Linhão de Tucuruí: TRF1 decide que consulta aos indígenas é indispensável para concessão de licença
Julgamento de mais de oito horas de duração ontem em Brasília não autoriza o início das obras sem o cumprimento da Convenção 169/OIT; nova discussão com turma estendida será realizada
Após mais de oito horas de julgamento no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília, o povo Waimiri-Atroari teve reconhecido o direito a consulta prévia antes da concessão de licença de instalação para as obras do linhão de Tucuruí, que corta suas terras no Amazonas. Apesar da maioria dos desembargadores terem votado contra a nulidade do leilão do empreendimento, defendida pelo Ministério Público Federal (MPF), todos reconheceram que os indígenas deverão ser consultados antes da próxima etapa do licenciamento ambiental.
O julgamento na 5ª Turma do TRF1 apreciou dois processos judiciais movidos pelo MPF que apontaram a ausência de consulta prévia, livre e informada dos indígenas em relação ao projeto. Nas duas ações, a Justiça Federal em Manaus deu razão ao MPF, ordenando a anulação do leilão que teve como vencedora a concessionária Transnorte Energia para execução da obra e a anulação também da licença prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
A 5ª Turma, formada pelos desembargadores Antonio Souza Prudente, Daniele Maranhão e Carlos Pires Brandão, por dois votos a um afirmou a validade tanto do leilão quanto da licença prévia. Mas isso, ao contrário do que chegou a ser divulgado pela imprensa, não autoriza o início das obras. Pelo Código de Processo Civil, como não houve um resultado unânime na apreciação dos processos na 5ª Turma, o julgamento deve continuar, dessa vez com cinco desembargadores, para que o Tribunal aponte uma conclusão sobre os casos e apresente uma decisão sobre o pedido da nulidade do leilão e sobre o momento de realização da consulta.
“O MPF reafirmará que a consulta terá que ser feita de acordo com o protocolo elaborado pelo povo Waimiri-Atroari”
“A nulidade do leilão não prevaleceu neste momento, mas com o colegiado ampliado vamos demonstrar que a consulta não pode ser feita em momento posterior à decisão pelo empreendimento. De qualquer forma, é consenso no tribunal que a consulta deverá ser realizada e a licença de instalação só poderá ser concedida após a etapa que respeita o direito previsto na convenção 169”, disse o procurador Felício Pontes Jr, que atua nos casos em Brasília.
Na segunda etapa de julgamento, o MPF reafirmará que a consulta terá que ser feita de acordo com o protocolo elaborado pelo povo Waimiri-Atroari ou Kinja, como se autodenominam. Nesse processo, o Ibama alegou ter realizado quatro consultas públicas abertas às comunidades afetadas pela implantação do Linhão, em junho de 2014, em cidades do Amazonas e de Roraima, mas os momentos não se confundem com o direito de consulta prévia, livre e informada.
Os kinja já entregaram seu protocolo de consulta e, em diversas ocasiões na última década, declararam estarem abertos ao diálogo com o governo brasileiro, o que nunca ocorreu na forma da lei. O início das obras, no entendimento do MPF, depende diretamente da consulta com respeito ao protocolo.
Apesar de terem discordado do relator dos processos, Souza Prudente, que considerou nulos o leilão e a licença prévia, os desembargadores Daniele Maranhão e Carlos Brandão afirmaram que a licença de instalação não pode ser concedida antes da consulta. Como o acórdão depende da segunda etapa do julgamento para ser construído, a indefinição sobre o procedimento de consulta permanece e nenhuma obra pode ser feita dentro da terra indígena até lá.
Acusação injusta
Na última sexta-feira (14), documento enviado pela Associação Comunidade Waimiri-Atroari (ACWA) ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, rebate a acusação de serem apontados como principais obstáculos à efetivação da linha de transmissão Manaus – Boa Vista e manifesta preocupação diante da exoneração do então presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), general Franklimberg Ribeiro de Freitas, uma vez que o ex-titular do órgão havia assumido compromisso em respeitar o protocolo de consulta prévia elaborado pelos indígenas em conformidade com a Convenção 169/OIT.
“A única condição imposta pela Comunidade Indígena Waimiri-Atroari foi a de que seja respeitado o direito de consulta prévia”
O documento destaca a existência de diversos dados oficiais na Funai que comprovam a disposição dos indígenas em colaborar com as etapas de estudos e levantamentos e abrir espaço para o diálogo com o governo e com os responsáveis pela obra. “A única condição imposta pela Comunidade Indígena Waimiri-Atroari foi a de que seja respeitado o direito de consulta prévia”, reforça trecho da nota, assinada pelo diretor gerente da ACWA, Mario Parwe Atroari.
Na conclusão do documento, a associação convida Moro e o futuro presidente da Funai – ainda não nomeado – para fazerem visita à terra indígena Waimiri-Atroari, conhecerem de perto a realidade da comunidade e ratificarem o compromisso com o respeito aos diretos assegurados em lei.
Perguntas e respostas
Para esclarecer os principais pontos questionados em relação ao projeto e as repercussões das ilegalidades apontadas nas ações, o MPF publicou documento com perguntas e respostas pontuais no qual esclarece questões importantes sobre o caso de violação dos direitos indígenas na elaboração do projeto de construção da linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista.
“Como o procedimento de consulta não foi observado no início, o leilão é nulo, e isso não pode ser corrigido no presente momento”
Além de explicar o principal motivo pelo qual pede a anulação do projeto, o órgão aponta no documento a falta de interesse do Estado brasileiro de considerar outras alternativas de traçado para a linha de transmissão ou mesmo de outras modalidades energéticas mais viáveis para sanar o problema vivenciado pelo estado de Roraima e explica também que a consulta não poderia ser feita somente agora – já com todo o projeto pronto – para mera regularização da obra.
“Como o procedimento de consulta não foi observado no início, o leilão é nulo, e isso não pode ser corrigido no presente momento. Assim, a consulta não pode ser encarada como um procedimento meramente homologatório de uma decisão já tomada”, explica o MPF no texto.