27/09/2019

Univaja divulga nota denunciando invasões, assassinato, ameaças e proselitismo evangélico no Vale do Javari

O governo de extrema direita avança na consolidação de uma agenda anti-indígena, diz trecho da nota

A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) divulgou uma nota enumerando uma longa lista de acontecimentos que vem colocando em risco os povos indígenas que vivem na Terra Indígena Vale do javari, contando seus 18 povos livres, mais conhecidos como em situação de isolamento voluntário.

Leia na íntegra:

 

Povos indígenas do Vale do Javari estão ameaçados por uma gama variada de invasores à Terra Indígena. Crédito da foto: J.Rosha/Cimi

União dos Povos Indígenas do Vale do Javari 

NOTA DE INFORME N° 002/UNIVAJA/2019

A Organização Social de representação dos povos indígenas da Terra indígena do Vale do Javari vem a público manifestar suas considerações e requerer as devidas providências do Estado Brasileiro no que toca a política de atenção aos povos indígenas no Brasil.

Os efeitos das promessas, das ameaças e de declarações de ódio contra os direitos dos povos indígenas proferidos pelo atual Presidente da República Jair Bolsonaro (PSL) durante sua campanha eleitoral em 2018, estão promovendo um verdadeiro retrocesso da política indigenista do país.

O governo de extrema direita avança na consolidação de uma agenda anti-indígena em articulação com as grandes corporações transnacionais que pretendem explorar comercialmente as populações vulneráveis e as terras indígenas.

Atualmente, a agenda política do governo brasileiro está baseada, sobretudo, no agronegócio, na acumulação do capital, da flexibilização das leis que garantem proteção e direitos das minorias, sobretudo a autorização à práticas de minério em Terras Indígenas – T.I.

Diante das muitas ações que negam os direitos fundamentais dos povos indígenas, estar à intenção de retomar a tutela estatal sobre populações indígenas, a negação e o desrespeito à consulta prévia, livre e informada, dos temas que envolvem as populações indígenas, além da paralisação de processos demarcatórios que geram prejuízos irreparáveis aos povos indígenas brasileiros.

A negativa dos direitos fundamentais aos povos indígenas por parte do chefe do Poder Executivo brasileiro, gera um estado de coisas inconstitucionais e causa insegurança jurídica nos atos jurídicos já praticadas pela Administração federal agravando ainda mais o ponto focal de preservação, proteção, o cuidado necessário com a Amazônia e com os povos indígenas.

É certo que a política indigenista oficial composta por programas intersetoriais abrange não só o tema fundiário, como também saúde, educação escolar, desenvolvimento sustentável, proteção e gestão territorial entre outros relevantes temas e nesse sentido, há que se ter a devida cautela e acompanhamento das ditas propostas sob o foco do conjunto de leis e normas vigentes no país.

A história nacional demonstra que a luta coletiva de resistência dos povos indígenas ultrapassou grandes momentos da República brasileira desde os massacres decorrentes do processo de colonização até os dias atuais. Contudo, viemos resistindo aos constantes ataques em distintos períodos históricos; como a criação do Serviço de Proteção ao Índio – SPI.

O dolorido período da exploração da borracha – que a história conta aparte às agruras de nosso estado emocional – As reiteradas ameaças de morte por parte de interessados na exploração e da terra e as atividades de pesquisa e exploração de petróleo e gás no território ancestral do povo Matsés que habita a faixa de fronteira entre Brasil e Peru.

Univaja reunida para debater a situação atual dos povos do Vale do Javari. Crédito da foto: J.Rosha/Cimi

Sem olvidar o igualmente período dolorido em que visava a extração madeireira no médio rio Javari e nas proximidades do rio Curuçá. E mais recentemente, rememora-se o passado da história para convivermos com a exploração de recursos naturais, como é o caso de caça e pesca em escala comercial e de forma desgovernada nas calhas de rio Ituí, rio Itacoaí, rio Curuçá afluentes do rio Javari. 

Assim como a presença de garimpo ilegal na região do Jutaí e os avanços dos fazendeiros na parte sul da terra indígena Vale do Javari.

Com advento da criação e consolidação de nossa instituição de representação regional, conquistamos em 2001 a demarcação da terra indígena como reconhecimento por parte do Estado ao território ancestral, concedendo ao coletivo que habita a região, estabilidade jurídica e segurança aos interesses indígenas.

