PGR pede ao STF suspensão de reintegração de posse de territórios ocupados por famílias indígenas na região Sul
Raquel Dodge reforçou o direito originário das etnias à terra e advertiu quanto ao risco de conflitos nos casos envolvendo a Itaipu Binacional e o município de Carazinho (RS)
A procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, requereu à presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) urgência na suspensão da decisão que determinou a reintegração de posse em favor da Itaipu Binacional, de área ocupada por comunidade indígena Avá-Guarani, na Faixa de Proteção do Reservatório de Itaipu, no município de Itaipulândia (PR). Por decisão do Juízo de 1ª instância, em abril deste ano, a posse da área foi deferida em favor da Itaipu Binacional, com prazo para desocupação da etnia indígena até primeiro de junho.
Na manifestação enviada ao STF, Raquel Dodge destaca que o caso tem relação com a Suspensão de Tutela Provisória (STP) nº 109 e a Suspensão de Liminar (SL) nº 1197, ajuizadas respectivamente em 6 de fevereiro e 15 de março deste ano, aguardando pronunciamento do presidente do STF, ministro Dias Toffoli.
Ao defender direito constitucional dos indígenas às terras, Raquel Dodge relembra o histórico de ocupação da comunidade Avá-Guarani do território, bem como de outros pontos do Oeste paranaense ao longo de décadas, descrevendo o histórico de graves violações de direitos humanos contra a etnia. “As áreas ora reivindicadas pela Itaipu Binacional, na verdade, foram adquiridas por meio de uma gravíssima cadeia de expulsão, remoção e intrusão dos territórios indígenas do Oeste do Paraná, situação essa que não pode obter a chancela do Poder Judiciário, sem um necessário e amplo estudo acerca da situação fática que embasa a pretensão em exame”, alertou a PGR.
Dodge também destaca a lentidão na demarcação da Terra Indígena pela Fundação Nacional do Índio (Funai), pleiteada pela etnia Avá-Guarani desde 2009. A negligência na execução da política motivou instauração de Ação Civil pelo Ministério Público Federal (MPF) em Foz do Iguaçu, que denuncia consequências como contaminação do solo por agrotóxicos e consequente contaminação da comunidade, conflitos fundiários e situação de extrema pobreza.
A PGR chama atenção ainda para a necessidade de cautela do Poder Judiciário no enfrentamento da questão, diante do curto prazo determinado para a retirada forçada dos indígenas do local e o risco iminente de acirramento dos conflitos entre indígenas e não-indígenas, ocasionado graves consequências para a segurança dos envolvidos. “A retirada dos indígenas das terras à força, neste momento, contribuirá para o aumento da tensão e do conflito fundiário, porque toca em ponto especialmente sensível aos indígenas”, adverte Raquel Dodge.
Para Dodge, é mais prudente manter inalterado o estado atual dos fatos, garantindo, ao menos por ora, a permanência das famílias indígenas no local em que se encontram, sendo o perigo da execução de medida reintegratória infinitamente maior que a manutenção do status atual. Ainda mais levando em conta que inexiste notícia de eventual degradação ambiental da área em discussão por parte dos indígenas ali localizados – confirmando entendimento da própria Suprema Corte, no julgamento da PET nº 3.388, de que “há perfeita compatibilidade entre meio ambiente e terras indígenas, ainda que estas envolvam áreas de ‘conservação’ e ‘preservação’ ambiental”.
Comunidade Kaingang
Em outro documento endereçado à presidência do STF, a PGR também pede a suspensão, em caráter de urgência, dos efeitos de decisão da 1ª Vara Federal de Carazinho, no Rio Grande do Sul, que determinou a reintegração de posse contra a Funai, para a retirada de famílias da etnia Kaingang do Parque Municipal João Alberto Xavier da Cruz, nos arredores da cidade de Carazinho.
O local foi ocupado por famílias da aldeia Kairú em 2016, após a retirada dos indígenas de outra locação, em decorrência do cumprimento de outra medida de reintegração de posse. Após tentativas de negociação entre o município e a Funai, nova medida liminar para reintegração foi determinada em favor do município pela 1ª Vara Federal de Carazinho, em 29 de janeiro, para desocupação da área do Parque Municipal João Alberto Xavier da Cruz, no prazo de 30 dias corridos, sob pena de desocupação forçada. Após diversos agravos interpostos e a concessão de prorrogação em 30 dias, a Justiça determinou como 22 de maio a data limite para a retirada das famílias do parque.
No pedido, Dodge também relaciona as similaridades entre o caso e as Suspensões de Liminares nº 833/PR e nº 1.200/PR, devendo ser apreciadas juntamente pelos riscos de grave lesão à segurança pública de todo os envolvidos, diante da remoção forçada.
Embora não haja reivindicação da etnia para reconhecimento da área em questão como terra indígena, a PGR ressalta que a ocupação do parque está diretamente relacionada à expropriação sofrida pelos Kaingang das terras tradicionalmente ocupadas por eles, culminando na exclusão social sofrida pela comunidade. A etnia reivindica a demarcação de territórios no município de Carazinho desde 2004.
Dodge destaca que, embora o juízo de primeiro grau e a corte regional tenham reconhecido a situação peculiar vivenciada pelos Kaingang, “limitaram-se a aplicar as regras atinentes à posse civil, para acolher o pleito possessório formulado pelo autor da ação”. Ela defende que a perspectiva da proteção constitucional da posse indígena seja considerada para a apreciação do caso: “A lei civil deve ser interpretada a partir dos comandos constitucionais, e não o contrário”, argumenta.