Tuxaua Mura denuncia ameaça de morte
Em entrevista, tuxaua Francisco Oliveira Mura, da aldeia Taquara, relata as ameaças que vem sofrendo de criadores de búfalo em Autazes, no Amazonas. O povo Mura cobra providências das autoridades
Criadores de búfalos do município de Autazes (AM) – situado a 113 quilômetros de Manaus – estão ameaçando o tuxaua Francisco Oliveira da Silva, da aldeia Taquara, do povo Mura. No início de Maio o Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas recomendou aos membros da associação representativa dos fazendeiros da região que se abstivessem de constranger, ameaçar ou tentar impedir a realização de reuniões, trabalhos de campos, comemorações, uso tradicional ou qualquer articulação relacionada ao direito de associação e manifestação dos indígenas. Porém, as intimidações continuam.
Nesta terça-feira, 21, o tuxaua Francisco compareceu à delegacia de Polícia da cidade de Autazes para prestar esclarecimentos do fato que, para ele, representa mais uma tentativa de intimidação por parte de fazendeiros como forma de dissuadi-lo de prosseguir na luta contra o desmatamento e a invasão da aldeia.
Nesta entrevista o tuxaua relata os acontecimentos recentes na aldeia Taquara.
Cimi – O que está acontecendo na sua aldeia, tuxaua?
Francisco Oliveira – Nós temos sofrido ameaça de morte, eu principalmente, tuxaua. O foco vem tudo pra cima de mim, porque eu sou a liderança maior de lá e isso tudo acontece por causa do cerco muito grande do búfalo, da criação de búfalo, desmatamento. Nós somos os defensores da floresta. Nós, indígenas, não queremos que a floresta seja desmatada e por isso eu impeço, nós fazemos impedimento, nós, o povo Mura.
Quem são esses fazendeiros?
Os criadores de búfalo, que criam gado e vão invadindo nossas terras. Por isso nós não queremos que ela seja desmatada e nós impedimos eles de desmatar, de invadir nossas terras. Eles não gostam disso e acabam nos ameaçando.
Faz quanto tempo que eles estão lá criando búfalos?
Acho que é de oito a 10 anos e isso vem incomodando muito. Nós chegou a um tal ponto de não mais poder plantar. Não temos mais aquela confiança como nós tínhamos antes de exercer nossos plantios, plantar e colher naquela confiança de acordar e dizer: “vamos pra roça colher os nossos produtos”. Nós ficamos com desconfiança porque quando chegamos na roça nós não encontramos mais nosso produto. Só encontramos búfalo e prejuízo dentro das nossas roças, dentro dos nossos plantios.
Esses criadores de búfalos continuam desmatando as áreas lá de perto ou dentro da aldeia?
Sim, continuam! Eles continuam muito, ainda mais agora que o presidente dos branco (associação de fazendeiros locais), reuniu todos os fazendeiro, convidaram a todos os fazendeiros. Inclusive me convocaram também. Eu fui nessa reunião, já um pouco desconfiado, já sabendo que o relato seria contra mim e quando eu chego lá, era o que eu tinha pensado, a reunião tinha tudo a ver comigo.
Quando foi essa reunião?
Foi em Março, dia 8 de Março. Eles me maltrataram muito. Nós éramos pouquíssimos indígenas que estavam naquele momento ali e ali eles me humilharam muito, tiraram minha autonomia de não mais impedir que eles desmatassem. Eles disseram que eu não era o IBAMA pra impedir eles de desmatarem e que eles poderiam muito bem fazer o tanto de desmatamento que eles quisessem por causa da criação deles que aumenta muito a criação deles e eles querem muito desmatar. Eles acham que eles podem tudo isso. Lá na Secretaria (de Meio Ambiente) eles dizem que é dois hectares para plantio de roçado, enquanto nós não fazemos (plantação) em nem um hectare. Às vezes nós colocamos meio hectare, já com medo mesmo do prejuízo e eles se acha no direito de colocar vinte, trinta hectares, cinquenta. Se deixar eles fazem até mais. Por isso eles se sentiram muito fortalecidos, porque eles fizeram um documento, um papel que era pra assinar. As pessoas teriam que assinar a meu favor ou a favor deles. E assinaram, claro, só a favor deles. Com aquelas assinaturas eles se sentiram fortalecidos dizendo, quando saiam de lá, que iriam exercer grandes roçados e aumentar a fazenda deles.
