27/09/2019

Mais mortes podem acontecer, dizem invasores a indígenas após assassinato de colaborador da Funai

“A situação mais grave, que deixa a gente com medo, inclusive os servidores da Funai, é o medo de ser assassinado”, diz Adelson Korá

“Os invasores já deram recado que não vão parar”, diz liderança. Os povos indígenas do Vale do Javari vão resistir. Crédito da foto: J.Rosha/Cimi

Por J.Rosha, da Assessoria de Comunicação – Cimi Regional Norte I

“O problema mais grave que nós enfrentamos aqui no Vale do Javari, agora, não são nem as invasões. São as ameaças de morte”, diz Adelson Korá Kanamary, coordenador da Associação Kanamary do Vale do Javari (Akavaja), e também vereador do município de Atalaia do Norte (AM). Após o assassinato de Maxciel Pereira dos Santos, colaborador da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Tabatinga, no dia 6 deste mês, alguns servidores do órgão, que atuam nas frentes de proteção localizadas no interior da terra indígena Vale do Javari, estão pedindo para sair.

“A situação mais grave, que deixa a gente com medo, inclusive os servidores da Funai, os colaboradores indígenas, pois estes correm mais perigo, e até quem trafega pelos rios, é o medo de ser assassinado”, destacou Adelson Korá. “Os invasores já deram recado que não vão parar”, disse ele, acrescentando: “os caras da Funai já correram. Quem quer morrer de graça?”.

Na última terça-feira, 24, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), divulgou uma nota onde denuncia que “o controle e fiscalização da nossa terra está gravemente em risco, uma vez que o atual governo de Jair Bolsonaro (PSL) tem mantido e fortalecido uma política de desmonte, desestruturação e sucateamento do principal órgão indigenista do país a Funai, vinculado ao Ministério da Justiça”.

As lideranças indígenas do Vale do Javari pontuam ainda que “estas medidas adotadas têm um reflexo direto na vigilância de nosso território e na vida de nossas comunidades. Vivemos um tempo de retrocessos, e ataques cotidianos aos direitos conquistados e a intensificação de uma agenda e política anti-indígena”.

Na nota, os indígenas relatam os acontecimentos recentes, como o assassinato de Maxciel Pereira dos Santos, e os ataques à Base de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari. A última aconteceu no dia 21 de agosto. Segundo relatos das lideranças locais, o ataque teria acontecido na Base de Proteção do rio Itacoaí/Ituí, onde outros aconteceram desde novembro do ano passado.

“No ato criminoso, os bandidos efetuaram vários disparos com nítido propósito de atingir os poucos servidores públicos ali lotados para exercerem suas atividades em nome do Estado e, naturalmente, intimidar a atuação de fiscalização territorial naquele lugar”, denuncia a Univaja.“Tudo isso é muito preocupante porque os invasores são pessoas que nós conhecemos e que também nos conhecem”, diz Adelson Korá.

A nota da Univaja é um pedido de socorro para que o Estado Brasileiro cumpra suas obrigações constitucionais. Crédito da foto: J.Rosha/Cimi

A nota da Univaja é um pedido de socorro para que o Estado Brasileiro cumpra suas obrigações constitucionais. Denunciam também que, por falta de fiscalização, missionários evangélicos estariam entrando nas comunidades indígenas sem autorização das lideranças e do órgão indigenista.  

A Terra Indígena Vale do Javari já foi demarcada, homologada e registrada no Serviço de Patrimônio da União (SPU). Ali vivem seis povos conhecidos: Marubo, Kanamary, Kulina, Tsonhom Djapa, Matis e Mayoruna – Matsés, além de outros 18 sem contato com a sociedade envolvente, de acordo com informações da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari.  

Mesmo depois de regularizada, a Terra Indígena vem sofrendo ataques de madeireiros, pescadores, caçadores garimpeiros e traficantes. Os indígenas dizem que a parte sul do território, na divisa com o estado do Acre, é a mais vulnerável. Fazendeiros estariam avançando sobre a Terra Indígena devido a falta de fiscalização e de controle.

Em setembro de 1989, um grupo do povo Korubo, àquela época ainda sem nenhum contato com a sociedade envolvente, foi massacrado por invasores e seus corpos enterrados em cova rasa numa das praias do rio Itacoaí. Em 2017, veículos de imprensa do Amazonas divulgaram a ocorrência de um suposto massacre também de índios isolados no rio Jandiatuba, investigado pelo Ministério Público Federal (MPF).

“A pior situação aqui é a segurança. Os caras estão se revoltando contra nós. Eles são de Benjamin Constant, Tabatinga e Atalaia do Norte e estão querendo a riqueza que tem na terra”, observa Adelson Korá. O indígena alerta que essa matança, envolvendo agora servidores dos órgãos de proteção aos indígenas, pode se tornar uma prática corriqueira na região.

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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