O controle e fiscalização da nossa terra estão gravemente em risco, uma vez que o atual governo de Jair Bolsonaro (PSL) tem mantido e fortalecido uma política de desmonte, desestruturação e sucateamento do principal órgão indigenista do país a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, vinculado ao Ministério da Justiça.

Estas medidas adotadas tem um reflexo direito na vigilância de nosso território e na vida de nossas comunidades. Vivemos um tempo de retrocessos, e ataques cotidianamente dos direitos conquistados e a intensificação de uma agenda e política anti-indígena.

Aqueles mais atingidos que continuam a resistir são grupos que ainda vivem em isolamento voluntário, num total de 14 referências, dentre os quais, oito são confirmados pelos estudos da FUNAI, através de suas expedições em todo território do Vale do Javari. Além das etnias que já estabeleceram o contato definitivo com a sociedade envolvente, como os povos Marubo, Mayuruna, Matis, Tüküna (Kanamary), Kulina, Korubo e Tyohom Dyapah, estes dois últimos de recente contato.

As ameaças de outrora, se intensificam no presente. Listam-se os mais recorrentes que em nome da religião estabelecem base e trabalhos missionários evangelícos e buscam contato com os isolados causando interferência no espaço tradicional geopolítico de nossa ancestralidade.

Há que mencionar, as atividades de extração de minérios. Garimpeiros se instalam de forma ilegal e passam a explorar comercialmente a região causando problemas ambientais incalculáveis aos brasileiros que vivem na região e aos interesses nacionais.

O mesmo ocorre com o ressurgimento de fazendeiros, petroleiros, pescadores e caçadores de animais silvestres. 

O órgão oficial que deveria garantir a política de proteção do território está cada vez mais fragilizado. Destacamos ainda que, o diminuto efetivo da FUNAI que tem afinidade e comprometimento com a causa dos indígenas, atualmente estão sofrendo ameaças pelos invasores.

O atual contexto político brasileiro nos faz pensar que uma das metas é distribuir cargos comissionados para pessoas indicadas pelas bancadas ruralista e evangélica que publicamente demonstram-se contrárias a política de proteção de nosso território.

Diante desse estado de inconstitucionalidade, A UNIÃO DOS POVOS INDÍGENAS VALE DO JAVARI, vem perante a sociedade brasileira pedir socorro do Estado Brasileiro, em nome dos povos indígenas, sobretudo os povos indígenas em condição de isolamento voluntário, nos temas que mais afligem o ser humano: o direito à vida.

Na T.I. Vale do Javari, existem quatro Bases de Proteção Etnoambiental – BAPE localizadas nas confluências do rio Ituí/Itacoaí, Jandiatuba, Curuçá e Quixito. As ditas BAPE além de se tornarem um braço do Estado na proteção territorial e defesa do território demarcado, também é importante organismo estatal na distensão da relação entre índios e não índios.

Recentemente, mais precisamente no dia 21 de setembro aconteceu um novo ataque perpetrados por criminosos que detém interesse na exploração ilegal das riquezas naturais da região. O ataque criminoso ocorreu na Base de Proteção do rio Itacoaí/Ituí, que já sofreu outros seis ataques semelhantes ocorridos desde novembro de 2018.

No ato criminoso, os bandidos efetuaram vários disparos com nítido propósito de atingir os poucos servidores públicos ali lotados para exercerem suas atividades em nome do Estado e naturalmente, intimidar a atuação de fiscalização territorial naquele lugar.

A investida criminosa já vitimou um importante servidor da FUNAI que desempenhava suas funções naquela BAPE. O servidor quando gozava de folga na cidade de Tabatinga-AM, foi cruelmente assassinado com tiros na cabeça no último dia 06/09/2019. Até o presente momento, os assassinos ainda não foram identificados. Cabe ainda lembrar, que em 2014 surgiram as primeiras denúncias de possíveis massacres na região do Jutaí contra o povo Warikama Dyapah.

Tais denúncias só cobraram força no ano 2017 quando a notícia de um possível massacre de povos indígenas na região de Jandiatuba. Embora a FUNAI tenha realizado muitas expedições na época, o caso foi arquivado. Porém, o conteúdo da denúncia possibilitou duas ações administrativas: a destruição de balsas de garimpo ilegal e a reativação da Base de proteção desde 2014 por conta dos cortes orçamentários da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari (FPEVJ).

