Violência contra povos indígenas no Brasil é tema de debate em evento simultâneo ao Sínodo da Amazônia
A crescente violência contra os povos indígenas foi tema de debate na noite de ontem (11), em Roma. “Eu não sei se teve algum ditador que fez o que fazemos com os povos indígenas e afros”, questionou dom Roque Paloschi.
ROMA – O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apresentou ontem (11) em evento simultâneo ao Sínodo da Amazônia o Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no brasil – dados 2018. O instrumento foi trazido em um momento onde o mundo volta os olhares para a floresta Amazônica e para os povos que nela vivem. A publicação anual do Cimi constata o substancial aumento da grilagem, do roubo de madeira, do garimpo, das invasões e até mesmo da implantação de loteamentos em seus territórios tradicionais.
“Eu sai da minha aldeia e vim até esse espaço porque o nosso país virou as costas para nós. O Governo pisa no nosso direito, retira nosso direito e leva para dentro das nossas aldeias a mineração, o agronegócio, a morte”, comentou Jair Maraguá, líder indígena no Amazonas. “Eu peço que se faça alguma coisa pelos povos indígenas, pelos quilombolas, ribeirinhos, para aqueles que defende a floresta, a Amazônia”, advertiu.
Elza Nâmnâdi, do povo Xerente, trouxe ao debate a realidade do Tocantins, estado com maior número de pressões por especulação imobiliária e exploração madeireira, segundo o relatório. “Sofremos devido as monoculturas, as plantações de cana de açúcar, de soja e eucalipto. Eles largam agrotóxico com avião encima das aldeias. O agrotóxico vem pelo ar”, lamentou a liderança indígena ao lembrar também do Matopiba, projeto de expansão da fronteira agrícola para os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Lideranças de vários povos têm denunciado os graves problemas causados pelo atual modelo de produção agrícola implementado pelo agronegócio. O relatório apresentado traz casos de contaminação das nascentes nos limites das terras indígenas e os aviões fazem as aplicações de agrotóxicos. Só no Tocantins foram registrados pelo Cimi oito casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio.
“A vontade do Governo brasileiro é acabar com a vida dos povos indígenas” – Elza Xerente
Dom Roque Paloschi, presidente do Cimi e presente no Sínodo, chamou atenção para uma conjuntura de preconceitos e racismos vividas no Brasil. “Vivemos em um país discriminatório e preconceituoso. Os povos indígenas e negros sabem o que significa racismo diário. Eu não sei se teve algum ditador que fez o que fazemos com os povos indígenas e afros”, questionou o arcebispo de Porto Velho (RO). Paloschi apontou preocupações com as políticas que rondam os três poderes do Estado. “As terras indígenas são terras da União. Aqueles que deveriam estar cuidando do patrimônio público estão fazendo justamente ao contrário, entregando nas mãos de iniciativas privadas de maneira gratuita e criminosamente”, comentou. “Hoje estamos preocupados em relação ao Marco Temporal. Se isso passar será uma tragédia aos povos indígenas, que eram tutelados até 1988 e não podiam reivindicar seus territórios”.
A tese do Marco Temporal, amplamente defendida por ruralistas e setores como mineração, busca alterar a Constituição Federal e a lei de demarcação de terras indígenas. A manobra do agronegócio alega ser necessário uma data específica para servir de “marco” ao reestabelecer um limite para que os indígenas tenham direito a suas terras. Os ruralistas defendem que esse marco temporal deveria ser o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, e que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse nesta data.
Violações de Direitos
No último ano foram registrados 109 casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio”, enquanto em 2017 haviam sido registrados 96 casos. Nos nove primeiros meses de 2019, dados parciais e preliminares do Cimi contabilizam, até o lançamento do relatório, 160 casos do tipo em terras indígenas do Brasil.
“O desgoverno do Brasil encontra brechas para ferir a Constituição Federal” – Adriano Karipuna
Um dos casos mais emblemáticos de invasões a territórios indígenas é o do povo Karipuna. Adriano, um dos líderes do povo, relatou no lançamento do Relatório as ameaças que vivem em um território demarcado há 20 anos. “Presenciamos madeireiros retirando árvores em plena luz do dia”.
A Terra Indígena Karipuna é estrato da crescente pressão exercida por madeireiros e grileiros que invadem os territórios tradicionais na Amazônia. “Viemos até o Sínodo denunciar as violências e os esbulhos possessórios, as expulsões dos indígenas e as ameaças que sofremos em nosso território”, pontuou Adriano. “Nos últimos nove meses de governo cresceu muito as invasões em nosso território e quando denunciamos somos chamados de criminosos”.
O indígena lembrou ainda das queimadas criminosas ocorridas no último mês. “Foram mais de 30 focos de queimadas em torno da Terra Indígena Karipuna. Isso é o que chamam de desenvolvimento?, questionou. “Sabemos das artimanhas do Governo Federal que desrespeitam as convenções internacionais, como a 169 da Organização Internacional do Trabalho. Não aceitaremos Marco Temporal, nosso direito de viver não iniciou em 1988. Marco temporal é uma proposta que nos violenta”, firmou a liderança.
“Somos governados por uma facção criminosa” – Ir. Laura Vicuña
“Atualmente, as constantes invasões e a incapacidade do Estado em garantir a proteção da terra e do povo colocam os Karipuna, mais uma vez, sob a real ameaça de um genocídio” escreve Laura Vicuña em artigo publicado no Relatório apresentado ontem. “Trata-se de um crime ambiental organizado por grupos econômicos que se sentem seguros e protegidos a agir impunemente dentro da TI Karipuna e de outras terras indígenas em Rondônia, deixando um amplo rastro de destruição e ameaçando a integridade física de diversos povos e de seus aliados”.