15/10/2019

Após ação de retorno ao seu território tradicional, povo Kinikinau renasce e fortifica sua resistência

A sexta Grande Assembleia do povo Kinikinau ocorreu de 7 a 11 de outubro e reforçou luta do povo por terra e direitos

Sexta Grande Assembleia do povo Kinikinau. Foto: Lídia Farias/Cimi regional MS

Sexta Grande Assembleia do povo Kinikinau. Foto: Lídia Farias/Cimi regional MS

Por Lídia Farias, do Cimi Regional Mato Grosso do Sul

De 7 a 11 de outubro, na aldeia Mãe Terra, Terra Indígena (TI) Cachoeirinha, em Miranda (MS), o povo Kinikinau realizou a sua sexta Grande Assembleia, com o tema Uti Koinukonoen Gonokopatimo mboke’exa (povo Kinikinau: Lutando por seu território tradicional). A assembleia contou com participação de lideranças, anciões, jovens, mulheres e crianças das aldeias por onde vive o povo Kinikinau, bem como com a participação de representantes dos povos Terenas e Kaiowá e Guarani de Mato Grosso do Sul.

Desde a chegada das delegações na aldeia Mãe Terra, território Terena que acolhe o povo Kinikinau desde 2006, podia-se notar diferenças no comportamento do povo Kinikinau, que iam desde a organização da estrutura da assembleia até as apresentações culturais desse povo. A dança tradicional apresentada na abertura contou com a participação massiva dos membros do povo. Mais de 70 pessoas, entre homens, mulheres, idosos e crianças afirmavam o seu jeito de ser Kinikinau, alegres, firmes e entoando no som da flauta feita de taboca/bambu e cera de abelha e da pepêke (caixa feita de madeira e pele de animal), instrumentos musicais tradicionais deste povo. Seguiam no mesmo passo, envolvendo todos que ali estavam observando-os.

Em assembleias anteriores, esta dança era apresentada com muita timidez pelas crianças e estudantes Kinikinau. Esta timidez ficou para trás, assim como também ficou para trás o medo do povo Kinikinau em falar a sua língua tradicional. A sexta assembleia ficou marcada com as falas das lideranças e jovens na sua língua materna. Era bonito de ver o povo Terena compreendendo a língua Kinikinau, o que mostra que estes dois povos são distintos, mas a proximidade de seus territórios e a convivência entre ambos fez com que um povo compreendesse o idioma do outro.

“Repudiamos veementemente a tese do marco temporal, que tem causado muito sofrimento aos nossos parentes Kaiowá e Guarani e Terena por querer negar os direitos a seus territórios tradicionais”

Sexta Grande Assembleia do povo Kinikinau. Foto: Lídia Farias/Cimi regional MS

Sexta Grande Assembleia do povo Kinikinau. Foto: Lídia Farias/Cimi regional MS

É histórica a convivência entre estes dois povos, Terena e Kinikinau, inclusive na luta por seus territórios tradicionais. Zacarias, liderança da aldeia Mãe Terra, relatou durante a mesa conjuntura politica e indigenista do Brasil, realizada no dia 08, que desde os primeiros passos do povo Terena das aldeias da TI Cachoeira na luta pelo território, as lideranças buscaram o povo Kinikinau.

“Quando percebemos que o governo não ia reconhecer a nossa terra, decidimos ir à luta com as nossas próprias mãos, fomos ao encontro do povo Kinikinau na aldeia São João [lugar que acolheu parte do povo Kinikinau quando foram expulsos de suas terras] para pedir apoio a nossa retomada, e eles não mediram esforços para estar com a gente, eles vieram naquela época”, relatou Zacarias. “Hoje nós acolhemos aqui um bom grupo de famílias Kinikinau, mas eles, assim como nós Terena, têm o seu território Kinikinau”.

Os Kinikinau, durante a mesa território tradicional e estratégias de luta, também fizeram referência a esta relação de solidariedade e apoio do povo Terena. Manoel, liderança Kinikinau, agradeceu muito pelo apoio recebido de seus parentes Terena no dia 1º de agosto de 2019, quando o povo Kinikinau decidiu ocupar parte de suas terras na região do Agachi entre Aquidauana e Miranda.

