Segundo dia de júri dos cinco indígenas Guarani Kaiowá ouvirá testemunhas de defesa e a suposta vítima
Para hoje está previsto o depoimento de um dos policiais apontado pela acusação como vítima, além da oitiva das testemunhas de defesa
Por Assessoria de Comunicação – Cimi | Atualizado às 15h05 em 05/06
Teve início na manhã desta quarta-feira (5) o segundo dia do júri de cinco indígenas Guarani Kaiowá acusados de dois homicídios e da tentativa de um terceiro. A sessão ocorre na sede do Tribunal Regional Federal da 3a região (TRF-3) e para hoje está previsto o depoimento de um dos policiais apontado pela acusação como vítima, além da oitiva com as testemunhas de defesa dos indígenas. O júri está programado para terminar na sexta-feira (7).
A Aty Guasu, Grande Assembleia Guarani Kaiowá, principal organização política e social do povo, a Aty Jovem (RAJ) e a Kunãngue Aty Guasu (das mulheres Guarani Kaiowá) emitiram uma nota pública acerca do júri. Leia aqui.
O júri teve início ontem com atraso porque o assistente da acusação, o advogado Maurício Rasslan, alegou não ter sido intimado para o julgamento. No entanto, a juíza Andreia Moruvi considerou que havia informação suficiente sobre o júri e o iniciou mediante acordo com Rasslan ouvindo as testemunhas de acusação. Dois peritos e dois delegados da Polícia Civil foram ouvidos, além do genro do deputado estadual ruralista Zé Teixeira (DEM).
As testemunhas de acusação afirmaram que existe um conflito fundiário na região há muitos anos, inclusive envolvendo a Fazenda Campo Belo, incidente sobre o tekoha – lugar onde se é – Passo Piraju, onde em 1o de abril de 2006, segundo os Guarani Kaiowá e as notícias da época, policiais à paisana invadiram a aldeia Passo Piraju, entre os municípios de Dourados e Laguna Carapã, região de Porto Kambira (MS).
Os homens, no correr dos fatos ainda não identificados, chegaram em carros descaracterizados e atirando. Os Guarani Kaiowá se defenderam e um confronto foi estabelecido. Os indígenas alegam legítima defesa, mas afirmam que os policiais se confundiram e atiraram neles mesmo. Uma das vítimas, conforme a acusação aos indígenas, é o policial Emerson José Gadani, 46, que sofreu golpes de facas.
Conforme disse ao júri o delegado Oduvaldo de Oliveira Pompeu, uma das testemunhas de acusação arroladas, naquela região do Mato Grosso do Sul é comum a contratação de segurança privada, por parte dos fazendeiros, para a defesa de suas propriedades dos indígenas que reivindicam as áreas. Falou ainda, sem citar o nome, de uma empresa que chegou a ser fechada pela Justiça por envolvimento nesse tipo de conflito.
Presume-se que o delegado fez referência à Gaspem Segurança, empresa fundada pelo ex-policial Aurelino Arce e fechada em 2014 por decisão judicial. Conforme as investigações da 1a Vara Federal de Dourados, trazidas a público pela Repórter Brasil, a empresa cobrava até R$ 30 mil por despejo de comunidades indígenas. Os pistoleiros prestavam esses serviços ilegais em pelo menos cinco municípios da região.
O inquérito aponta assassinatos de lideranças, despejos violentos e a proibição de que medicamentos e alimentos fossem distribuídos. Ainda revela que muitos policiais, na ativa ou já aposentados, faziam bicos ou realizavam trabalhos na empresa fundada ela mesma por um ex-policial.
Os indígenas julgados
Os indígenas julgados em São Paulo pelo júri comandado pela Justiça Federal são o cacique Carlito de Oliveira, Ezequiel Valensuela, Jair Aquino Fernandes, Lindomar Brites de Oliveira (filho de Carlito) e Paulino Lopes.
Cacique Carlito é uma destacada liderança do povo na luta pela terra. Ele e os outros quatro Guarani Kaiowá foram presos em 2006 e assim permaneceram até 2012. Primeiro foram detidos na carceragem do Departamento de Operação de Fronteira (DOF), depois foram transferidos para a Penitenciária Estadual Harry Amorim Costa, em Dourados.
Como os indígenas têm o direito ao cumprimento das penas em semiliberdade, na estrutura da Funai perto da aldeia, conforme o Estatuto do Índio, artigo 56, e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), nos artigos 9 e 10, em fevereiro de 2009 o grupo passou a cumprir a pena em Passo Piraju na estrutura erguida pelo órgão indigenista.
No período dos fatos, Passo Piraju sofreu diversos atentados e ataques. Viviam em permanente vigília e ameaçados. Como a aldeia fica às margens do rio Dourados, até por barcos homens armados faziam disparos contra a comunidade. Depois do conflito que levou à morte os dois policiais, Carlito e os demais denunciaram torturas sofridas nos presídios por onde passaram.
O processo
O processo corria em Dourados, mas a defesa dos indígenas conseguiu o deslocamento de competência para São Paulo. A Justiça entendeu que no Mato Grosso do Sul existe dúvida sobre a imparcialidade no tratamento da ação judicial. Ao chegar em São Paulo, foi desmembrado em dois para julgamento: os réus detidos, que estão sendo julgados esta semana, e os em liberdade, sem data para irem a júri.
No caso dos réus em liberdade, com relação ao processo iniciado em 2006, restaram apenas dois; havia quatro: um deles morreu e outro, um indígena Ofaié, foi impronunciado, ou seja, as acusações contra ele foram consideradas improcedentes.
A defesa dos Guarani Kaiowá é feita pela assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e por procuradores da Advocacia-Geral da União (AGU) com atuação na Fundação Nacional do Índio (Funai).