o governo tem apresentado, tem nós causado damos irreversíveis pelo mercúrio, mineração, nossa diversidade e os peixes estão contaminados”, relata Ediene com seu filho nos braços.

O atual governo tem previsto a retomada das 43 usinas hidrelétricas que compõem o Complexo do Tapajós, entre elas a de São Luiz do Tapajós e Chacoarão. No entanto, todas incidem diretamente sobre terras indígenas e lugares considerados sagrados pelos Munduruku – que ainda sofrem os impactos das hidrelétricas de Teles Pires e São Manoel, construídas sem qualquer consulta aos indígenas, a despeito do que manda a Constituição de 88. Há ainda, projetos de portos para escoamento de grãos, como a “Ferrogrão”, que está no topo dos interesses do Agronegócio e afeta diretamente as comunidades do Médio Tapajós.

“A demorar para demarcar a terra dos Munduruku incentiva os grileiros e garimpeiro a tomaram nossas terras, a nos matar”

O atual governo busca retomar as 43 usinas hidrelétricas que compõem o Complexo do Tapajós. O que impactará de forma direta a terra indígena. Foto: Adi Spezia/Cimi

O atual governo busca retomar as 43 usinas hidrelétricas que compõem o Complexo do Tapajós. O que impactará de forma direta a terra indígena. Foto: Adi Spezia/Cimi

Conhecidos por seu histórico de lutas e resistência, os MunduruKu deixam um recado bastante claro. “Governo Bolsonaro, respeite os povos indígenas, não aceitamos esse projeto. Se quiser nos matar, que mate, pois nós vamos seguir lutando. Se quer mudar a lei, mude, mas nós não vamos abaixar a cabeça. As crianças, os velhos, as mulheres vão seguir lutando. Resistimos pelo que é nosso de direito nosso território e nossas vidas”.

A delegação permaneceu durante toda a semana na Capital Federal com denúncias no Supremo Tribunal Federal (STF), Ministério Público Federal (MPF), Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), e demais órgão ligados aos direitos humanos e indígenas. Uma representação permaneceu até o dia 26. Em todos os órgãos que foram recebidos, as lideranças deixaram uma carta dos caciques Munduruku, “Ajebuyxi gu ekawen tup: o papel dos caciques”, onde trazem um manifesto de todo o povo.

Carta dos caciques Munduruku, “Ajebuyxi gu ekawen tup: o papel dos caciques”. Foto: Adi Spezia/Cimi

Carta dos caciques Munduruku, “Ajebuyxi gu ekawen tup: o papel dos caciques”. Foto: Adi Spezia/Cimi

Confira a carta na integra:

Carta dos caciques Munduruku

Ajebuyxi gu ekawen tup: o papel dos caciques

Nós, do povo Munduruku, estamos manifestando pelo desrespeito que está acontecendo com as autoridades do nosso povo. Os pariwats garimpeiros e políticos estão explorando a nossa casa e o nosso território agindo com suas mentiras, sem nos consultar.

Somos 14 mil Munduruku, um só povo e o nosso território é único. Karosakaybu e nossos antepassados que deixaram de herança para cuidarmos, vivermos e criarmos nossos filhos. Não apoiamos as leis e projetos que nos ameaçam.

A nossa luta não é de agora, é muito antiga. Cansamos de ouvir os pariwat falar que somos incapazes, e por isso, sempre mostramos a nossa capacidade. São os nossos antepassados que nos ajudam a proteger o nosso território.

Estamos aqui manifestando e pedindo socorro, porque os próprios políticos e vereadores estão nos matando, ajudando a poluir nossos rios, dialogando com governo em nome do nosso povo. Não aceitamos que nenhum vereador fale nem sobre regularização de garimpo e mineração nas nossas terras e nem sobre o processo de indenização das Itīn’a Wuy jugu (urnas funerárias do povo Munduruku) . Nenhum vereador está autorizado em falar em nome do nosso povo Munduruku.

Temos o nosso protocolo de Consulta, de acordo com a 169 da OIT e antes de qualquer intenção que afete a vida do nosso povo tem que consultar os caciques, cacicas, lideranças, pajés, professores, e até nossas crianças tem que ser ouvidas. Não aceitamos reuniões em Brasília só com pariwat. Qualquer decisão importante tem que ser tomada dentro do nosso território.

Cadê os projetos de lei voltado para o povo Munduruku?

Nós não negociamos a vida e o direito do nosso povo. Exigimos respeito. Não queremos que se repita o que já aconteceu no governo passado em Jacareacanga, que nós Munduruku manifestamos para defender nossos direitos e conseguimos reverter a demissão de 70 professores Munduruku.

Por isso, comunicamos a população de Jacareacanga que, são nossos parentes que dependem dos rios, peixes, roças, caças e da floresta para viver.

Estamos cansados de não sermos escutados. Cansados de esperar os políticos trazerem as informações. Sabemos que o governo atual está ameaçando nossos direitos, nosso território, nossa vida.

Queremos uma audiência urgente com os vereadores junto ao Ministério Público Federal, para que possam ouvir o que temos para falar.

Vamos continuar lutando na defesa dos nossos direitos e da vida do nosso povo!

Jacareacanga, 02 de outubro de 2019.

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