06/11/2019

Alegando “desinteresse”, Funai desiste de processo no TRF-4 contra reintegração de posse da TI Palmas

A comunidade Kaingang solicitou ao MPF que retome a ação e investigue a conduta do presidente da Funai

Povo Kaingang manifesta-se em Brasília. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Povo Kaingang durante manifestação por seus direitos territoriais, em Brasília. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

Alegando “desinteresse”, a Fundação Nacional do Índio (Funai) desistiu de ação judicial referente a reintegração de posse parte de uma sentença envolvendo a anulação da demarcação da Terra Indígena Palmas, do povo Kaingang, localizada no município de Palmas, no Paraná. O processo tramita no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

A Funai havia acabado de conseguir suspender a reintegração, a partir de uma ação rescisória, mas mesmo assim pediu, no início de outubro, “a homologação judicial da desistência independentemente da anuência da parte requerida, com a consequente extinção do processo”. No protocolo, o órgão alegou desinteresse na ação. O desembargador Rogério Favreto atendeu à solicitação de desistência e extinguiu a ação sem resolução do mérito.

Favreto atendeu também ao pedido da Funai de “revogação da tutela antecipada concedida”, ou seja, significa que o desembargador caçou a sua própria decisão liminar suspendendo os efeitos do acórdão do TRF-4, que anulou a demarcação da Terra Indígena Palmas, colocando novamente a comunidade Kaingang sob risco de sofrer a reintegração de posse como parte da execução da sentença.

A comunidade Kaingang e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) solicitaram ao Ministério Público Federal (MPF) que retome a ação e a instauração de um procedimento para investigar a conduta do presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, “ante os indícios de improbidade administrativa ou existência de conflito de interesse”.

Ação judicial bem encaminhada

Em 2007, a Terra Indígena Palmas foi homologada e registrada em cartório com 3.770 hectares. O caminho foi longo, iniciado em 2002 com a publicação do relatório circunstanciado de identificação e delimitação. No entanto, um fazendeiro entrou na Primeira Vara Federal da Subseção Judiciária de Pato Branco com uma ação anulatória do ato administrativo, em vista de 70 hectares que considera ser dono.

A ação tinha como argumento central a inexistência de ocupação indígena na área denominada Terra Indígena Palmas, do povo Kaingang, na data da promulgação da Constituição Federal. A Justiça Federal de Pato Branco sentenciou o processo a favor do fazendeiro, sem realizar perícia judicial ou produzir outras provas.

“Também não ouviu a comunidade indígena, declarando nulo o processo administrativo de demarcação e o registro em cartório da Terra Indígena Palmas, já realizado em nome da União para usufruto exclusivo dos indígenas”, conforme a Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que faz a defesa da comunidade Kaingang.

A Funai, União e o MPF apelaram, mas a decisão de primeira instância foi mantida pelo TRF-4. Em seguida, foram interpostos os recursos especial e extraordinários, onde, em ambos casos, os Tribunais Superiores ratificaram a decisão colegiada do Tribunal Regional. O processo transitou em julgado no dia 4 de abril de 2019 e foi aberto procedimento para o cumprimento de sentença na Vara Federal de Pato Branco.

Então a comunidade e o Cimi entraram com uma ação rescisória no Supremo Tribunal Federal (STF) e a Funai com outra no TRF-4, onde obteve a decisão do desembargador suspendendo os efeitos do acórdão.

O jogo virou a favor dos Kaingang no STF em 4 de setembro de 2019. A ministra Carmen Lúcia suspendeu os efeitos da decisão transitada em julgado, proferida na Ação Anulatória, a pedido da defesa dos Kaingang. A ministra determinou ainda a comunicação da decisão, com urgência, à Vara Federal de Pato Branco e assim os indígenas não correriam mais risco iminente de despejo.

Decisão política que precisa ser investigada

Para o secretário-executivo do Cimi, Antonio Eduardo Cerqueira de Oliveira, o abandono da ação se trata de uma decisão política do presidente da Funai baseada na orientação vigente do governo federal contra a posse dos indígenas de suas terras tradicionais. “Esse episódio envolvendo o processo de Palmas, referente aos Kaingang, é algo inédito e altamente prejudicial ao povo indígena”, explica.

Como contradiz a função do órgão e a ação judicial versa sobre um patrimônio da União, de acordo com o missionário é importante que haja uma investigação para apurar se houve improbidade administrativa por parte do presidente da Funai e para que não se torne uma prática comum.

“Há uma ação de esvaziamento da Funai, responsável pela proteção dos territórios e dos direitos indígenas. Demitindo servidores, nomeando outros sem o compromisso com a questão indígena, evidenciando assim a entrega do órgão para os ruralistas e tirando da Funai sua principal finalidade; ao contrário, o órgão passa a defender os interesses dos ruralistas”, diz Oliveira.

De acordo com o secretário-executivo do Cimi, a retirada dos territórios da posse e usufruto exclusivo dos povos “parece o principal objetivo dos indicados ruralistas que atuam dentro da Funai”. O que se contrapõe à missão institucional do órgão. “A ação da Funai de proteção e garantia dos direitos dos povos indígenas é norteada pela Constituição Federal e a sua ação administrativa regulamentada pelo Decreto 1775”, pondera o secretário-executivo do Cimi.

Ao contrário do que integrantes do governo federal dizem “não existe nenhuma ilegalidade na atuação do órgão na defesa dos territórios e na defesa dos povos indígenas. Pelo contrário, são as principais finalidades e obrigações do órgão. O que amplia o absurdo da decisão política de desistência da ação pela atual direção”, conclui.

Sem respostas

A Funai declarou, pela assessoria de comunicação do órgão, que “em questões judiciais a Funai é representada pela Procuradoria Federal Especializada, PFE, que é subordinada à Advocacia Geral da União – AGU. A instituição conta com Assessoria de Comunicação própria. Sugerimos que entre em contato com a ASCOM-AGU em busca das informações que deseja”.

A AGU, por sua vez, não respondeu aos questionamentos da reportagem até a publicação desta matéria, mesmo após contatos por e-mail e telefone com a assessoria de comunicação. O Ministério da Casa Civil e o Ministério da Justiça também foram acionados, mas não se pronunciaram.

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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