26/11/2019

Indígenas cobram proteção da floresta e dos povos que vivem nela durante ato em Brasília

Pesquisa publicada no Ato Público que aponta a criação ilegal de bovinos como a principal causa do desmatamento e conflitos na Amazônia

Durante ato em Brasília lideranças indígenas e a Anistia Internacional apontam a grilagem de terras como o principal fator dos conflitos na Amazônia brasileira. Foto: Adi Spezia/Cimi

Por Assessoria de Comunicação do Cimi e Anistia Internacional

“Bolsonaro, proteja a floresta e os povos que vivem nela!” Este foi o recado que lideranças indígenas e a Anistia Internacional Brasil deixaram na manhã desta terça-feira, 26, durante Ato Público em defesa da Amazônia e dos povos que nela vivem, em frente ao Palácio do Planalto em Brasília. Durante o ato também foi divulgado um relatório inédito que aponta a pecuária como a principal impulsionadora da grilagem de terras nas reservas e territórios indígenas, bem como dos conflitos na Amazônia brasileira.

Diante das tentativas frustradas de serem recebidos pelo presidente Jair Bolsonaro, uma petição com mais de 160 mil assinaturas exigindo que o governo proteja a Amazônia e pedindo o fim das apropriações ilegais de terras protegidas na Amazônia, o grupo realizou a entrega dos documentos no Setor de Protocolos do Palácio do Planalto, registrando assim o propósito de que as denúncias possam chegar ao presidente.

“Não estamos pedindo nada a mais, só, que o governo cumpra a lei. Meu povo está muito preocupado devido as invasões dos grileiros, madeireiros e garimpeis que estão nos expulsando de nossas casas e do nosso território tradicional. Só queremos viver em paz”, esclarece o cacique André Karipuna, da Terra Indígena Karipuna em Rondônia.

“Não estamos pedindo nada a mais, só, que o governo cumpra a lei”

Cacique Karipuna denuncia a invasão de madeireiros, grileiros e garimpeiros no território de seu povo. Foto: Adi Spezia/Cimi

Cacique Karipuna denuncia a invasão de madeireiros, grileiros e garimpeiros no território de seu povo. Foto: Adi Spezia/Cimi

Na ocasião, a Anistia Internacional realizou o lançamento da pesquisa “Cercar e trazer o boi: pecuária bovina ilegal na Amazônia brasileira”, em que documentou, em terras indígenas e reservas, como a atividade ilegal da pecuária na Amazônia contribui para o desmatamento e para conflitos violentos. O documento foi elaborado por meio de visitas a campo, entrevistas, dados e imagens de satélite.

“A criação ilegal de bovinos é a principal causa do desmatamento da Amazônia. Trata-se de uma ameaça muito real, não só aos direitos humanos dos povos indígenas e tradicionais que habitam a região, mas a todo ecossistema planetário”, afirmou Richard Pearshouse, diretor do departamento de Crises e Meio Ambiente da Anistia Internacional.

“A criação ilegal de bovinos é a principal causa do desmatamento da Amazônia”

“Enquanto o governo Bolsonaro afrouxa as proteções ambientais em nível federal, algumas autoridades estaduais estão efetivamente facilitando a criação ilegal de bovinos que destrói áreas protegidas da floresta tropical”, pontuou Richard Pearshouse.

Aproximadamente dois terços das áreas desmatadas da Amazônia entre 1988 e 2014 foram cercados, queimados e transformados em pastagens – quase 500.000 km2, uma área equivalente a cinco vezes o tamanho de Portugal. O relatório da Anistia Internacional mostra que algumas autoridades estaduais estão efetivamente facilitando a pecuária bovina em áreas protegidas.

“Em várias ocasiões, o presidente Bolsonaro negou veementemente, nacional e internacionalmente, os dados e fatos que mostraram o nível assustador da devastação da Amazônia e de outros biomas do Brasil”, afirmou Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.