Esses búfalos, além do desmatamento, além de comerem a roças de vocês, qual é o outro impacto que eles causam para vocês lá?
Como eu disse, a mata está se distanciando de nós. A dificuldade vai ficando grande pra nós conseguirmos nossos alimentos na mata, no igapó. Também na água o impacto é muito grande. A nossa água está muito suja. Temos muito caso de diarreia nas nossas pessoas idosas, nas crianças. Então isso é muito ruim, esse é um impacto muito grande, porque lá tem pra mais de quatro mil búfalos dentro daquela cabeceira (próximo à nascente do rio). É um lugar desapropriado para criação de búfalo, pois ele pisoteia toda a terra dentro da água e gera aquele grande impacto de sujeira, com fezes, a urina, e eles mesmo que já moram n’agua. Isso é muito ruim pra nós.
O senhor tem ideia de quantas cabeças de gado tem lá naquela área?
Em torno de três a quatro mil cabeças de gado.
É só de um produtor?
Digamos que seja de todos.
Quantos produtores?
São numa média de quase trinta produtores.
E tem indígena também que estão criando os búfalos?
Alguns indígenas já criam búfalos também por causa do incentivo, mas pertence a esse fazendeiro que me ameaça lá. Ele vai ajudando aqueles indígenas que tem dois, três, cabeça de gado. Ele vai ajudando com condição de desmatar e, quando o indígena desmata, de dez a vinte hectares lá com ajuda do fazendeiro maior, aí ele coloca o gado dele lá dentro e com isso vai ficando muito difícil pra nós.
Os indígenas da sua aldeia estão tomando também alguma iniciativa para garantir a sua integridade, de solidariedade com o senhor, pra evitar que isso aconteça?
Alguns deles! Eles têm até medo de que eu esteja tomando providência por causa de pouco conhecimento que eles têm. Eles têm medo de que aconteça alguma coisa comigo, mas alguns estão bem satisfeitos porque nós estamos tomando a atitude certa. Mas é preocupante para nosso povo indígena.
Essas ameaças de morte começaram a acontecer quando?
Desde dois anos atrás.
Como foi que aconteceu a primeira vez?
A primeira vez foi porque o povo já começou a se unir mais, o povo começou a procurar sua identidade indígena e nós fomos só crescendo e nos unindo. Foi no tempo em que a FUNAI deu a aldeia como reconhecida e começou a entrar voluntários por lá, levando conhecimento sobre direito para nós que não conhecíamos. Porque muitos direitos existem para nós, mas não conhecíamos esses direitos. Por isso eles viram que isso estava contribuindo conosco. Eles ficaram chateados e um deles disse que no dia que eu levasse essas pessoas (voluntários) por lá eles iriam dar um tiro na minha cara. Quem falou isso foi um fazendeiro por apelido de Pará.
Ele falou isso diretamente pro senhor?
Ele falou para o indígena que trabalhava para ele. O indígena é parente, a mulher dele é indígena também, parente nossa, e chegou até a mim essa notícia.
Quem foi que fez ameaça direto para o senhor?
A ameaça direta foi a do senhor conhecido como jacaré. Ele marcou um encontro com meu irmão e lá ele mandou esse recado pelo meu irmão: que assim como ele havia dado cabo de um rapaz que roubava canoa de alumínio lá – esse rapaz roubou uma canoa de alumínio do trabalhador dele, do vaqueiro dele, e ele disse que se reuniram e pagaram alguém da facção que atua na cidade para dar cabo desse rapaz – os mesmos que deram cabo desse rapaz disseram que iam pagar para me matar. Ele mandou esse recado pelo meu irmão me entregar lá e ele me entregou.
Quando aconteceu essa reunião com seu irmão, aonde foi?
Foi logo depois dessa reunião que eles fizeram reunindo todos os fazendeiros, dia 8 de Março desse ano. Foi depois dessa reunião que eles pegaram essas assinaturas, levaram para o promotor, procurando um meio de me incriminar. Como não conseguiram, ele disse que só adiantaria ele arranjar um meio de mandar dar cabo da minha vida, mandar me matar, porque só assim ele me tirava de lá, porque ele acha que eu sou o inferno da vida dele.