Livro examina luta dos Tupinambá pela terra no sul da Bahia
A antropóloga Daniela Fernandes Alarcon analisa as ações de recuperação territorial realizadas pelos Tupinambá da Serra do Padeiro
O retorno da terra: as retomadas na aldeia Tupinambá da Serra do Padeiro, sul da Bahia
Autora: Daniela Fernandes Alarcon
Elefante Editora, São Paulo (2019), 450 páginas
As retomadas de terras foram a maneira encontrada pelos Tupinambá do sul da Bahia para garantir seus direitos constitucionais ao território. O processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, iniciado em 2004, empacou por pressões políticas e econômicas. Desde então, apenas na Serra do Padeiro — uma das aldeias que fazem parte da terra indígena —, 89 antigas fazendas de cacau foram retomadas.
Parte dessa história é apresentada em O retorno da terra: as retomadas na aldeia tupinambá da Serra do Padeiro, sul da Bahia, fruto de uma dissertação de mestrado defendida por Daniela Fernandes Alarcon na Universidade de Brasília (UnB) e premiada pela Society for the Anthropology of Lowland South America (SALSA) na edição de 2018 do Norm and Sibby Whitten Publication Subvention Fund.
De acordo com Glicéria Jesus da Silva, uma das lideranças da Serra do Padeiro e autora do prefácio, o livro é um “romance da terra”. “Quando Daniela se detém para ouvir o clamor, as tragédias, as expulsões do território, tamanhas violações dos direitos do nosso povo, a violência contra a terra, ela também mostra como o nosso povo se organizou, através das retomadas, para reverter os impactos que a natureza vinha sofrendo, e como as florestas, as nascentes dos rios e os animais passaram a se sentir mais protegidos e seguros. Ela documenta como nos estabelecemos em uma vivência de enfrentamento, para garantir o bem viver com a natureza”.
Resultado de minuciosa pesquisa de campo e documental, o livro esmiúça o processo de recuperação territorial, demonstrando como o projeto coletivo construído pelos Tupinambá da Serra do Padeiro vem criando condições para a emergência de memórias subterrâneas, para o retorno de indígenas que se encontravam na diáspora — alguns deles trabalhando em condições análogas à escravidão — e para o fortalecimento de atividades produtivas tradicionalmente desenvolvidas pelo grupo, que contribuem decisivamente para as condições de vida dos indígenas e para a conservação da mata atlântica, bioma onde se situa a aldeia.
Ao mesmo tempo, O retorno da terra revela as profundas repercussões cosmológicas das retomadas de terras. Os Tupinambá acreditam que o território pertence aos encantados, entidades não humanas que habitam diversos domínios do mundo físico e que, assim como os indígenas, foram impactadas pelo avanço da fronteira capitalista e pela degradação de sua morada.
João Pacheco de Oliveira, professor do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor do texto da quarta capa, enfatiza que a autora empreendeu “uma imersão profunda na história e na expressão conjunta de conhecimentos realizada por ela e por famílias tupinambá da Serra do Padeiro”. Em O retorno da terra, diz, “a tessitura de um produto acadêmico não se desgarra de um processo complexo de interação social, das múltiplas escalas e formatos em que tal encontro pode ser vivido, concebido e atualizado”.
Um dos frutos desse encontro foi o documentário de curta-metragem Tupinambá — O Retorno da Terra, dirigido pela autora e lançado em 2015, com produção da Repórter Brasil. No livro, a história apresentada no filme se desdobra em detalhes, propiciando aos leitores um mergulho no contexto tupinambá e, mais amplamente, nas lutas contemporâneas dos povos indígenas.
“Exemplo muito importante da etnologia indígena que se faz no Brasil, o livro é resultado de uma pesquisa comprometida, em que a pesquisadora assume plenamente um papel em defesa dos direitos dos Tupinambá, povo que vem sofrendo uma ofensiva truculenta por parte de interesses contrários à demarcação de sua terra”, destaca Stephen Grant Baines, professor do Departamento de Antropologia da UnB, que assina a orelha do livro. “A obra é altamente relevante para a compreensão das situações de muitos outros povos indígenas que estão se reorganizando politicamente para efetivar seus direitos.”