Despejo iminente tem o potencial de reeditar confronto que terminou com a morte de Oziel Terena
Desembargador atendeu ao pedido de parentes da ministra da Agricultura Tereza Cristina, proprietárias da Fazenda Esperança, e decidiu pelo despejo contra retomada Terena
Véspera de carnaval, sexta-feira à noite. Encoberto pelo som da folia tão esperada pela população, e protegido por um feriado prolongado, o desembargador Wilson Zahuy, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3a Região, atendeu ao pedido de duas parentes da ministra da Agricultura Tereza Cristina, proprietárias da Fazenda Esperança, e despachou uma reintegração de posse contra um grupo Terena que retomou área localizada dentro dos limites da Terra Indígena Taunay-Ipegue, município de Aquidauana (MS). Uma semana depois da decisão, os Terena podem receber – a qualquer momento – a indesejada visita de tropas policiais para cumprir o despejo.
A Procuradoria da Fundação Nacional do Índio (Funai) recorreu, mas acabou derrotada e agora apela à Presidência do TRF-3. O grupo de procuradores alega que os Terena “devem permanecer no local aonde estão há seis anos, até que se consolide a questão mediante o trânsito em julgado do processo judicial, vez que há perigo de perda de vidas na remoção forçada da comunidade indígena (SIC)”. Afirmam os procuradores que a propriedade rural Fazenda Esperança se encontra dentro dos limites da T.I Taunay-Ipegue, “demonstrando a probabilidade do provimento do recurso de apelação (SIC)”. Ou seja, os indígenas podem ser retirados de uma terra que a eles pertence.
Conforme conversas com os Terena, a possibilidade dos indígenas saírem da área está fora de cogitação: a comunidade afirma se preparar para defender a terra retomada em 2013, portanto há seis anos, à época como uma forma de protesto ao assassinato de Oziel Terena (na foto acima). No dia seguinte à morte do jovem indígena, durante reintegração de posse da aldeia Buriti, o grupo Terena retomou a área. Na ocasião uma reintegração de posse contra o grupo chegou a ser suspensa dias depois da tragédia que se abateu sobre Oziel (veja arquivo de matérias do caso aqui).
Lindomar Terena, liderança do povo no Mato Grosso do Sul, demonstra preocupação com um possível despejo. “Ali é uma área que para poder fazer a reintegração não existe outro caminho a não ser passar dentro de três aldeias até chegar na retomada”, diz. Taunay-Ipegue é uma terra indígena que possui Portaria Declaratória publicada em 2 de maio de 2016. “O Estado reconheceu que é tradicional do povo Terena. Acontece que agora a Tereza Cristina assumiu o ministério da Agricultura, responsável pelas demarcações nesse novo governo, e as donas da Fazenda Esperança são suas primas”, conclui.
O potencial, explica Lindomar Terena, é de que esta reintegração, se for posta adiante, termine como o despejo conduzido pelas polícias Federal e Militar na aldeia Buriti, Terra Indígena Buriti, município de Dois Irmãos do Buriti. Numa manhã do dia 30 de maio de 2013, a ação policial terminou com tiros disparados contra os indígenas, correria e o corpo de Oziel sendo carregado já sem vida em rede nacional. “Avaliamos que pode acontecer na Esperança o que ocorreu na Buriti. E se acontecer? A comunidade vai reagir. Essas forças policiais passarão pelas aldeias. As famílias das pessoas na retomada estão nas aldeias. Pode causar uma violência muito grande, assusta só de pensar”, explica Lindomar.
O que as proprietárias da Fazenda Esperança, incidente sobre a Terra Indígena, não se preocupam é exatamente com aquilo que a Justiça deveria se preocupar, na opinião dos Terena. “Estamos à beira de um confronto com potencial de repetir o que aconteceu no Buriti. O discurso anti-indígena que hoje está no governo federal os tornam incapazes de apresentar uma solução para acabar com a insegurança jurídica para ambas as partes. Jogam mais combustível, e ainda no Mato Grosso do Sul, que já é um lugar com amplas violações de direitos humanos e episódios como o do Oziel, do Simeão Guarani Kaiowá e tantos outros”, analisa Lindomar Terena.
Em canetada do presidente Jair Bolsonaro, na Medida Provisória 870, para a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários (SEAF/MAPA) foi transferida a atribuição de identificar, delimitar e demarcar terras indígenas, antes responsabilidade da Fundação Nacional do Índio (Funai). Lindomar Terena lembra que para a secretaria a advogada ruralista Luana Ruiz Silva Figueiredo foi convidada por Tereza Cristina, ocupando o cargo de secretária-adjunta. Por ela passaráos procedimentos demarcatórios. A Procuradoria-Geral da República (PGR) considera inconstitucional a MP 870.
Advogada ruralista do MS nas demarcações
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) protocolou na sexta-feira, mesmo dia da decisão do desembargador pelo despejo dos Terena, representação junto à PGR pedindo investigação sobre conflito de interesses envolvendo a advogada e produtora rural Luana Ruiz diante das funções que exerce como secretária-adjunta de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A nomeação de Luana foi publicada pelo Diário Oficial da União (DOU) no dia 25 de janeiro, após indicação da ministra Tereza Cristina, parente das autoras do pedido de despejo dos Terena da TI Taunay-Ipegue.
A advogada, que fez parte do Governo de Transição, acumula declarações contra os direitos constitucionais dos povos indígenas: “é preciso cortar as pernas da Funai”, “o câncer (…) é o estudo da terra pelo antropólogo” e que “não se fala em território indígena, o território é um só: o território da nação”. Chegou a defender o uso de armas de fogo contra as retomadas indígenas de terras tradicionais meses após a morte de um Guarani Kaiowá em terra tradicional homologada (leia notícia completa aqui).
Luana Ruiz não se restringe ao discurso e milita nos tribunais contra demarcações territoriais. De acordo com o Artigo 37 da Constituição Federal e a Lei 9784, que regula o processo administrativo, são necessárias imparcialidade e isenção para postulantes a cargos públicos – como este oferecido à advogada ruralista. Caso tais requisitos legais não sejam observados, o nomeado fica impedido de desempenhar a função por ter interesse na matéria. Esse interesse, conforme a legislação, pode ser também reflexo, ou seja, ligado à família ou aos círculos pessoais do indicado ao cargo.