Processo sobre retomada Guarani do Arado Velho passa para Justiça Federal
A 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça anulou as decisões tomadas anteriormente pelo juiz estadual
O processo judicial referente à situação da comunidade Guarani Mbyá das terras do Arado Velho, no extremo-sul de Porto Alegre, será transferido para a competência federal, segundo decisão tomada pela 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho na semana passada. O órgão entendeu que havia tumultuação no processo por parte do juiz responsável, anulando as decisões tomadas anteriormente por ele, inclusive a que proibia apoiadores de frequentar o local.
O acórdão do TJ-RS acata a correição requerida pelo Ministério Público Federal contra o juiz de 1º grau da Comarca da Restinga, Osmar de Aguiar Pacheco – responsável pelo caso até então -, e considera que a matéria atinge competência da justiça federal, a qual deverá decidir sobre a existência de direito indígena no caso. Na última sexta-feira (1), o coordenador da regional sul do Conselho Indigenista Missionário, Roberto Liebgott, se reuniu com o procurador federal Jorge Irajá para falar sobre a decisão.
“A decisão do TJ determinou que os autos do processo sigam para a Justiça Federal, ou seja, transferiu a competência. Outra questão importante é que todas as decisões do juiz de primeira instância se tornaram nulas, perderam o efeito jurídico. Obviamente há recursos tramitando por parte do empreendimento, mas a princípio os indígenas estão seguros no local onde se encontram e os apoiadores não poderão mais receber abordagens e constrangimentos”, comemorou Roberto.
O relator, desembargador Nelson José Gonzaga, afirmou em seu voto que fica evidenciada “a inversão tumultuária de atos pelo juízo de origem, tendo em vista que, além de decidir sobre questão já definida na lide, impediu que a justiça federal examinasse o interesse da causa. Outrossim, deixou o juízo de origem de intimar o Ministério Público Federal e a FUNAI da decisão que alterou a competência, o que se o mostrava obrigatório e que, de igual maneira, causou a inversão tumultuária da causa”.
Em seu voto, ele aponta que a intimação do MPF se faz “imprescindível, mesmo nos casos em que o Ministério Público não atue como parte, mas como fiscal da lei”. Os desembargadores João Moreno Pomar e Heleno Tregnago Saraiva votaram com o relator, decidindo acatar a correição parcial.
A situação
Os indígenas vivem acampados em um pequeno pedaço de terra na Fazenda do Arado velho, nas margens do Rio Guaíba, desde junho de 2018. Desde que chegaram, eles são alvo de processo e de intimidações movidos pela Arado Empreendimentos Imobiliários Ltda., proprietária do terreno, que planeja construir um grande condomínio na área.
De acordo com o Cimi, “os Guarani, desde que entraram na terra, no mês de junho, sofreram inúmeras ameaças físicas e psicológicas”. Desde dezembro, o local está cercado e há a presença de seguranças “dia e noite”. “Os indígenas não estão tendo acesso a nada. Estão cercados dentro de uma área de praia bem restrita”, relatou Roberto. Em janeiro, os indígenas relataram terem sido acordados com barulho de tiros e sofrido ameaças de morte.
Em fevereiro, o juiz Osmar de Aguiar Pacheco emitiu duas decisões relacionadas ao caso. Inicialmente, no dia 15, proibiu os apoiadores de adentrarem a fazenda, argumentando que “com abuso de direito estão tentando criar artificialmente um povoamento indígena no local com reiteradas invasões e suporte logístico aos ocupantes”. Agora, com a determinação do TJ, ambas as decisões tornaram-se nulas.