09/10/2019

Povo Guarani decide ingressar com pedido de Amicus Curiae em ACO que delibera sobre seu território tradicional

O pedido, feito pela Comissão Guarani Yvy Rupa, está entre as deliberações da Assembleia de Lideranças Guarani do Oeste do Paraná, realizada neste final de semana

Assembleia do Povo Guarani. Foto: Povo Guarani

Assembleia do Povo Guarani. Foto: Povo Guarani

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

Lideranças Guarani do Oeste do Paraná se reuniram em assembleia, no último fim de semana, 5 e 6 de outubro, para discutir sobre os “31 anos da Constituição Federal de 1988 e o Direito do Povo Guarani”. Com a participação dos Guarani de Guaíra, Terra Roxa, Diamante D`Oeste, Santa Helena e Itaipulândia, lideranças da Comissão Guarani Yvy Rupa de Santa Catarina e São Paulo, deliberaram por ingressar com pedido de Amicus Curiae na Ação Civil Originária 3300 (ACO 3300), que delibera sobre o território tradicional dos Guarani dessa região.

O encontro reuniu, além dos povos Guarani, representantes do Ministério Público Federal, João Akira Omoto e Luciana Ramos, antropóloga; da Defensoria Pública da União, Larissa de Sousa Moisés; Fundação Nacional do Índio, Diogo de Oliveira; Conselho Indigenista Missionário; Centro de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental; Centro Trabalho Indigenista; Pastoral Indigenista da Diocese de Foz do Iguaçu; políticos; professores e alunos da Universidade Federal da Integração Latino-Americana e Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

Os Guarani buscam o acesso à justiça para que tenham sua existência, identidade e presença nos territórios tradicionais reconhecidos. Foto: Povo Guarani

Os Guarani buscam o acesso à justiça para que tenham sua existência, identidade e presença nos territórios tradicionais reconhecidos. Foto: Povo Guarani

Movida pela Procuradoria Geral da República (PGR), a ACO 3300 responsabiliza a União, estado do Paraná, Fundação Nacional do Índio (Funai), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Itaipu Binacional por danos causados pela Usina Hidrelétrica (UHE) de Itaipu ao Povo Avá-Guarani.

Os Guarani buscam o acesso à justiça para que tenham sua existência, identidade e presença nos territórios tradicionais reconhecidos. A construção da usina resultou na remoção forçada dos indígenas de seus territórios tradicionais e na violação dos seus direitos. Direitos os quais buscam reaver fazendo parte do processo e sendo ouvidos pela corte suprema.

O primeiro dia do encontro foi dedicado à discussão e entendimento da ACO 3300. Ação Civil Originária em que, a então, procuradora-geral da República, Raquel Dodge, no dia 9 de setembro de 2019, pediu a condenação da União, do estado do Paraná, da Funai, do Incra e da Itaipu por danos causados aos Guarani quando da construção da hidrelétrica. A medida busca reparar violações de direitos sofridas pelos indígenas desde a construção da usina (1978 – 1982), e que persistem até os dias atuais. Muitos deles foram expulsos e excluídos dos processos de reassentamento e reparação promovidos pelo Estado brasileiro, aponta a PGR.

“Tivemos impactos não só materiais, mas também morais e inclusive espirituais e esses sofrimentos não são resolvidos apenas com dinheiro”

A construção da Itaipu afetou diretamente a vida, cultura e espiritualidade da comunidade. Foto: Povo Guarani

A construção da Itaipu afetou diretamente a vida, cultura e espiritualidade da comunidade. Foto: Povo Guarani

O pedido da PGR foi um avanço significativo no processo, porém os Guarani têm ciência de que a luta será longa.  Akira destaca o encerramento do ciclo de estudos, a entrada da ação no Supremo Tribunal Federal e a necessidade da comunidade indígena fazer parte desse processo, acompanhando-o bem de perto.