Os invasores costumam entrar na T.I através de furos (atalhos muito usado pela população amazônidas) ou durante noite para não serem detectados pelo posto de vigilância.

No interior da T.I, os criminosos constroem acampamentos com casas cobertas com lonas, canoas e pequenas construções onde guardam o sal que usam para salgar todos os espécimes capturados que posteriormente serão comercializadas na cidade de Atalaia do Norte e adjacências, incluindo as cidades dos países vizinhos Peru e Colômbia.

Diante de todo contexto, de forma proposital, o governo brasileiro abandona a responsabilidade para com os povos indígenas, enforcando o órgão com a falta de condições orçamentárias para atividades operacionais. Assim como a falta de abastecimento das bases de vigilância com alimentação, combustível, equipamentos de segurança pessoal, pouco efetivo e embarcações, o que impossibilita realizar o monitoramento e vigilância, ficando tanto os servidores da FUNAI, como colaboradores indígenas expostos a qualquer enfrentamento.

A Coordenação Regional da FUNAI a CR/VJ que tinha um quadro de onze servidores e que entre outras funções, cuida da Base de Proteção localizada no rio Curuçá, após o assassinato do servidor Maxciel Pereira dos Santos, cinco servidores pediram afastamento de seus cargos em razão de ameaças à sua integridade física e de seus familiares.

Significa dizer que atualmente a CR não tem um quadro suficiente de funcionários nem condições para realizar a proteção do território.

É necessário fortalecer a BAPES com um efetivo qualificado que tenha conhecimento das especificidades da região, além de oferecer as condições para a execução das atividades de fiscalização. A inoperância desses postos de vigilância põe em risco a vida de nós indígenas que habitam desde sempre este território.

No dia 19 de setembro foram identificados três missionários no igarapé Lambasa afluente do rio Itacoaí, dentro da T.I. segundo as informações preliminares os invasores teriam ingressado na T.I caminhando por terra durante sete dias desde o estado do Acre.

O missionário identificado como Andrew Tolkin é conhecido na região por entrar em Terra Indígena sem a anuência dos indígenas e das autoridades de governo. O que constitui uma falta de respeito e uma agressão às nossas autoridades.

Esclarecemos que a União dos Povos Indígenas é totalmente contra o Proselitismo Religioso no interior de nosso território, considerando que nós povos da floresta temos nossos códigos e crenças milenar, e nunca foi tão necessário preservá-los.

Entretanto é necessário analisar minuciosamente que tipo de atividades estas pessoas estão realizando, pois como é do conhecimento a T.I Vale do Javari dispõe de uma pluralidade única na fauna, flora e em seu subsolo, que desperta o interesse de exploradores do mundo inteiro.

Ressaltamos, sobretudo que o local em que esses Missionários foram avistados, é uma área onde vivem grupos de Povos Isolados, na qual estes grupos correm risco de serem contaminados com as doenças estranhas ao seu meio.

Os evangélicos desafiam o controle da FUNAI e também do próprio movimento indígena, aproveitando nesse momento de fragilidade do órgão indigenista. Desconhecemos os reais interesses dos missionários em nosso território e, diante esta situação nenhuma autoridade está tomando providência.

Considerando que buscamos uma relação de harmonia com a sociedade do entorno, tememos que se houver morte por confronto em nosso território, retornaremos (e, estamos) a viver as tensões do passado. Se a morte assolar, nos perguntamos: quem se fará responsável de um possível massacre, como já aconteceu no passado?

Queremos expressar a nossa indignação e pedir providências com a atual conjuntura de situações que pairam sobre nosso território e que são de extrema gravidade.

A situação em nosso território é insustentável, preocupante e requer ações do Estado para garantir a segurança jurídica do território demarcado, das pessoas que desempenham o papel estatal e a garantia da vida digna aos povos indígenas da Terra Indígena do Vale do Javari.

União dos Povos Indígenas Vale do Javari

Atalaia do Norte, Amazonas, Brasil

Terça-feira, 24 de setembro 2019

 

Fonte: União dos Povos Indígenas do Vale do Javari 
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