“Pisei no território e senti renovação, senti a presença de nossos ancestrais. Obrigado a todos pelo apoio”, afirmou.

Ainda sobre os direitos dos povos indígenas, o povo Kinikinau repudiou as atrocidades do governo atual contra os seus direitos.

“Repudiamos o governo de Jair Bolsonaro, que dia após dia vem atacando os povos indígenas e seus direitos com várias formas de violência, promovendo invasões, ataques a comunidades, assassinatos de lideranças, crimes ambientais, mercantilização e o envenenamento da mãe terra”, afirmam os Kinikinau em seu documento final. “A Constituição Federal garante o usufruto exclusivo dos territórios indígenas pelos povos indígenas”, ressaltam.

“A Constituição Federal garante o nosso território, as nossas línguas, a nossa cultura, as nossas danças e as nossas crenças e nós não iremos mais viver distantes de nossos direitos, fora de nosso território tradicionais”

Sexta Grande Assembleia do povo Kinikinau. Foto: Lídia Farias/Cimi regional MS

Sexta Grande Assembleia do povo Kinikinau. Foto: Lídia Farias/Cimi regional MS

As mesas sobre políticas públicas, especialmente saúde e educação, foram de grande relevância, pois além de discutir melhorias, também se repudiou a violação do direito dos povos indígenas à consulta prévia, livre e informada, conforme prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na indicação dos nomes para ocupação dos cargos importantes para a implementação de tais políticas, como é o caso da exoneração do coordenado do Distrito Sanitário Especial Indígena do Mato Grosso do Sul (Dsei/MS) e de indicações políticas para os espaços de direção, coordenação e orientação pedagógica na educação escolar indígena no estado.

Destacou-se também, durante a assembleia, a mesa do dia 10 intitulada de tradições culturais do povo Kinikinau: história ancestral do povo. Tais histórias foram contadas por um grupo expressivo de anciões Kinikinau e Terena em suas línguas tradicionais. Os jovens escutavam atentamente e após cada fala traduziam-na para o público Puxarará (brancos) que ali estavam. Em sequência a este momento, foram realizadas oficinas das tradições destes povos, com a exposição de ferramentas e matéria prima utilizadas para a confecção da cerâmica Kinikinau e outros artefatos como quadros, pinturas e instrumentos musicais.

Com o canto de Dona Zeferina, anciã Kinikinau, que dizia “por um lugar para deixar nossas crianças, pela nossa cultura, pela nossa língua materna, pelos nossos ancestrais, seguiremos em luta pelo nosso território tradicional”, a 6ª Grande Assembleia do povo Kinikinau foi encerrada.

Confira abaixo o documento final da sexta Grande Assembleia do povo Kinikinau:

Sexta Grande Assembleia do povo Kinikinau. Foto: Lídia Farias/Cimi regional MS

Sexta Grande Assembleia do povo Kinikinau. Foto: Lídia Farias/Cimi regional MS

 

Documento Final da VI grande Assembleia kinikinau – Uti Koinukonoen Gonokopatimo mboke’exa – Povo Kinikinau lutando por seu território Tradicional.

De 07 a 11 outubro de 2019 na aldeia Mãe Terra, Terra Indígena Cachoerinha – Miranda/MS, nós povo Kinikinau, realizamos a nossa VI Uti Koinukonoen Gonokopatimo mboke’exa (assembleia do povo Kinikinau). Nossa Assembleia contou com a participação de representantes Terenas e Kaiowá e Guarani de MS, estiveram presentes também organizações Indígenas e Indigenistas como o CIMI, o CTI, O CONDISI/MS e o MPF na pessoa de Dr Emerson Kalif Siqueira e sua equipe.

