09/09/2019

Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão denuncia violações aos corpos-territórios em seu 12º encontro

Carta Final da TEIA declara repúdio às violências e violações cometidas pelos grandes projetos. “Reconhecemos que cada um dos projetos que ameaça uma das nossas comunidades, ameaça a todas”.

Foto: Teia dos Povos do Maranhão e Comunidades Tradicionais do MA

Por Comunicação Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do MA

Mergulhando nas águas sagradas do Território de Água Riquinha, em Paulino Neves, povos indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, ribeirinhos, pescadores artesanais, agricultores e agricultoras encontraram-se entre os dias 28 de agosto a 1 de setembro para partilhar suas sementes de luta e resistência, denunciando os impactos do agronegócio, grandes empreendimentos e as diversas formas de violência aos povos tradicionais e originários vinda dos governos federal e estadual.

O território que recebeu o Encontrão situa-se no Delta das Américas e vem enfrentando impactos diversos pela implantação de Parques Eólicos, como também é cercado pelos monocultivos que provocam a especulação e grilagem de terras na região. A comunidade de Água Riquinha é cercada por águas cristalinas e igarapés e sua história se reconta a partir do curso do rio e dos ventos que sopram.

O encontro teve como tema “Nas águas da resistência, recontamos nossas histórias”, trazendo o resgate das lutas históricas e das narrativas ancestrais.

“Quando eu me encontrei aqui, não encontrei casa de telha, não existia nem de tijolo e de alvenaria. Nós vivíamos uma vida como se fosse uma aldeia, porque aqui não tem gente de fora. Este nosso rio era muito abundante, era um rio fundo. As mulheres entravam no rio para panhar água, porque não existia poço, era só água do rio… É um rio pequeno, sua cabeceira se chama Lagoa da Água Riquinha”, conta Benedito Candeia, ancião da comunidade.

O encontro teve como tema “Nas águas da resistência, recontamos nossas histórias”, trazendo o resgate das lutas históricas e das narrativas ancestrais, na preservação de suas identidades, como também promovendo denúncias às ameaças e ao avanço do projeto político, social e econômico do Estado, que incentiva as iniciativas privadas e avança com a destruição dos territórios tradicionais. Esse resgate traz a importância da manutenção e da insurgência das lutas dos povos.

“Nosso maior instrumento de luta é conhecer nossa própria história”, conta Oscar Akróa-Gamella.

Foto: Teia dos Povos do Maranhão e Comunidades Tradicionais do MA

Em meio aos relatos e trocas de experiencias, destacou-se a importância da unidade entre os povos e o fortalecimento das lutas pelo território, garantia da soberania alimentar, combate às opressões de gênero e autonomia nos meios de comunicação, considerando que em grande parte os agentes de violência são os mesmos. No atual momento político essas violências se acentuam, sobretudo através das práticas racistas do Estado, que se expande com a aplicação dos grandes projetos.

A batalha contra os grandes empreendimentos promovidos pelo Estado em beneficio ao capital e iniciativa privada, põe em risco pilares fundamentais para a existência e sobrevivência dos territórios e povos tradicionais. São inimigos comuns como a VALE, Suzano, Porto São Luís e demais investimentos do capital chinês no estado, expansão das fronteiras agrícolas pelo MATOPIBA, entre outros.

No entanto, esse grande encontro traz o fortalecimento dos processos de resistência, pela união, partilha de saberes tradicionais e diversas expressões de espiritualidade. Essas manifestações marcaram intensamente todos aqueles que pisaram no chão e banharam nas águas sagradas de Água Riquinha. Através da fluidez do ritual das águas, as histórias foram recontadas e reconhecidas, aquecidas na partilha das lutas no ritual do fogo e plantando a resistência no ritual das sementes.

CARTA DO XII ENCONTRÃO DA TEIA DE POVOS
E COMUNIDADES TRADICIONAIS DO MARANHÃO

“Nas águas da resistência recontamos nossas histórias”

Entre os dias 28 de agosto a 01 de setembro de 2019, nós povos originários – Tremembé, Akroá Gamella do Maranhão e Piauí, Krikati, Memortumré, Apainekra, Krenje – comunidades quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, quebradeiras de coco babaçu, agricultores e agricultoras, mulheres guerreiras, curadoras, guardiãs das sementes, as Guardiãs e os Guardiões do Sagrado, como os rios que correm como sangue pelo corpo do nosso Estado para gerar a vida dos nossos Territórios, encontramo-nos no Território da Comunidade Água Riquinha – Paulino Neves para dizer que somos um só coração e espírito de luta, resistência, desobediência, insurgência e construção do Bem Viver.