 

Investigação de campo

Em 2019, a Anistia Internacional visitou cinco áreas protegidas na Amazônia brasileira: as Terras Indígenas Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau, as Reservas Extrativistas do Rio Ouro Preto e do Rio Jacy-Paraná (no estado de Rondônia), e a Terra Indígena Manoki (no estado de Mato Grosso).

“É uma ameaça muito real, não só aos direitos humanos dos povos que habitam a região, mas a todo ecossistema”

Reservas extrativistas são áreas destinadas à proteção do meio ambiente, dos meios de vida e da cultura de suas populações tradicionais, inclusive com o uso sustentável dos recursos naturais. Assim como as terras indígenas, as reservas extrativistas são protegidas pela legislação brasileira e por tratados internacionais.

Dados oficiais, imagens de satélites e as visitas realizadas pela Anistia Internacional mostram que as apropriações ilegais de terras, quase sempre ligadas à criação de bovinos, estão aumentando em todas as cinco áreas.

 

Padrão de conversão de florestas em áreas de pastagem

Pecuaristas e grileiros (indivíduos que se apropriam ilegalmente das terras) seguem um padrão recorrente de conversão da floresta tropical em áreas de pastagem na Amazônia brasileira. Primeiro, identificam os lotes de terra na floresta, depois, cortam e retiram as árvores e ateiam fogo ao local (geralmente, várias vezes) e, por fim, plantam capim e levam o gado.

“Um dos indicadores de que grileiros e fazendeiros ilegais estão tentando se apropriar de terras é o cercamento e a queima de áreas extensas de floresta”

O ato em defesa da Amazônia e dos povos que nela vivem durou entorno de duas horas e reuniu organizações, apoiadores e militantes da causa indígena e ambiental. Foto: Adi Spezia/Cimi

O ato em defesa da Amazônia e dos povos que nela vivem durou entorno de duas horas e reuniu organizações, apoiadores e militantes da causa indígena e ambiental. Foto: Adi Spezia/Cimi

A abertura de novas estradas e o aparecimento de acampamentos nas áreas protegidas de floresta são alguns dos sinais de que esse processo foi iniciado. A Anistia Internacional documentou como estas atividades se tornaram comuns na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, grande parte da qual coincide com o Parque Nacional de Pacaás Novos, onde um agente ambiental federal afirmou que mais de 40 km de novas estradas foram abertas desde 2017.

Outro indicador de que grileiros e fazendeiros ilegais estão tentando se apropriar de terras é o cercamento e a queima de áreas extensas de floresta. A Anistia Internacional presenciou essas práticas e gravou imagens com drone dessas atividades na Terra Indígena Manoki, em Mato Grosso, no dia 23 de agosto de 2019.

Um líder Manoki relatou à Anistia Internacional que essas ações ocorriam como parte dos esforços intensificados de fazendeiros para destruir as florestas protegidas e transformá-las em áreas de pastagem. A organização observou a presença de gado pastando em pelo menos seis diferentes locais dentro da Terra Manoki.

“As imagens de satélite registraram que os locais incendiados estavam bem ao lado de onde bovinos pastavam livremente nas áreas protegidas”

Analisando dados de sensoriamento remoto sobre queimadas e imagens de satélite das cinco áreas, a Anistia verificou o surgimento de um padrão característico. Em várias ocasiões, as imagens de satélite registraram que os locais incendiados estavam bem ao lado de onde bovinos pastavam livremente nas áreas protegidas. Em alguns casos, os prováveis caminhos que os bovinos percorreram em locais que haviam sido recentemente queimados eram visíveis.

 

Intimidações por invasores armados

Moradores indígenas e tradicionais de quatro das cinco áreas protegidas contaram à Anistia Internacional que novas invasões costumam ser acompanhadas por violências, ameaças e intimidações. Na quinta área, a Reserva Extrativista do Rio Jacy-Paraná, praticamente todos os habitantes originais já foram expulsos à força e têm medo de retornar, pois os invasores armados envolvidos na criação de gado estão vivendo na terra deles.