Nós povo Kinikinau, desde nossa primeira assembleia realizada em 2014 reivindicamos a criação de um GT para fazer o estudo de nosso território tradicional, até 2019 não tivemos do Estado Brasileiro uma posição efetiva sobre reivindicação, por este motivo e cansados de esperar em 01 de agosto de 2019, decidimos depois de mais de 100 anos retornar ao nosso território tradicional. “pisei no nosso território e senti renovação e senti a presença de nossos ancestrais” afirma a liderança Kinikinau. Esta Felicidade durou pouco e logo fomo surpreendidos pela ação truculenta das policias do estado de MS que sem ordem judicial atacou idosos, mulheres e crianças.

Fomos expulsos de novo de nosso território tradicional, mais não iremos esperar mais o Estado e em breve retornaremos. A constituição federal de 1988 garante o nosso território, as nossas línguas, a nossa cultura, as nossas danças e as nossas crenças e nós não iremos mais viver distantes de nossos direitos fora de nosso território tradicionais.

Repudiamos o governo de Jair Bolsonaro que dia após dia vem atacando os povos indígenas e seus direitos com varias formas de violência promovendo invasões, ataques às comunidades, assassinatos de lideranças, crimes ambientais, mercantilização e envenenamento da Mãe Terra, a CF garante o uso fruto exclusivo dos territórios indígenas pelos povos indígenas.

Repudiamos veementemente a tese do Marco Temporal, que tem causado muito sofrimento aos nossos parentes Kaiowá e Guarani e Terena por querer negar os direitos a seus territórios tradicionais.

Considerando a convenção 169 da OIT que garante aos povos indígenas o direito a consulta previa e informada no que tange assuntos de nossos interesses, Repudiamos:

– As indicações politicas para a ocupação dos cargos da educação escolar e da saúde indígena, tais como, direção, coordenação e orientação pedagógica sem considerar a opinião da comunidade.

– A exoneração do coordenador do DSEI/MS Fernando Souza, que a muito tem defendido a politica de saúde indígena especifica e diferenciada para os povos indígenas do MS, não aceitaremos as indicações politicas para ocupar este cargo como a do Sr Eldo Elcidio Moro e para os demais cargos que dizem respeito a nossa saúde.

– Os graves cortes no orçamento publico que tem dificultado ainda mais a implementação de politicas publicas especificas para os povos indígenas como a saúde e a educação.

Exigimos:

– A imediata criação do Grupo Técnico para a identificação da terra indígena Kinikinau do Agachi conforme parecer favorável emitido pela Coordenação de Identificação e Delimitação (CGID) da Diretoria de Proteção Territorial da Funai publicado em abril de 2019.

– Do governo federal urgência em dar condições para que a SESAI implemente de fato uma saúde especifica, diferenciada e de qualidade para nós povos indígenas.

– A imediata Reparação da estrutura física do posto de saúde da aldeia Mãe Terra.

Que o DSEI/MS acrescente em seu plano distrital, orçamento para que os médicos e suas equipes multidisciplinares possam antender pacientes com necessidades especiais em domicilio.

– Que o DSEI/MS desenvolva ações de prevenção e cura com o uso das medicinas tradicionais indígenas

– Total transparência na relação do DSEI e CONDISI/MS no trato com o povo Kinikinau e suas representações nestes espaços, queremos que nossos representantes sejam eleitos pelo nosso povo.

Reforçamos o nosso total apoio e solidariedade a comunidade Guyraroka do povo Kaiowá e Guarani que terá o julgamento da ação rescisória pelo STF no final do mês de outubro, manifestamos também o nosso apoio a comunidade Limão verde do povo Terena que também sofre com os efeitos desta tese do Marco temporal.

A VI assembleia Kinikinau reforça o pedido para que o MPF continue atuando no reconhecimento de nosso direito territorial bem como pedimos a continuidade do apoio do povo terena e demais povos de MS na defesa de nossas terras tradicionais do Agachi.

“Por um lugar para deixar nossas crianças, pela nossa cultura, pela nossa língua materna, pelos nossos ancestrais, seguiremos em luta pelo nosso território tradicional”.

Aldeia Mãe terra, 10 de outubro de 2019, VI grande assembleia do povo Kinikinau.

 

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