Após os dois dias de diálogos e aprofundamento a comunidade deliberou pelo ingresso do Povo Guarani e da Comissão Guarani Yvy Rupa (CGY) como Amicus Curiae – amigos da corte – na ACO 3300. Outra deliberação foi a construção da Carta das Lideranças Avá-Guarani do Oeste do Paraná para comunicar as definições da assembleia.

No documento a comunidade destaca ter ouvido e revivido os relatos dos xeramõi e xejaryi, anciões e anciãs que ainda guardam na memória as violações históricas contra seu povo. “Tivemos impactos não só materiais, mas também morais e inclusive espirituais e esses sofrimentos não são resolvidos apenas com dinheiro”, apontam os Guarani no documento. A cultura e a espiritualidade também foram violadas, como a inundação dos cemitérios e os locais sagrados que deixaram de existir, como foi o caso das Sete Quedas, local sagrada para os Guarani.

Confira o documento final do encontro:

Carta das Lideranças Avá-Guarani do Oeste do Paraná

“Nos lideranças Avá-Guarani das Terras Indígenas Guasu-Guavirá e Ocoy-Jacutinga, nos municípios de Guaíra, Terra Roxa Santa Helena, Itaipulândia Diamante D’Oeste e São Miguel do Iguaçu, nos reunimos nos dias 05 e 06 de outubro de 2019, em reunião organizada para discutir sobre os “31 anos da constituição federal de 1988 e o direito do povo Guarani” onde discutir na nossa frente da ação civil originária 3300 proposta pela procuradoria geral da república perante o Supremo Tribunal Federal, em conjunto a nossa organização comissão Guarani Yvyrupa.

Ouvimos e revivemos os relatos dos nossos Xeramois e Xejaryis, (nossos anciãos e anciãs) que ainda guardam na memória as violações históricas praticadas contra o nosso povo, que seguem até os dias de hoje. Nesse sentido, são muitas as memórias sobre os impactos gerados com a construção da Usina Hidrelétrica da Itaipu Binacional, as remoções forçadas, a negação da nossa identidade e dados produzidos de maneiras equivocadas a nosso respeito. Relembramos das aldeias alagadas a falta de licenciamento ambiental com a necessária oitiva das comunidades, a ausência das consultas prévias livre e informada às nossas famílias, incêndios gerados pela própria construtora junto ao Incra para a expulsão dos indígenas da região. Nossa cultura nossa e espiritualidade também foram violados, com cemitérios completamente inundados e os locais sagrados que igualmente deixaram de existir, como foi o caso das Sete Quedas, lugar de especial importância para nós e que impactam até hoje o nosso nhandereko. Tivemos impactos não só materiais, mas também morais, culturais e, inclusive espirituais e esse sofrimentos não são resolvidos apenas com dinheiro.

Reunidos aqui hoje, decidimos pelo nosso ingresso como litisconsórcio ativo na referida ação. Seguimos não apenas os pedidos feitos pela Procuradoria Geral da República, mas também o direito constitucional de representação direta de nossos interesses em âmbito processual – como garante o artigo 232 da Constituição Federal.

Decidimos por meio desta carta que nossa representação na ACO 3300 deverá ocorrer por meio dos advogados que nomeamos e constituímos neste encontro, Carlos Frederico marés de Souza Filho, [email protected], inscrito na OAB-PR n. 8277; Manuel Caleiro, [email protected], inscrito na OAB-SP n. 258213; André Halloys Dallagnol, [email protected], inscrito na OAB-PR n. 54.633, cedendo-lhes poderes para nos representar no foro em geral com cláusula ad-judicia et extra, em qualquer Juízo, Instância ou Tribunal, conferindo amplos poderes, em especial para receber citações, intimações, podendo agir em juízo ou fora dele, assim como substabelecer com ou sem reserva de iguais poderes, para atuar em conjunto ou separadamente na ACO 3300.

Assinam aqui representantes das tekohas impactadas pela ACO 3300. Reiterando nosso direito de poder nos manifestar no processo, como parte diretamente interessada que somos.

Terra Indígena Guasu-Guavirá Terra Indígena Guasu Ocoy-Jacutinga

São Miguel do Iguaçu, 06 de outubro de 2019

 

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