21/10/2019

Grupo de padres sinodais renova o “Pacto das Catacumbas” por uma igreja pobre para os pobres

Seguindo os passos de alguns dos Padres conciliares, em 1965, um grupo de participantes no Sínodo sobre a Amazônia foi às Catacumbas de Domitilla para reafirmar a opção preferencial pelos pobres.

Leigos e leigas, bispos, cardeais e padres assinaram o Pacto que renova o compromisso da Igreja com os pobres. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Por Silvonei José e Amedeo Lomonaco, da Vaticano News

A Igreja renova, no mesmo lugar e com o mesmo espírito, o forte compromisso assinado em 16 de novembro de 1965, poucos dias antes do encerramento do Concílio Vaticano II. Foi o dia em que 42 padres conciliares celebraram a Eucaristia nas catacumbas de Domitilla para pedir a Deus a graça de “ser fiel ao espírito de Jesus” no serviço aos pobres. Foi assinado o documento “Pacto por uma Igreja serva e pobre”: o compromisso assumido foi o de colocar os pobres no centro da pastoral. O texto, também conhecido como “Pacto das Catacumbas”, teve a adesão de mais de 500 padres conciliares.

Passos do Concilio e novos caminhos

Depois de 54 anos, a herança dos Padres conciliares foi assumida por um grupo de participantes no Sínodo dos Bispos para a região pan-amazônica, focalizado no tema: “Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. O espírito daquele dia vivido em 1965 nas Catacumbas de Domitilla foi renovado. Na manhã deste domingo, na presença de dezenas de pessoas – entre os quais mais de 40 padres sinodais -, o cardeal Claudio Hummes, relator-geral do Sínodo para a Amazônia, presidiu a Santa Missa no mesmo lugar, o maior e mais antigo cemitério subterrâneo de Roma. E foi precisamente nas Catacumbas de Domitilla, estabelecendo uma forte ligação com o documento assinado em 1965, que foi assinado um documento intitulado “Pacto das Catacumbas pela Casa Comum”.

A novidade é que não foram somente os padres sinodais a assinar o documento, mas todos os participantes – sacerdotes, religiosos, religiosas, leigos – afirmando a sua adesão ao Pacto em prol da Casa Comum. Presentes também representantes da Igreja Anglicana e da Assembleia de Deus.

Cardeal Hummes: É preciso crer fortemente na oração

Durante a missa o cardeal Hummes no início da sua homilia falou desse “momento comovente e significativo”. Depois de recordar que a Santa Missa é uma memória sacramental, memória de Jesus Cristo e que as Catacumbas eram cemitérios antigos dos romanos e dos primeiros cristãos que enterravam seus mártires, afirmou que todos os presentes se encontravam numa terra santa, “essa que nós pisamos aqui é verdadeiramente terra santa”.

O cardel Hummes continuou afirmando que as Catacumbas nos recordam os primeiros tempos da Igreja, da comunidade de discípulos e discípulas de Jesus em Roma. “Tempos difíceis, de perseguição, mas também de muita persistência, de muita fé, de muito testemunho. Por isso muitos morreram, por causa de seu testemunho. Tudo isso nos deve dar força, nos deve inspirar, pedindo para que Deus nos fortaleça, como ele fortalecia os cristãos daquela época”.

“A Igreja sempre vai se reformando através dos tempos”

Cardeal Cláudio Hummes usou na celebração a estola de Dom Helder Câmara. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

A Igreja sempre vai se reformando através dos tempos – sublinhou -; ela deve sempre voltar às suas raízes que estão aqui e em Jerusalém, para se inspirar em qualquer tipo de reforma. Também as reformas que o Papa Francisco quer fazer e está fazendo devem se inspirar e se inspiram,  certamente, nos tempos primitivos da Igreja. O Papa sempre diz isso, que é preciso purificar a Igreja das coisas que são meramente culturais de uma época que já passou, são coisas históricas, para de novo redescobrir aquilo que é o grande fulcro da mensagem de Jesus e encarná-lo no nosso tempo, na nossa cultura, nas nossas aspitações, na nossa maneira de vivermos a fé”.

Depois de recordar que as leituras do dia falam principalmente da oração, da pregação da Palavra sem medo, “com profunda fé, devemos nós mesmos nos deixar invadir por essa Palavra e proclamar essa Palavra à qual aderimos”. É preciso crer fortemente na oração, afirmou. “Que essa missão continue, principalmente lá na Amazônia, e leve pouco a pouco a Igreja a se desenvolver nestas regiões. Neste Sínodo pedimos novos caminhos, melhores condições para podermos realizar a nossa missão, a missão de proclamar a Palavra”.

“O que mais se opõe ao reino de Deus é o dinheiro e o desejo de acumular riqueza, às custas dos outros, às custas da natureza”

Insistir, disse dom Cláudio, de modo oportuno ou inoportuno, porque às vezes devemos falar de modo inoportuno. Para aqueles que se opõem ao Reino de Deus, o que mais se opõe ao reino de Deus é o dinheiro e o desejo de acumular riqueza, às custas dos outros, às custas da natureza. “Todas as grandes maldades do mundo são por causa do dinheiro; é a corrupção, é o roubo, guerras, conflitos, são mentiras. Tudo para juntar dinheiro, para ganhar dinheiro às custas de qualquer coisa. O dinheiro é o grande inimigo de Jesus, pois você não pode servir a Deus e ao dinheiro”.

Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

A Igreja deve ser sempre orante – voltou a dizer o cardeal Hummes – , em certas épocas mais do que em outras. Nós aqui devemos acreditar na oração por esse Sínodo, na força da oração. “Não somente estar aqui para discutirmos, debatermos e depois chegarmos a uma grande comunhão ao redor do texto final, mas rezar, pedir a Deus luzes, pedir a Deus adesão à sua inspiração, ao seu Espirito. Escutar o Espírito, escutar os nossos povos da Amazônia, escutar os gritos da terra. Termos essa abertura. A oração nos prepara para isso. Deus atende as orações”.

Dom Cláudio pergunta, recordando o texto do Evangelho sobre o juiz iníquo, sobre a realidade dos pobres: será que Deus vai fazê-los esperar, será que Deus vai fazer esperar os pobres e sofridos? Deus irá fazer esperar os nossos indígenas? Não, diz Jesus, Deus não os fará esperar. Na oração devemos ter essa certeza de que Deus não os fará esperar: “eu vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa”.

“Eu tenho certeza que esse Pacto das Catacumbas é algo que nos vai ajudar muito para estarmos unidos neste trabalho todo”.

Concluiu recordando que ele estava usando a estola que pertenceu a Dom Hélder Câmara. “Uma relíquia, que eu me sinto muito emocionado de estar usando. Dom Hélder nos dá esse grande exemplo, nos lembra do Vaticano II e toda obra que o Vaticano II fez.

“O Sínodo é produto do Vaticano II, ele é o fruto do Vaticano II, é um levar a efeito o Vaticano II”

“Isso é muito importante a gente ver essa referência, essa relação que tem: são os frutos, são as formas como o Vaticano II já nos indicava. Certamente temos também as nossas assembleias latino-americanas e outras também, mas é o Vaticano II que está ai. E ai temos a figura de Dom Hélder no Vaticano II recordando sempre que a Igreja não pode se esquecer dos pobres.

Dom Cláudio concluiu recordando uma entrevista recente do superior dos lefrevianos que dizia para aqueles que eram contra o Sínodo: “vocês não podem ser contra o Sínodo, o que é isso. Como é que vocês são contra o Sínodo, porque o Sínodo é um fruto legítimo do Vaticano II. Nós não. Nós somos contra porque éramos contra o Vaticano II, mas vocês não podem ser contra”. Devemos dar graças a Deus por esse fruto belo do Vatino II, conclui dom Cláudio.

O Pacto das Catacumbas pela Casa Comum

No documento assinado neste domingo, os participantes no Sínodo sobre a Amazônia recordam que partilham a alegria de habitar em meio a numerosos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, migrantes, comunidades na periferia das cidades desse imenso território do Planeta. Com eles – afirmam – experimentaram a força do Evangelho que atua nos pequenos. “O encontro com esses povos nos interpela e nos convida a uma vida mais simples de partilha e gratuidade.  Marcados pela escuta dos seus clamores e lágrimas, acolhemos de coração as palavras do Papa Francisco: “Muitos irmãos e irmãs na Amazônia carregam cruzes pesadas e aguardam pela consolação libertadora do Evangelho, pela carícia de amor da Igreja. Por eles, com eles, caminhemos juntos”.

Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO) e presidente do Cimi. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Os signatários do documento se comprometem a “renovar a opção preferencial pelos pobres”, a abandonar “todo tipo de mentalidade e atitude colonial” e a proclamar “a novidade libertadora do Evangelho de Jesus Cristo”. Comprometem-se também a reconhecer “os ministérios eclesiais já existentes nas comunidades” e a buscar “novos caminhos de ação pastoral”.

A Aliança para uma Igreja Serva e Pobre

Por isso, o dia de hoje está ligado ao dia 16 de Novembro de 1965 e, sobretudo, ao “Pacto das Catacumbas” que contém uma exortação dirigida aos “irmãos no episcopado” a levar uma “vida de pobreza”, a ser uma Igreja “pobre e serva”, segundo o espírito proposto pelo Papa João XXIII. Dois meses antes dessa celebração, o Papa Paulo VI tinha ido às Catacumbas e tinha afirmado:

Aqui o cristianismo afundou as suas raízes na pobreza, no ostracismo dos poderes estabelecidos, no sofrimento das perseguições injustas e sangrentas; aqui a Igreja foi despojada de todo o poder humano, foi pobre, humilde, piedosa, oprimida, heróica. Aqui o primado do espírito, de que nos fala o Evangelho, teve a sua obscura, quase misteriosa, afirmação, o seu testemunho incomparável, o seu martírio.

Uma Igreja pobre para os pobres

O compromisso assumido pelos Padres conciliares em 1965 foi também um dos primeiros desejos expressos pelo Papa Francisco logo após a sua eleição para o trono de Pedro. É 16 de março de 2013: ao receber os representantes da mídia na Sala Paulo VI o Santo Padre afirma: “Como eu gostaria uma Igreja pobre e para os pobres!

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