Nesses dias, quando o vento soprou forte, denunciamos as ameaças, violência e destruição dos nossos corpos-territórios causados pelos grandes projetos, tais como, portos, ferrovias, monocultivos, a mineração, os complexos de produção e transmissão de energia eólica e/ou solar e hidroelétricas, a carcinicultura; a extração de calcário marinho, as leis em discussão ou aprovadas, os decretos, as sentenças judicias que ameaçam destruir a mãe-terra e nos arrancar do nosso Chão; o desmonte da legislação de proteção ao meio ambiente, o fim da política de demarcação das terras indígenas, quilombolas e da reforma agrária; denunciamos as ameaças, criminalização e assassinatos das nossas lideranças, das nossas lutas e de nossas comunidades.

Reconhecemos que cada um dos projetos que ameaça uma das nossas comunidades, ameaça a todas, porque esses projetos são como pragas que espalham suas nuvens de veneno de forma brutal e não reconhecem limites, direitos e fronteiras.

Com a proteção dos nossos Encantados com quem celebramos nossa força, nossa alegria e nossa união, para quem acendemos o fogo das nossas resistências estamos tomando as nossas mãos para não mais soltar. Estamos tecendo nossa Teia que ninguém vai romper, nem com a violência das repressões policiais e/ou de milícias, nem com o veneno da cooptação. Acolhemos todas e todos que querem lutar e tecer conosco, mas declaramos também que reconhecemos quem nos quer dividir, dominar, oprimir e aniquilar, e a esses dizemos afastem-se porque não os queremos conosco.

Declaramo-nos corresponsáveis por nossos territórios, por guardar e reproduzir nossos saberes, nossas sementes, nosso passado e nosso futuro. Sabemos quem somos e onde pertencemos. Sabemos quais são os nossos direitos e declaramos que não vamos esperar que os poderosos e os governos nos enxerguem, vamos seguir plantando o nosso chão e celebrado nossos Encantados, criando vida e Bem Viver, mesmo que burocratas, fazedores de leis, juízes e governantes pensem em nos negar e nos matar. Não esperaremos que nos concedam o direito de viver porque esse direito sempre foi nosso.

Nós, nossas sementes, nossas florestas, nossas nascentes e rios, nosso fogo, nossas lutas, nossa rebeldia, nossas alegrias e nossa união vão correr cada vez mais fortes por este nosso Chão Sagrado. Somos águas que superam qualquer obstáculo, rompem qualquer paredão, infiltram-se em todas as frestas e no fim se juntam fortes na Teia da Vida.

Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão
Às margens do Rio Água Riquinha.
01 de setembro de 2019

MOÇAO DE APOIO AO CAJUEIRO

Nós, povos e comunidades tracionais reunidos no XII Encontrão da TEIA, de 28 de agosto à 01 de setembro, na comunidade Água Riquinha, Paulino Neves-MA, manifestamos nossa

solidariedade à comunidade tradicional do Cajueiro que tem sido violentada por um projeto estatal-privado de construção de um porto para escoamento de produção do agronegócio.

A atuação do Governo do Estado do Maranhão tem sido voltada para a garantia do empreendimento privado ainda que isso signifique a destruição dos modos de vida tradicionais do Cajueiro. Para tanto, o governo estadual tem lançado mão de métodos arbitrários com largo uso da força policial militar, instrumentalização da COECV para celeridade dos despejos forçados, criminalização dos movimentos sociais independentes, inserção de serviço de inteligência (“serviço velado”) da Secretaria de Segurança Pública em reuniões das organizações em apoio Cajueiro, militarização da Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular para intimidação e tortura dos manifestantes e forte manipulação do aparato público de comunicação para construir narrativas falseadoras da realidade para legitimação de práticas autoritárias.

O caso do Cajueiro demonstra um claro modelo de atuação do Estado do Maranhão para a garantia de grandes empreendimentos que invadem nossos territórios sagrados com o uso do poderio estatal e de seu aparato de violência institucional, o que representa uma grave ameaça para todas as comunidades e povos tradicionais do Maranhão.

As raízes do Cajueiro que estão sendo arrancadas ameaçam nossas vidas igualmente. Nossos corpos e nossos sonhos estão unidos com os corpos e sonhos do Cajueiro. Nossos cantos são os mesmos, pois lutamos pela liberdade de permanecermos existindo na “terra em que somos”.

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