“Fomos cercados pelos invasores. Trinta e dois homens, maioria encapuzados, chegaram a pé por trás da gente, com garrafas de gasolina”

 Há anos lideranças indígenas tem denunciado a invasão de seus territórios. Foto: Adi Spezia/Cimi

Há anos lideranças indígenas tem denunciado a invasão de seus territórios. Foto: Adi Spezia/Cimi

Os órgãos governamentais responsáveis por proteger as áreas protegidas também se tornaram alvos. Um agente ambiental que trabalha próximo à Terra Uru-Eu-Wau-Wau relatou à Anistia Internacional:

“Fomos cercados pelos invasores. Trinta e dois homens, maioria encapuzados, chegaram a pé por trás da gente, com garrafas de gasolina… Tinha muita gritaria e ameaças, e nos chamavam de ‘bandidos’”. A situação de tensão se prolongou por mais de uma hora até que os agressores se afastaram. Semanas depois, eles começaram a mandar mensagens de áudio ameaçando os agentes com mais violências.

Em alguns casos, como da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, as ameaças de violência armada contra os povos indígenas e os servidores dos órgãos de proteção ambiental foram tão graves que as Forças Armadas e a Polícia Federal tiveram que intervir.

“Por suas palavras e ações, o Presidente Bolsonaro desqualificou repetidamente as autoridades que tem o dever de proteger a Amazônia e seus moradores, conforme exigido pela Constituição e são parte importante das estratégias de preservação ambiental”, pontuou Jurema Werneck.

 

Facilitando a pecuária bovina ilegal

A pesquisa da Anistia Internacional revelou que o governo Bolsonaro não está apenas cortando os recursos e enfraquecendo os órgãos de proteção indígena e ambiental, mas que alguns órgãos públicos estaduais estão efetivamente facilitando a criação de bovinos em áreas protegidas.

Legislações estaduais requerem que os órgãos de controle de saúde animal visitem as fazendas e rastreiem a movimentação dos bovinos.

Com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), a Anistia Internacional fez duas solicitações às autoridades estaduais de Rondônia e Mato Grosso para acessar os dados referentes ao número de bovinos nas áreas protegidas e à movimentação dos animais. A agência de defesa sanitária animal de Rondônia respondeu ao pedido com dados incompletos. Embora tenham recebido cinco diferentes requerimentos da LAI, as autoridades do Mato Grosso se recusaram a compartilhar quaisquer informações.

“A população tem o direito de saber que está havendo criação de bovinos em áreas protegidas e que é uma atividade criminosa”

Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, no ato em defesa da Amazônia e dos povos que nela vivem. foto: Adi Spezia/Cimi

Os dados que a Anistia Internacional obteve referentes a Rondônia mostram que, em novembro de 2018, havia mais de 295.000 cabeças de gado em terras indígenas e unidades de conservação nesse estado.

“A população tem o direito de saber que está havendo criação de bovinos em áreas protegidas – afinal, trata-se de uma atividade criminosa. As autoridades brasileiras devem tornar públicas essas informações e tomar as medidas necessárias para pôr fim à pecuária ilegal nas áreas protegidas”, disse Richard Pearshouse.

“Este relatório faz parte da nossa pesquisa em andamento sobre as consequências da pecuária bovina e do desmatamento ilegais na Amazônia brasileira. Que as empresas deste setor estejam avisadas: a vigilância pública sobre a indústria de produção bovina vai aumentar”, completou Pearshouse.

“Pedimos às pessoas que ajam agora, exigindo que o Presidente Bolsonaro garanta a proteção dos territórios indígenas, tradicionais, quilombolas, ribeirinhos entre outros, além das reservas ambientais, realize monitoramento e patrulhas suficientes para evitar invasões de terra e responsabilize os autores de incêndios ilegais, desmatamento e subdivisões ilegais de terra, conforme relatado por dados desta pesquisa aqui apresentada”, finalizou Jurema Werneck.

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