Em nota, Wajãpi relatam fuga de aldeia após invasão por homens armados
Após assassinato de liderança dentro do território, Conselho das Aldeias Wajãpi – Apina relata ocupação de aldeia por homens armados
Em nota divulgada neste domingo (28), o Conselho das Aldeias Wajãpi – Apina afirma que uma aldeia inteira, dentro da Terra Indígena (TI) Wajãpi, chegou a ser tomada pelos invasores não indígenas que eles denunciam como responsáveis pelo assassinato do chefe Emyra Wajãpi, ocorrido no dia 22 de julho.
Os indígenas relatam, no documento, que encontraram evidências de que a morte de Emyra foi causada por “pessoas não-indígenas, de fora da TI”. A nota conta, ainda, que na noite de sexta-feira (26), um grupo de invasores ocupou à força uma casa da aldeia Yvytotõ, no interior da TI, ameaçando seus moradores. Um documento da Coordenação Regional da Funai estima os invasores não indígenas entre dez e quinze pessoas “de posse de armas de fogo de grosso calibre”.
“No dia seguinte, os moradores do Yvytotõ fugiram com medo para outra aldeia na mesma região”, afirma a Apina. A organização Wajãpi destaca que invasores também foram vistos nas proximidades de outra aldeia, chamada Karapijuty, e que no sábado chegaram a ser ouvidos tiros na região da aldeia Jakare, próxima à BR-210.
No momento, entretanto, também não havia indígenas nessa aldeia, que fica no caminho de saída da terra indígena. Segundo relatos, a área foi abandonada pelos Wajãpi, com receio de que os invasores, em fuga, pudessem passar por lá.
No sábado, após denúncia do vereador Jawaruwa Wajãpi, do município de Pedra Branca do Amapari (AP), o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP) divulgou em suas redes sociais o assassinato e a invasão à terra dos Wajãpi.
“Estamos pedindo socorro”, afirmou o vereador. “Uma comunidade Wajãpi está em risco de morte e briga. Precisamos dar segurança para as famílias que se encontram no norte da TI Wajãpi”.
No mesmo dia, o Ministério Público Federal (MPF) abriu uma apuração sobre a morte do chefe Wajãpi e a possível invasão de garimpeiros na terra indígena. Deslocado para o local, um efetivo da Polícia Federal e do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope) chegou à terra indígena na manhã de domingo.
“Os discursos de ódio do presidente Bolsonaro e seu governo servem de combustível e estimulam a invasão, o esbulho territorial e ações violentas contra os povos indígenas”
Bolsonaro defende exploração de terras indígenas
A grave situação ocorre em meio às insistentes declarações do presidente Jair Bolsonaro e de seus ministros em defesa da exploração e da legalização da mineração em terras indígenas. Na semana em que os ataques aos Wajãpi ocorreram, Bolsonaro criticou publicamente ao menos duas vezes as demarcações de terras indígenas e defendeu a “legalização do garimpo”.
A primeira delas, no dia 25, a afirmação foi feita durante reunião do Conselho de Administração da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). No dia 27,data em que os conflitos na TI Wajãpi vieram a público, Bolsonaro afirmou, durante uma formatura na Vila Militar do Rio de Janeiro, que está buscando o “primeiro mundo para explorar essas áreas em parceria e agregando valor”. O presidente destacou que esta será uma das atribuições de seu filho, Eduardo Bolsonaro, na embaixada dos EUA, para a qual foi indicado pelo pai.
Em março, o ministro de Minas e Energia de Bolsonaro, Bento Albuquerque, em um evento com investidores e grandes empresários estrangeiros do setor, no Canadá, afirmou que o governo poderá “autorizar” a mineração em terras indígenas sem que os povos fossem consultados.
“Os discursos de ódio e agressão do presidente Bolsonaro e demais representantes de seu governo servem de combustível e estimulam a invasão, o esbulho territorial e ações violentas contra os povos indígenas em nosso país”, afirma, em nota, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
“Esperamos que os órgãos e autoridades públicas tomem medidas urgentes, estruturantes e isentas politicamente para identificar e punir, na forma da lei, os responsáveis pelo ataque aos Wajãpi”, reivindica o Cimi.
Nos últimos dias, diversas organizações, entidades, artistas e políticos manifestaram-se em apoio aos Wajãpi. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) defende que seja assegurada a integridade dos Wajãpi e sejam “apuradas as notícias da ocorrência de crimes de homicídio e esbulho possessório”.
A Articulação Dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp) afirma que as declarações de Bolsonaro em favor da abertura das terras tradicionais à exploração, ao agronegócio e à mineração “contribuem com as invasões nas terras indígenas, levando o assassinato de nosso povo”.
A Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas informou, no dia 27, ter solicitado providências ao Ministério da Justiça e exigiu que sejam garantidos aos povos originários “medidas que evitem a prática constante contra a vida e os seus bens e de proteção devida diante da grave violação dos seus direitos”.
No mesmo dia, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) manifestou preocupação com as informações recebidas sobre o caso e afirmou ter solicitado “a devida diligência do Estado brasileiro para proteger e prevenir possíveis violações” dos direitos humanos dos Wajãpi.
A relatora da ONU para os Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, afirmou ao UOL que os conflitos no Amapá tem relação com as recorrentes manifestações de Bolsonaro contra os direitos dos povos indígenas e a favor da exploração de suas terras.
“Ele é o chefe-de-estado e, ao fazer tais pronunciamentos nessa linha, então claro que esses grupos vão tentar controlar essas terras, invadir esses territórios”, criticou Tauli-Corpuz.
“Voltou à tona o medo das violências e da contaminação por doenças”
Histórico de conflito
Os Wajãpi, ao longo dos anos, sofreram com diversas ameaças e invasões provocadas por garimpeiros, iniciadas na década de 1970, explica, em postagem de sua página pessoal no Facebook, a pesquisadora e professora da Universidade de São Paulo (USP) Dominique Gallois. Tais conflitos foram agravados pela construção, naquela mesma década, da estrada Perimetral Norte, que cruza a terra indígena, demarcada apenas em 1996. No decurso dos anos, diversos Wajãpi morreram infectados pelo sarampo que era levado pelos invasores.
“Ninguém esperava que, tantos anos depois, surgisse novamente o pesadelo das invasões de garimpeiros. Voltou à tona o medo das violências e da contaminação por doenças”, afirma Gallois, indicando que a memória das invasões antigas reacende, entre os Wajãpi, o temor de novos massacres.
Confira, abaixo, a íntegra da nota da Apina divulgada neste domingo:
NOTA DO APINA SOBRE A INVASÃO DA TERRA INDÍGENA WAJÃPI
Nós do Conselho das Aldeias Wajãpi – Apina queremos divulgar as informações que temos até agora sobre a invasão da Terra Indígena Wajãpi.
2ª feira, dia 22/07, no final da tarde, o chefe Emyra Wajãpi foi morto de forma violenta na região da sua aldeia Waseity, próxima à aldeia Mariry. A morte não foi testemunhada por nenhum Wajãpi e só foi percebida e divulgada para todas as aldeias na manhã do dia seguinte (3ª feira, dia 23). Nos dias seguintes, parentes examinaram o local e encontraram rastros e outros sinais de que a morte foi causada por pessoas não-indígenas, de fora da Terra Indígena.
6ª feira, dia 26, os Wajãpi da aldeia Yvytotõ, que fica na mesma região, encontraram um grupo de não-índios armados nos arredores da aldeia e avisaram as demais aldeias pelo rádio. À noite, os invasores entraram na aldeia e se instalaram em uma das casas, ameaçando os moradores. No dia seguinte, os moradores do Yvytotõ fugiram com medo para outra aldeia na mesma região (aldeia Mariry). No dia 26 à noite nós informamos a Funai e o MPF sobre a invasão e pedimos para a PF ser acionada. Na madrugada de sexta para sábado, moradores da aldeia Karapijuty avistaram um invasor perto de sua aldeia.
No dia 27, sábado, nós começamos a divulgar a notícia para nossos aliados, na tentativa de apressar a vinda da Polícia Federal. Um grupo de guerreiros wajãpi de outras regiões da Terra Indígena foi até a região do Mariry para dar apoio aos moradores de lá enquanto a Polícia Federal não chegasse. No dia 27 à tarde, representantes da Funai chegaram à TIW e foram até a aldeia Jakare entrevistar parentes do chefe morto, que se deslocaram até lá. Os representantes da Funai voltaram para Macapá para acionar a Polícia Federal. Os guerreiros wajãpi ficaram de guarda próximo ao local onde os invasores se encontram e nas aldeias que ficam na rota de saída da Terra Indígena. Durante a noite, foram ouvidos tiros na região da aldeia Jakare, junto à BR 210, onde não havia nenhum Wajãpi.
No dia 28 pela manhã um grupo de policiais federais e do BOPE chegou à TIW e se dirigiu ao local para prender os invasores.
Isso é o que sabemos até agora. Quando tivermos mais informações faremos outro documento para divulgação.
Posto Aramirã – Terra Indígena Wajãpi, 28 de julho de 2019.